17 Agosto 2022
Devemos reconhecer que há pelo menos três elementos que assumimos como evidentes em relação à missa, mas que não são mais evidentes.
A reflexão é de Gilberto Borghi, teólogo leigo, filósofo e psicopedagogo clínico italiano, formador na cooperativa educativa Kaleidos. O artigo foi publicado por Vino Nuovo, 12-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O artigo de Marco Pappalardo [disponível em italiano aqui] me levou a levar a sério uma afirmação dele: “É fácil apontar o dedo para o Pe. Mattia [que presidiu a missa para um grupo de jovens dentro de um lago, sem camisa, usando um colchão inflável como altar] ou aplaudi-lo, sem que nada mude em mim e na comunidade; por outro lado, é difícil se interrogar sobre o modo como celebramos”.
A impressão que tenho é que essa dificuldade nasce do fato de que, mesmo antes de nos interrogarmos sobre o modo como celebramos, devemos reconhecer que há pelo menos três elementos que assumimos como evidentes em relação à missa, mas que não são mais evidentes.
O primeiro. A missa não é um fato privado, mas comunitário. A questão, então, é: ainda existem comunidades cristãs? Ou seja, existem grupos de pessoas que, pelo fato de crerem, ativam relações mais ou menos organizadas com outros fiéis, não apenas na celebração litúrgica, mas também na sua vida cotidiana? “Pelo fato de crerem” significa que o encontro com o outro não é gerado apenas por uma necessidade humana ou pela possibilidade espaço-temporal de se cruzar com o outro, mas pelo desejo de compartilhar a própria fé. Isto é, quantas vezes, fora da celebração, encontramos e tecemos relações com alguém precisamente porque é uma pessoa de fé e queremos compartilhar com ela a nossa experiência de fé?
Porque, fora disso, não é possível falar de comunidade, mas no máximo de grupos humanos, classes sociais, pertencimentos culturais, quando se trata de sociedade civil. Hoje, infelizmente, cada vez mais, devemos reconhecer que deveríamos falar de multidão social, ou seja, indivíduos que se relacionam entre si apenas pelas exigências do “sistema” e que nem sequer esperam mais poder resolver juntos os problemas que têm em comum, mas imaginam que a solução é sempre e somente individual.
Se as pessoas que ainda frequentam a Igreja também tendem a ser assim, de que comunidade estamos falando? Encontrar-se uma breve hora no domingo na igreja e depois levar vidas quase absolutamente paralelas durante toda a semana, sem que o fato de ter fé jamais gere um encontro entre essas pessoas não é comunidade! Então, como podemos pretender que aquela hora dominical seja vivida como comunidade?
Segundo. A missa é uma celebração. Mas o que significa celebrar? Hoje, mais uma vez, somos capazes de dar a essa palavra um significado suficiente para que possa descrever a riqueza de sentido da missa? Celebrar tem a ver com o reconhecimento socialmente compartilhado do sentido das coisas, das pessoas, dos eventos. Por isso, convida à suspensão do ritmo ordinário da vida e tende a abrir dentro dela um espaço e um tempo em que uma pessoa, um evento, um dado real é “relido” no seu significado, que tende a ir além do espaço e do tempo. Por isso, requer a admissão da existência de um sentido que transcende as coisas e, ao mesmo tempo, que esse sentido esteja sempre constantemente encarnado na vida real.
A missa, portanto, requer que seja admitida a coincidência entre encarnação e transcendência. Mas isso hoje, em âmbito católico, está bem longe de ser reconhecido. Em muitíssimas reflexões que li nos últimos dias sobre a missa, abriga-se a ideia de que ela deve ser ou transcendente ou imanente. Raramente encontro reflexões em que se reconhece que encarnação e transcendência caminham de mãos dadas; caso contrário, celebrar torna-se a simples repetição tranquilizadora e cumpridora de um rito, reduzido a uma dimensão humana mesmo quando temos a sensação de ter feito uma grande experiência de transcendência. Não muito longe da repetição do rito do aperitivo, do estádio ou de qualquer outra celebração humana de hoje.
Terceiro. A missa celebra a páscoa de Cristo. Na sua origem histórica, ela nasceu com a ênfase no domingo, ou seja, na ressurreição. Isto é, ela celebra a vitória na ressurreição, da alegria sobre a dor, do amor sobre o ódio, da beleza sobre a desarmonia, da verdade sobre a mentira, que se realiza precisamente na oferta total de si.
Em outras palavras, a missa nasce e vive da afirmação da vida sobre a morte. Por isso, ela deve expressar também em termos perceptíveis pela natureza humana – mesmo que marcada pelo pecado – alegria, beleza, verdade, vida.
A impressão que eu tenho é que hoje, na Igreja, o centro ainda seja a Sexta-Feira Santa, e não o Domingo de Páscoa. Alegria, beleza, verdade, vida não parecem ser realmente o centro da experiência que se vive na celebração. E, por outro lado, fora da Igreja, essas palavras são conjugadas em média em formas expressivas que a tradição católica não consegue, mas às vezes também não sabe e não quer reconhecer.
Então, ou encontramos formas compatíveis com a liturgia para expressar essas experiências humanas que celebram a vida ou a ressurreição de Cristo tenderá cada vez mais a ser insignificante, além daquilo que já é, até mesmo dentro do mundo dos fiéis.
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Mais algumas perguntas sobre a missa. Artigo de Gilberto Borghi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU