23 Novembro 2021
A ação ritual da eucaristia é um ato de Cristo e da Igreja. Portanto, ao mesmo tempo, “não é” nossa e “é” nossa. Se, por “nossa”, dizemos “da Igreja” e não identificamos a Igreja em um “ente” confiado apenas à gestão hierárquica, mas capilarmente presente no corpo eclesial, dotado dos munera régios, proféticos e sacerdotais, devemos admitir que a missa é sempre “nossa” também.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 20-11-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O que significa afirmar que “a missa não é nossa”? Com essa expressão, quer-se indicar corretamente uma “perda de poder” sobre a ação ritual. Como é evidente, há muita coisa boa nisso. De fato, é justo que, na experiência ritual da fé, nos encontremos em uma condição de “tomar a iniciativa de perder a iniciativa”.
Como ato de “reconhecimento”, o ato ritual nunca é um ato absolutamente criativo. No entanto, para ser um ato ritual, a missa também deve permanecer como um ato relativamente criativo. Por esse motivo, na afirmação “a missa não é nossa”, ao lado do bom fundamento de uma conjectura razoável e devida, pode-se insinuar uma pequena e grande distorção. Vejamos por quê.
a) A ação ritual da eucaristia é um ato de Cristo e da Igreja. Portanto, ao mesmo tempo, “não é” nossa e “é” nossa. Se, por “nossa”, dizemos “da Igreja” e não identificamos a Igreja com um “ente” confiado apenas à gestão hierárquica, mas capilarmente presente no corpo eclesial, dotado dos munera régios, proféticos e sacerdotais, devemos admitir que a missa é sempre “nossa” também.
b) Essa titularidade “comum” da ação, que permite pensar Deus e o seu povo, Cristo e a sua Igreja, como sujeitos do rito, nos induz a reler todos os códigos expressivos da celebração com um olhar menos drástico. Em todas as linguagens da missa, nem só Deus, nem só o povo, nem só Cristo, nem só a Igreja agem. Mas sempre e ao mesmo tempo uns e outros, juntos, concordemente, em uma relação qualificadora.
c) A Reforma Litúrgica também devolveu as palavras a essa lógica complexa. Um repertório, que nasceu em grande parte em língua latina, é agora celebrado nas línguas faladas, que não são simplesmente a tradução do latim, mas também a valorização daquilo que o latim, como qualquer outra língua de Babel, não consegue dizer. Dizer que “a missa não é nossa” não significa pensar que só podemos traduzi-la literalmente a partir do latim. Isso seria ao mesmo tempo uma ingenuidade e um abuso.
d) Mas isso não basta. Se o rito é composto por textos autorizados e que normalmente constituem a base invariável do texto falado, a relação com esses textos não pode ser apenas de repetição. Por nascerem de “plúrimas expressões” da mesma fé, não excluem em absoluto que, nas devidas condições, não possam ser consideradas exclusivas. Uma Igreja que, precisamente no seu ato mais decisivo, só fosse capaz de “reproduzir textos clássicos” e incapaz de improvisar com fidelidade e com gosto seria uma Igreja em profunda crise.
e) Por isso, o princípio “a missa não é nossa” não pode ser utilizado como princípio orientador. Não só porque a Igreja não pode negar que teve e ainda tem uma “autoridade” sobre a missa. Não só para estabelecer, por exemplo, que haja uma, três, cinco ou dez orações eucarísticas, mas também para reconhecer que a assembleia que se reúne faz parte do mistério que é celebrado. Na medida em que essa conjectura se torna uma evidência, então sempre será possível se referir ao princípio, mas com o devido discernimento.
Não é raro que, quanto mais drástica é a afirmação de “falta de poder”, mais forte é o desejo de conservar tudo sem qualquer alteração. Um dos recursos mais utilizados, nos últimos 40 anos, para calar toda demanda legítima de reforma, foi precisamente o mesmo: a Igreja que não quis mudar uma única vírgula da sua disciplina muitas vezes se refugiou no argumento (sofístico) da ausência de poder.
Se o Concílio tivesse feito assim, não teríamos elaborado nem o conceito de participação ativa nem o processo de reforma que nos levou aos novos ritos. Um dispositivo de bloqueio que queira excluir toda criatividade da missa é tão perigoso quanto uma abordagem arbitrária e descontrolada.
Em suma, afirmar que “a missa não é nossa”, embora com toda a sua parcial razoabilidade, corre o risco de soar singularmente coerente com as formas mais intolerantes de tradicionalismo eclesial. Nenhuma intervenção sobre o texto da missa se justifica em si mesma, a menos que haja um caminho comunitário que elabore formas respeitosas de aprofundamento, de reflexão, de articulação e de enriquecimento da fé eclesial.
Visto que isso não é comum, mas não pode ser excluído, o princípio afirmado é um princípio relativo, mas não um princípio absoluto. O que equivale a dizer que relembrar isso significa apontar para um uso que também pode se tornar um abuso.
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“A missa não é nossa”. Uso e abuso de um princípio. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU