27 Julho 2022
Se o Papa Francisco iniciou uma “viagem penitencial” no Canadá, com uma atenção especial aos povos nativos (24 a 29 de julho), há outra viagem que não ocorrerá.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada em Settimana News, 26-07-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O patriarca de Moscou, Kirill, foi punido pelo governo canadense (11 de julho) pelo seu apoio à guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia e como oligarca, partícipe das fortunas econômicas do chefe do Kremlin.
Ele é, portanto, uma persona non grata no país. Uma censura análoga ocorreu no dia 16 de junho por parte do governo inglês. Em 24 de julho, uma medida semelhante, aprovada pelo Parlamento Europeu, foi bloqueada pelo veto do presidente húngaro, Viktor Órban.
A censura de autoridades políticas contra personalidades religiosas (cf. também o caso do Patriarca Porfírio da Sérvia) sempre se presta a discussões e suspeitas, mas a dissidência contextual das Igrejas indica a questionável exposição dos interessados. Kirill tem os seus defensores previsíveis.
O arcebispo Gabriel de Montreal (“Igreja Ortodoxa Russa no Exterior”, próxima de Moscou) qualificou a censura do governo como “absurda”: “O patriarca é o chefe da Igreja, tem a sua própria opinião, e não entendo por que as autoridades políticas ocidentais politizam a questão. Tudo isso corresponde à russofobia que reina hoje no Ocidente”.
“Do meu ponto de vista, é normal que ele apoie o presidente da Federação Russa e o exército russo que defende os interesses da Rússia e dos habitantes russófonos do Donbass.”
“Hoje, a Rússia foi forçada a tomar medidas para proteger a população civil do Donbass dos bombardeios dos neonazistas, que duram há oito anos.” É o nacionalismo selvagem ucraniano que manifesta uma certa inspiração demoníaca.
Uma segunda voz a favor de Kirill é a do bispo Teodósio, arcebispo de Sebastia, do Patriarcado de Jerusalém. Em 20 de junho, ele escreveu: “As acusações contra o primaz da Igreja Ortodoxa Russa são percebidas por nós como ações hostis do Ocidente contra toda a Igreja Ortodoxa”. Um mês depois, amplamente divulgado pelas mídias patriarcais russas, ele escreveu: “As potências ocidentais que exaltam a democracia e os direitos humanos, enquanto apoiam casamentos homossexuais e outras coisas impossíveis de aprovar ou aceitar pela razão humana, estão atacando o Patriarca Kirill, que é o pastor supremo dos fiéis da Igreja Ortodoxa Russa, tanto dentro quanto fora das fronteiras”.
Posições fortemente contestadas por muitas vozes ortodoxas, incluindo o bispo Marco, da “Igreja Ortodoxa Russa no Exterior” da Alemanha. O site do Patriarcado de Constantinopla (Orthodox Times) se pergunta se “o arcebispo de Sebastia fala pessoalmente ou expressa o ponto de vista do Sínodo do Patriarcado de Jerusalém”.
Uma história de resistência é narrada pelos padres russos (cerca de 300) que assinaram uma petição contra a guerra. Entre as poucas informações sobre eles está a prisão de Joann Kurmoyarov, réu por ter postado no YouTube uma dura crítica à guerra russa.
Ele já havia sido suspenso do serviço na Igreja Russa em 2022 porque havia denunciado como “templo pagão” a consagração da nova e mastodôntica igreja das forças armadas russas. O tribunal de São Petersburgo confirmou a prisão e a detenção. Mais de 16.000 pessoas foram detidas, multadas e presas desde o início da guerra.
Por sua parte, o Patriarca Kirill nunca perde uma oportunidade para abençoar e apoiar a guerra de agressão contra a Ucrânia. Em 20 de junho, ao inaugurar a Catedral de Spassky em Penza (Moscou), salientou que, enquanto as Igrejas são fechadas e vendidas no Ocidente, “nós, com a reação horrorizada do mundo que não nos entende, estamos construindo os templos de Deus. Somos a Rússia do século XXI... A pátria está crescendo conosco. E vemos os nossos jovens defendendo a Rússia no campo de batalha”.
Ao visitar um hospital militar no dia seguinte, ele afirmou que a proteção mariana ajudaria os soldados a obterem o apoio divino. Em uma visita posterior a Kaliningrado, a faixa de território entre a Polônia e os países bálticos, ele sublinhou a “diferença” da Rússia em relação ao Ocidente: “Infelizmente, essa alteridade da Rússia provoca um sentimento de ciúmes, inveja e ressentimento, porque sabemos que a nossa pátria nunca fez mal a ninguém”.
Em 21 de julho, acompanhando a extraordinária exibição do ícone da Trindade de Andrei Rublev (1411), ele elogiou a harmonia com a comunidade muçulmana e invocou a proteção “dos inimigos internos e externos, pelos quais o nosso bem-estar é muitas vezes sentido como mais irritante do que uma faca afiada”.
A já tradicional celebração do aniversário do massacre da família imperial em Ecaterimburgo, ocorrido em 17 de julho de 1918, também se tornou motivo de retórica nacionalista: “Vivemos hoje um período único da nossa história, a era do renascimento da Rússia, da unificação do povo russo” (Metropolita Eugênio de Ecaterimburgo).
Em muitos aspectos, é dramática a posição das outras religiões e confissões. Não para os muçulmanos, que imediatamente confiaram na narrativa imperial do czar, invocando o extermínio dos neonazistas ucranianos. Os judeus estão em grande dificuldade.
O rabino-chefe de Moscou, Pinchas Goldschmidt, foi forçado a deixar o país por não justificar a guerra. “Não pude ficar em silêncio diante da terrível guerra dos últimos meses e diante de tantos sofrimentos. Eu me pronunciei contra.”
Para não se tornar um fardo insuportável para a sua comunidade, ele abandonou o país e a representação dos 165.000 judeus presentes na Federação Russa. O delicado ecossistema das comunidades judaicas imediatamente sentiu o choque. O Ministério da Justiça pediu a dissolução da Agência Hebraica do país, a estrutura que preside a emigração dos judeus para Israel. O fluxo das fugas chegou a 10 mil casos nos últimos meses.
As poucas comunidades protestantes estão em grande dificuldade. Em uma entrevista para o jornal Riforma do dia 29 de março, Eduard Khegay, bispo da Igreja Metodista Unida, disse: “Estou chocado com a decisão da Rússia de iniciar aquela que aqui devemos chamar de operação militar. Também é dramático descobrir que a maioria da população apoia a ação, pelo menos 70% segundo as pesquisas, e entre eles também muitas pessoas das nossas Igrejas, um aspecto muito doloroso para mim diante do sofrimento de milhões de ucranianos”.
“Metodistas, evangélicos, batistas, assim como o restante da sociedade, estão experimentando essas divisões em seu interior, essa polarização que não admite complexidade.”
Não é diferente para os católicos. No documento conclusivo dos trabalhos sinodais, denuncia-se uma situação de polarização interna e a renovada centralidade da oração e da confiança na Providência. Muito mais explícita é a posição do cardeal Kurt Koch, do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos: “A justificativa pseudorreligiosa da guerra pelo Patriarca Kirill deve sacudir todos os corações ecumênicos. Do ponto de vista cristão, uma guerra de agressão não pode ser justificada; no máximo, sob certas condições, uma defesa contra um agressor injusto. Rebaixar a brutal guerra de agressão de Putin como uma ‘operação especial’ é um abuso de palavras. Devo condená-la como uma posição absolutamente insustentável”.
Em um comentário de Stefano Caprio (AsiaNews), afirma-se: “E mais do que a guerra, os campos de concentração e a comida, o que dá nova vida ao passado (a ‘glória staliniana’ e a estagnação brejneviana) é a insuportável ilusão de uma superioridade moral e religiosa, que gostaria de celebrar a capacidade dos russos de se unirem em solidariedade e apoio aos dirigentes do país, proclamando o fim do individualismo libertário que arruína as almas dos depravados ocidentais”.
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Canadá: a viagem que não ocorrerá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU