27 Julho 2022
A discussão sobre a sinodalidade, para ser expressão específica de comunhão na Igreja, deve abordar o aprofundamento teológico e, consequentemente, jurídico das relações entre povo de Deus e hierarquia.
A opinião é de Vinicio Albanesi, professor do Instituto Teológico Marchigiano, presidente da Comunidade de Capodarco desde 1994 e fundador da agência jornalística Redattore Sociale e, junto com o Pe. Luigi Ciotti, da Coordenação Nacional das Comunidades de Acolhida (CNCA) da Itália.
O artigo foi publicado em Settimana News, 23-07-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois do discurso do Papa Francisco por ocasião da comemoração do 50º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos (17 de outubro de 2015) e da convocação do novo Sínodo (15 de setembro de 2018), a sinodalidade tornou-se um tema de grande fermentação na Igreja universal, até porque a constituição apostólica Episcopalis communio predispôs uma série de indicações para a assembleia, para a fase preparatória, celebrativa e de implementação.
A Conferência Episcopal Italiana preparou um esquema complexo (“Caminho Sinodal das Igrejas na Itália”) com indicações que envolvem todas as dioceses por diversos anos.
O próprio pontífice esteve muito atento ao tema da sinodalidade, alertando também contra o clericalismo, grave limite de abordagem da ação pastoral (cf. A. Lebra, “Clericalismo”, Settimana News, 24 de setembro de 2020, disponível em italiano aqui).
A Comissão Teológica Internacional (CTI) elaborou um documento próprio (“A sinodalidade na vida e missão da Igreja”, 2 de março de 2018), definindo o que se entende por sinodalidade: “Indica o modus vivendi et operandi específico da Igreja povo de Deus, que manifesta e realiza concretamente o seu ser comunhão no gesto de caminhar juntos, de se reunir em assembleia e de participar ativamente por parte de todos os seus membros na missão evangelizadora” (n. 6).
Será preciso aguardar a celebração do Sínodo para acolher as suas indicações. É útil trazer à tona as contradições das disposições canônicas atuais em relação ao espírito de comunhão: um terreno deixado inculto, porque permanecem sem solução os nós teológicos, antes que pastorais e jurídicos.
O Concílio, na Lumen gentium, dedicou o segundo capítulo ao sacerdócio comum dos fiéis, pedindo uma linha de continuidade entre leigos e clérigos: “O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo” (LG, n. 10).
Mas o texto da Lumen gentium não trata da forma de se relacionar entre sacerdócio hierárquico e sacerdócio comum. Daí resulta uma dupla leitura: “A visão alternativa entre uma visão do ministério ancorada no agir in persona Christi e uma visão de representação da comunidade que parece comprometer aquela constituição hierárquica da Igreja afirmada no capítulo III da Lumen gentium” (“Commentario al documenti del Valicano II”, vol. 2, Lumen gentium, Bolonha: EDB, 2015, p. 167).
A discussão sobre a sinodalidade, para ser expressão específica de comunhão na Igreja, deve abordar o aprofundamento teológico e, consequentemente, jurídico das relações entre povo de Deus e hierarquia.
A atual configuração jurídica da estrutura eclesial é hierárquica e clerical. É verdade que, após o Concílio, o novo Código de Direito Canônico dedicou 15 cânones e um título inteiro às obrigações e aos direitos de todos os fiéis (cân. 208-223), mas a estrutura eclesial permaneceu substancialmente ancorada na hierarquia, assim como o Código de Direito Canônico continua no Título III do Livro II.
A nomeação do bispo ocorre por mão pontifícia, após um relatório gerido pelo núncio pontifício competente, protegido pelo “segredo papal”.
A oração litúrgica da sua consagração invoca o sumo sacerdócio: “Pela força do espírito do sumo sacerdócio, tenham eles o poder de perdoar os pecados, segundo o vosso mandato; disponham os ministérios na Igreja segundo a vossa vontade; dissolvam todo vínculo com a autoridade que destes aos Apóstolos”.
O bispo, titular de uma diocese, resume os poderes legislativo, judiciário e executivo do território. Nomeia os membros da organização curial nos seus diversos ofícios, incluindo o ecônomo diocesano. Preside a formação do clero e determina o acesso ao sacramento da ordem. Atribui as paróquias, nomeando párocos e colaboradores paroquiais. Nomeia os membros do colégio dos consultores. Publica os estatutos do conselho presbiteral e do conselho pastoral diocesano.
Pode convocar o sínodo diocesano sem vínculos de tempo. Nas causas de nulidade no processo brevior, elabora e publica a sentença. Para um eventual recurso contra ele, o percurso jurídico é o recurso hierárquico, isto é, a si mesmo. Pode impor penalidades. Pode reduzir um presbítero ao estado laical. Supervisiona as associações católicas, incluindo os mosteiros sui iuris. É o representante legal da diocese com responsabilidade civil e penal.
O mesmo esquema se reproduz, em níveis inferiores, para a autoridade de um pároco. Ele é o representante legal da paróquia com as consequentes responsabilidades em relação aos colaboradores (conselho econômico paroquial, conselho pastoral paroquial), na gestão dos horários dos serviços religiosos, dos catequistas, dos cantores, dos leitores, dos ministros extraordinários da eucaristia.
Apesar desse esquema, nas próprias leis canônicas, há vestígios de participação nas funções de santificar, ensinar e governar por parte dos batizados:
- nas ações litúrgicas (cân. 230; 910 § 2; 911 § 2; 943 etc.)
- no ministério da Palavra (cân. 759 e 766)
- na assistência canônica aos matrimônios (cân. 1.112)
- na pastoral das paróquias (cân. 517 § 2)
- na ação missionária propriamente dita (cân. 783)
- em ofícios e encargos eclesiásticos vários (cân. 228 § 1-2)
- na administração dos bens eclesiásticos (cân. 1.282)
- na celebração do sínodo diocesano (cân. 460 e 463 § 2)
- no exercício do poder de governo (cân. 129 § 2)
- na atividade judiciária dos tribunais eclesiásticos: na qualidade de juízes (cân. 1.421 § 2), como assessores-consultores (cân. 1.424), como auditores (cân. 1.428 § 2), como promotores de justiça e defensores do vínculo (cân. 1.435).
Aos fiéis leigos, é confiada também a tarefa da animação da ordem temporal, com o direito-dever de cumprir tarefas seculares (cân. 225 § 2), incluindo a faculdade de instituir associações de fiéis (cân. 298-329), segundo as finalidades próprias das associações católicas (culto, pastoral, caridade).
Portanto, não existem objeções teológicas e jurídicas para a participação mais ampla nas funções de santificar, ensinar e governar na Igreja.
Em algumas partes do mundo, a aplicação concreta de tais funções já está até em andamento (pensemos nas missões).
Muitos esforços têm sido feitos para justificar teológica e juridicamente a prevalência – imprópria – ao menos nas funções da hierarquia. Muitas vezes, a justificativa oferecida é até teológica (“Cristo quis assim”), manipulando a própria teologia. Que tal ingerência/prevaricação possa ser filha de poder/ciúme é uma suspeita legítima.
Os esquemas participativos correm o risco de ser reduzidos a “liturgias” ineficazes e até farisaicas. Nenhuma participação verdadeira pode se declarar como tal se se limitar a simples consulta e/ou “conselho”.
Portanto, é um problema invocar a sinodalidade com uma abordagem totalmente hierárquico-clerical, apesar do esforço da definição das três fases da celebração do Sínodo pela CEI em narrativa (2021-2023), sapiencial (2023-2024), profética (2025), às quais se seguirão indicações de escolhas evangélicas até o término da década (2030).
A conclusão pode ser deduzida das palavras da própria Comissão Teológica: “Restam muitos passos a serem dados na direção traçada pelo Concílio. Hoje, em vez disso, o impulso a se realizar uma figura sinodal pertinente da Igreja, embora amplamente compartilhada e tendo experimentado formas positivas de implementação, parece necessitar de princípios teológicos claros e de orientações pastorais incisivas” (n. 8).
E ainda: “A implementação da dimensão sinodal da Igreja deve integrar e atualizar o patrimônio do antigo ordenamento eclesiástico com as estruturas sinodais que surgiram por impulso do Vaticano II e deve estar aberta à criação de novas estruturas”, como recordou o Papa Francisco no discurso de comemoração do 50º aniversário do Sínodo dos Bispos.
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A sinodalidade e o direito canônico. Artigo de Vinicio Albanesi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU