23 Agosto 2022
A reportagem é de José Lorenzo, publicada por Religión Digital, 22-08-2022.
Nos últimos meses, multiplicaram-se as informações (algumas com a clara intenção de minar a autoridade do Papa) sobre a renúncia mais ou menos iminente de Francisco, que, muito naturalmente, também se pronunciou sobre aquela catarata de rumores. A última, e também mais clara, em seu retorno de sua recente viagem ao Canadá, na última semana de julho:
“Acho que não consigo andar no mesmo ritmo de antes. Acho que na minha idade e com essa limitação [a lesão no joelho] tenho que reservar algumas forças para poder servir à Igreja. Ou também poderia considerar a possibilidade de me afastar, o que honestamente não seria uma catástrofe, já que o Papa pode ser trocado sem problema”, disse ele no voo de volta.
A nova constituição apostólica Praedicate evangelium não contempla nenhuma medida para tais casos. Isso também não parecia ser o lugar, certamente. A "transição" ocorreu com relativa normalidade após a renúncia de Bento XVI em 2013, mas é verdade que, embora haja respeito e admiração mútuos entre Bergoglio e o Papa Emérito Ratzinger, essa convivência, fisicamente a poucos metros de ambas as residências, não deixou, no entanto, de causar certa estridência, e manipulações do emérito, que foram interpretadas como apoio a setores críticos do pontificado de Francisco.
E embora esses mal-entendidos tenham sido convenientemente esclarecidos, observadores e especialistas não deixaram de analisar os inconvenientes que essa “coabitação” trouxe, o que levou inclusive um grupo de especialistas canônicos da Universidade de Bolonha a preparar uma espécie de anteprojeto de “estatutos” para a figura do Papa Emérito.
A visita de 28 de agosto à basílica de L'Aquila, ao túmulo de São Celestino V (visitado também pelo Papa Ratzinger), que no final do século XII emitiu um decreto declarando o direito de um Papa a renunciar voluntariamente, desencadeou mais uma vez as especulações de que Francisco poderia se pronunciar sobre a conveniência de regulamentar, sete séculos depois, essa questão e, sobretudo, articular normas sobre o que poderia ser a convivência entre dois ou mais papas eméritos, o mesmo que acontece agora com algumas dioceses, onde os titulares convivem com os eméritos.
Nesse sentido, o rascunho como constituição apostólica desses canonistas da prestigiosa Universidade de Bolonha, e encontrado em progettocanonicsederomana.com, contém normas muito precisas, concisas e perfeitamente inteligíveis, portanto, pouco propícias à busca de recantos interpretativos.
Assim, em uma questão que causou atritos durante a “coabitação” entre Bergoglio e Ratzinger, como suas aparições públicas (poucas, sim), o alistamento, “por causa da posição especial de aposentadoria e oração que ele assume, e em vista do bem comum, a Igreja pede ao Bispo Emérito de Roma:
1. a) ter especial cuidado para não interferir direta ou indiretamente nas atividades próprias do governo da Igreja universal;
2. b) favorecer um estreito vínculo de comunhão e obediência fraterna com o Romano Pontífice;
3. c) evitar estar presente na mídia;
4. d) consultar o Romano Pontífice a publicação de quaisquer escritos sobre a doutrina e a vida da Igreja, sobre questões sociais, ou que possam ser entendidos como pareceres de acordo com o magistério pontifício;
5. e) ajudar a missão evangelizadora com sua vida de oração e penitência, alimentada pela experiência e conhecimento das necessidades espirituais e apostólicas da Igreja em todo o mundo”.
Diz-se também que só o Romano Pontífice "tem o direito exclusivo de julgar o Bispo Emérito de Roma", que "pode continuar a usar o manto talar branco nas suas aparições públicas" e residir "no lugar da sua escolha, incluindo o cidade de Roma e o Estado da Cidade do Vaticano”, comunicando a decisão previamente ao Papa. Nesse sentido, Francisco disse em recente entrevista à Televisa que, se renunciar, “não voltarei à Argentina. Sou o bispo de Roma e, neste caso, serei o bispo emérito de Roma” e que iria morar em São João de Latrão.
Isso se encaixa bem com o disposto na referida minuta, pois contempla que "uma vez que a renúncia tenha efeito, o renunciante não assume ou recupera a dignidade do cardeal, nem as funções que lhe são atribuídas", o que não significa que o Papa “pode pedir livremente a colaboração e o conselho do Bispo Emérito de Roma em assuntos que afetam o bem da Igreja universal”.
Particular importância é dada pelos canonistas da Universidade de Bolonha ao aspecto das relações pessoais e públicas entre o novo Romano Pontífice e seu predecessor. Assim, assinala-se que “é necessário estabelecer alguns dispositivos que organizem tais relações, mas não há dúvida de que o conteúdo humano e espiritual da convivência não deve e não pode ser disciplinado por lei. Em todo o caso, a fraternidade e o espírito de comunhão, que devem inspirar essas relações, são compatíveis com a obediência sempre devida ao único Sucessor de Pedro”.
E numa reflexão evangélica para sustentar este espírito de obediência, o texto assinala que "o Romano Pontífice que renuncia ao seu ofício é chamado a viver de modo muito especial a máxima do Batista a respeito de Jesus Cristo: "É conveniente que Ele cresça e que eu diminua" (Jo 3, 30). Deste modo, procurará viver a humildade de ser "o grão de trigo que morre e assim frutifica" (Jo 12,24). A nova situação do renunciante aconselha claramente um afastamento da vida pública eclesiástica e civil que facilita o trabalho do Romano Pontífice” para “evitar situações de confusão, mal-entendidos ou possíveis mal-entendidos”.
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O Vaticano está preparando estatutos sobre a função do Papa Emérito? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU