21 Outubro 2022
"Os especialistas em política ensinam que, para que um protesto resulte em mudança de governo, deve conseguir coagular suas reivindicações numa agenda e identificar uma liderança. No momento, a situação ainda está na fase magmática da revolta espontânea. Uma evolução 'política', no entanto, não está excluída. Nisso a comunidade internacional pode desempenhar um papel positivo", escreve Lucia Capuzzi, jornalista italiana, em artigo publicado por Avvenire, 19-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vamos começar pelo slogan: "Zan, Zendegi, Azadi" ou "Mulheres, vida, liberdade". A versão persa da antiga reivindicação do feminismo curdo ressoa nas praças e ruas do Irã desde a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, em 16 de setembro passado. Um grito tão poderoso que o regime dos aiatolás tentou esmagar o protesto com mão de ferro. Sem conseguir, pelo menos por enquanto.
A "revolução das mulheres", foi chamada pela mídia e pelos ativistas. Talvez, no entanto, seria melhor defini-la de 'revolução dos iranianos liderada pelas mulheres'.
Elas são a ponta de lança do protesto. Não é por acaso: com a fundação da República islâmica, em 1979, os direitos das mulheres – nas esferas civil, política e social – foram comprimidos de maneira drástica. E o mal-estar das mulheres insere-se num descontentamento que afunda na recessão, agravada pelo Covid e continuado no pós-pandemia, e na compressão progressiva dos espaços de liberdade. Para todos, embora o fardo seja mais pesado nos ombros femininos.
As iranianas, no entanto, não são apenas o catalisador, mas o motor da rebelião. A razão afunda suas raízes na história da oposição silenciosa posta em prática nos últimos 43 anos através do que o sociólogo Asef Bayat definiu de "o poder da presença". Um "feminismo da vida cotidiana", capaz de disputar o espaço público aos fundamentalistas sem campanhas deliberadas, mas com a obstinação da ação mínima, não violenta e repetida.
No trabalho, no esporte, na educação, na arte, nas mídias, as mulheres do Irã tentaram resistir, desafiar e negociar margens de manobra para reduzir o nível de discriminação. Diante de um sistema que tentava relegá-las ao privado, elas decidiram sair. Uma espécie de continuação em câmera lenta da chamada “revolta inconclusa”, expressão cunhada pelo diretor e cinema Chapour Haghighat para descrever a cruenta ruptura pelas forças khomeinistas do movimento social progressista que havia deposto o Xá.
As filhas e as netas daquela experiência – embora nascidas e criadas na férrea disciplina da República islâmica –, paradoxalmente, foram obrigadas a encontrar uma nova estratégia pelo progressivo enrijecimento do sistema.
Na última década, assediados pelo eterno inimigo saudita, pela crise econômica, pelo crescimento das instâncias das minorias, os aiatolás rejeitaram as experiências reformistas.
A eleição do 'duro' Ebrahim Raisi, três anos atrás, elevou a pressão ao mais alto nível. Na mira das manifestantes, o véu acabou, em seu conteúdo político mais que religioso. Afinal, na 'República do hijab', este último foi muitas vezes o emblema do conflito. Proibido por governos seculares entre 1936 e 1979, Khomeini fez dele o símbolo da oposição ao Ocidente.
As iranianas agora o transformaram no emblema da luta de um povo oprimido. Sinais onde a Nobel Shirin Ebadi leu os prenúncios de uma "verdadeira revolução".
No Afeganistão sob o jugo dos Talibãs, é o direito à educação que vê sempre as mulheres, as garotinhas, embora com menor visibilidade internacional, na linha de frente à oposição ao novo Emirado.
É claro que, no caso de Teerã, pode-se supor que o momento da explosão não seja inteiramente casual. E que muitas potências internacionais poderiam ser tentadas a alimentá-la ou apoiá-la por interesses geopolíticos mais que por solidariedade. Se existe ou não, o eventual empurrão externo insere-se num cenário incandescente.
Será este o início do fim do regime dos aiatolás?
Os especialistas em política ensinam que, para que um protesto resulte em mudança de governo, deve conseguir coagular suas reivindicações numa agenda e identificar uma liderança. No momento, a situação ainda está na fase magmática da revolta espontânea. Uma evolução "política", no entanto, não está excluída. Nisso a comunidade internacional pode desempenhar um papel positivo.
Não se trata de "exportar a democracia" ou "salvar as mulheres", como disse Laura Bush em 2001 referindo-se ao Afeganistão. Justamente o fracasso de Cabul, de volta à estaca zero após mais vinte anos de guerra, demonstra como impor ideias e instituições pela força seja uma perigosa quimera. Entre as sanções ou os protestos virtuais com o corte de mechas de cabelo, há, no entanto, outras opções resumidas nas palavras diplomacia e negociação. Em um contexto cada vez mais interdependente e global, até Teerã tem medo do isolamento, retórica à parte.
Por fim, há o papel da mídia: informar, com senso crítico e completude, para além da fácil emoção do momento. Esse é o melhor serviço que se pode prestar às iranianas. E para todos aqueles que lutam no mundo por seus direitos.
Zan, Zendegi, Azadi.
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O grande poder da presença: a força das mulheres no Irã de hoje. Artigo de Lucia Capuzzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU