30 Agosto 2022
Boas as nomeações, evidentes as repressões, acordo frágil e necessário: assim pode-se resumir o resultado da décima assembleia nacional de representantes católicos chineses (Wuhan, 18-20 de agosto), a crescente pressão do controle policial sobre as religiões e a provável renovação do acordo sino-vaticano em outubro próximo. Um contexto que obriga bispos e fiéis a um difícil equilíbrio e a um precário caminho. Como equilibristas.
O artigo é de Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, publicado por Settimana News, 26-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O congresso contou com a presença de 345 delegados de 28 divisões administrativas do país. Havia cerca de sessenta bispos. A convocadora é a Associação Patriótica, órgão definido pelo regime para a independência (administrativa, de gestão e de pregação) do catolicismo local. Impressionaram favoravelmente as nomeações para os principais cargos tanto da Associação Patriótica quanto da Conferência Episcopal: Joseph Li Shan (Pequim) e Shen Bin (Hainmen).
Os dois órgãos, não reconhecidos pelo Vaticano pela natureza política do primeiro e pela não universalidade do segundo, tiveram um desenvolvimento contraposto. Após o acordo sino-vaticano de 2018, a Associação Patriótica perdeu poder por não gerir de forma independente as nomeações episcopais, enquanto a Conferência Episcopal, onde todos os bispos são agora reconhecidos por Roma, está crescendo.
“Li Shan é um bom homem - assinalou-me um especialista - mas não tem uma personalidade forte. É difícil prever o quanto ele conseguirá escapar dos condicionamentos do cargo. Shen Bin, ex-vice-presidente da Associação Patriótica e palestrante no congresso, tem um perfil mais marcado. Lembra-me Jin Luxian, o bispo de Xangai de algumas décadas atrás. Mesmo que sua autonomia seja muito modesta.”
De acordo com um boato divulgado pela La Croix (24 de agosto), Li Shan "foi bem recebido na diocese, mas hoje também há vozes críticas a seu respeito... Aliás, nada de estranho, dada a sua tarefa". O fato relevante é que ambos são reconhecidos pelo papa e é a primeira vez que isso acontece. Tomando como certa a sujeição ao partido e à orientação de Xi Jinping, os comentários do lado Vaticano são positivos. Muitas questões permanecem, incluindo o papel de um novo comitê de supervisão para a Associação, bem como para a Conferência mencionado pela Asianews (22 de agosto).
Os dados positivos não se destacam muito também devido à pressão judicial sobre o nonagenário cardeal Zen, bispo emérito de Hong Kong.
Preso em maio passado como participante do conselho de administração de um fundo destinado a ajudar e apoiar os perseguidos politicamente em Hong Kong, será julgado entre 19 e 23 de setembro próximo. Devido à sua idade avançada e à sua autoridade, seu caso prejudicou seriamente a credibilidade da magistratura de Hong Kong e do governo chinês.
A oposição tetragonal do cardeal ao acordo sino-vaticano é conhecida a ponto de recorrer a avaliações pessoais e grosseiras em relação à Secretaria de Estado do Vaticano e da autonomia de juízo do Papa Francisco. Seu progressivo distanciamento das decisões pertinentes foi anulado pelo processo instaurado contra ele. Se, na mentalidade dos funcionários chineses, o bom resultado das votações mencionadas pode tornar digerível a eventual condenação no processo, não é um cálculo justo.
Entre os muitos sinais em sentido contrário, recordo a resolução do Parlamento Europeu de 6 de julho que convida a Santa Sé a intensificar a pressão sobre os órgãos estatais chineses.
Em uma entrevista em 18 de julho, Mons. Paul Gallagher, secretário do Vaticano para as Relações com os Estados, disse: “A Santa Sé está muito preocupada com a prisão do Cardeal Zen… Acho que a prisão foi muito surpreendente e esperamos que o assunto possa ser resolvido satisfatoriamente em um futuro próximo”.
O caso do cardeal é um dos muitos elementos que indicam o progressivo aperto das liberdades da cidade, violando os acordos internacionais firmados. O bispo Stephen Chow falou sobre isso com o papa em 17 de março passado.
Gallagher comenta: “A Santa Sé está empenhada na defesa da liberdade religiosa. O bispo alerta para a redução do espaço para os católicos de Hong Kong: lamentamos e tentaremos estar próximos o máximo possível... Encorajaremos as pessoas a desfrutar da melhor forma possível as liberdades que possuem, o espaço que lhes restou, como fazemos por muitos outros países do mundo."
As violências administrativas, os processos de controle e a redução dos residuais espaços de liberdade estão se acelerando em todo o país.
Aos novos e restritivos regulamentos do governo (2018) às medidas sobre o pessoal religioso (fevereiro de 2022), das normas sobre as mídias de informação àquelas sobre a gestão financeira (2022): tudo responde ao que Xi Jinping pediu na conferência religiosa nacional (dezembro de 2021) para uma implementação rigorosa das políticas marxistas e um controle das religiões no que diz respeito à segurança nacional.
Assim, em 29 de julho, o bispo de Leshan, Lei Shiyin, celebra o aniversário de fundação do partido na catedral (1921) convidando "a ouvir a palavra do partido, sentir a graça do partido e seguir o partido".
Há alguns meses, uma direção pastoral do bispo de Baoding, F. An Shuxin, vem sendo discutida, em que se ameaça censurar os padres que não se registram na Associação Patriótica. Mas o ponto mais delicado é a substância da indicação do partido sobre a "sinização" das fés.
Depois de décadas tentando extingui-las (e falhando), agora se quer perseguir o mesmo objetivo, curvando-o nas formas da ideologia nacionalista? A "sinização" pode ser aproximada positivamente à inculturação?
“A inculturação, como as Igrejas cristãs a entendem, responde à sua preocupação de se adaptar à especificidade das culturas locais, em vez de impor o modelo das culturas ocidentais. Inculturação não significa adaptação ou aculturação que vão em uma única direção dispersando-se na cultura local. Pelo contrário, visa não só enriquecer a cultura encontrada, mas também enriquecer o cristianismo com a sua contribuição. Neste duplo movimento, a mensagem cristã e a cultura local se fecundam mutuamente."
"Nada disso no conceito de 'sinização'. O termo significa 'tornar-se chinês', ou seja, 'tornar nacional' e implica conformidade com os objetivos políticos do partido e obediência ao Estado. A 'sinização' cara a Xi Jinping nada tem a ver com a noção teológica de inculturação da fé. Na verdade, trata-se da adesão das religiões à política do Partido Comunista para torná-las religiões nacionais” (C. Meyer, Le revouveau eclatant du spiritual en Chine, 2021, pp. 142-143).
É verdade que as palavras podem mudar gradualmente de significado, como foi o caso de "independência" que, no acordo sino-vaticano, não impede que o papa tenha a última palavra na escolha dos bispos. E, no entanto, não é fácil para um bispo, um padre e um cristão estabelecer o limite intransponível da conformidade com a ideologia.
A importância do acordo sino-vaticano ressurge. Não só pela redução de muitos canais diplomáticos após a tensão EUA-China (o último episódio é a visita de Nancy Peloni a Taiwan e as subsequentes de alguns senadores estadunidenses), mas também pelo significado indireto que tem para a salvaguarda da liberdade da consciência crente.
O papa, em entrevista à Reuters (julho de 2022) e à rádio espanhola Cope no ano anterior, confirmou que o acordo continuará. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês também falou do acordo "implementado com sucesso pelos esforços de ambos os lados".
Até agora está estritamente limitado à nomeação de bispos (6 foram nomeados e outros 6 se valeram dele para entrar na diocese), mas as nomeações são lentas em comparação com as quarenta dioceses ainda vagas (são ao todo 104, de acordo com as novas fronteiras civis). O reconhecimento de todos os bispos "ilegais" ainda não aconteceu.
Muitas outras questões pastorais não são afetadas. Dificultosas as visitas às comunidades diocesanas pela Santa Sé (e não apenas pela Covid). Muito distante o encontro do secretário de Estado com o seu homólogo chinês. E mais ainda, uma viagem do papa à China.
Em uma entrevista recente ao Limes (setembro de 2022), o card. Parolin disse: "O objetivo do acordo era garantir que todos os bispos da China estivessem em comunhão com o sucessor de Pedro e que fosse assegurada a unidade essencial das comunidades eclesiais, tanto internamente como entre si, sob a orientação de prelados dignos e idôneos, plenamente chineses, mas também plenamente católicos... Quanto à avaliação sobre os resultados do acordo, parece-me que se pode dizer que houve progresso, mas que nem todos os obstáculos e as dificuldades foram superados e, portanto, é ainda um caminho a percorrer para a sua boa aplicação e também, através de um diálogo sincero, para o seu aperfeiçoamento.”
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
China: vocação equilibrista. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU