22 Julho 2022
Na segunda parte da entrevista, o arcebispo Paul Gallagher, secretário de Relações Exteriores do Vaticano, fala sobre o relacionamento com a China e dá sua avaliação do acordo provisório entre os dois lados sobre a nomeação de bispos. Ele revela que o Vaticano em breve indicará diplomatas para os escritórios em Hong Kong e na missão diplomática no Taiwan (essa nomeação foi reportada em 19 de julho pelo jornal italiano Avvenire, Stefano Manzotti é o nomeado interinamente como encarregado de negócios em Taipei, e o monsenhor José Luis Diaz María Blanca Sanchez foi enviado para o “estudo de missão da Santa Sé” em Hong Kong).
Dom Paul Gallagher também fala sobre a preocupação da Santa Sé com a instável situação na Terra Santa e o risco de mais violência entre israelenses e palestinos. Ele enfatiza a importância de um maior comprometimento pelos Estados Unidos de ajudar a resolver esse conflito, o qual dura mais de 70 anos.
Confira também a primeira e a terceira parte da entrevista.
A entrevista é de Gerard O'Connell, publicada por America, 20-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Voltando-se para a China: Já se passaram quatro anos desde a assinatura do acordo provisório. Que balanço você tira disso?
O balanço, suponho, não é muito impressionante. Tivemos seis nomeações episcopais e há outras em andamento. Então não é sem resultados. Suponho que gostaríamos de ver mais resultados, e há muito trabalho a ser feito. Mas o acordo está dando certo até certo ponto. O acordo poderia render mais, mas tivemos a covid, e as delegações não conseguiram se reunir nos últimos anos. Então, estamos trabalhando nisso agora, e estamos tentando avançar e fazer o acordo funcionar e funcionar melhor.
Existe um plano para as delegações de ambos os lados se encontrarem?
Estamos trabalhando nisso. Sim. A esperança é realizar um encontro em um futuro próximo.
Seria em Roma ou em Pequim?
Temos que esperar e ver.
Houve algum progresso em alguma questão não incluída no acordo?
Não, porque as delegações discutem apenas as coisas dentro do acordo. E acho que o acordo tem a função de ser uma espécie de medida de confiança; se pudermos trabalhar com sucesso com as autoridades chinesas na nomeação de bispos, isso obviamente ajuda ambas as partes a começarem a examinar outras questões também.
No meu entendimento, antes da assinatura do acordo, a delegação chinesa costumava dizer que não poderia discutir qualquer outro assunto até que o acordo fosse assinado. Por exemplo, eles não podiam discutir a questão dos bispos clandestinos ou o número de dioceses ou a Santa Sé abrindo um escritório em Pequim até que o acordo fosse assinado. Mas após a assinatura do acordo, a delegação da Santa Sé pôde discutir outras questões desse tipo?
Sim, em algumas dessas coisas tem havido alguma discussão. Houve alguma discussão, particularmente sobre a questão do escritório e coisas assim. Discussões, sim, mas ainda sem conclusões.
Você ainda não nomeou um novo representante para o escritório de estudos da Santa Sé em Hong Kong desde que o ex-diplomata do Vaticano foi transferido para outro lugar. Por quê?
Estamos nomeando, sim! Porque esta é a época do ano em que fazemos as transferências no serviço diplomático da Santa Sé.
O mesmo vale para Taiwan? Você também está nomeando um diplomata do Vaticano para lá?
Sim. Também o estamos nomeando.
Por que o Vaticano nunca publicou o texto do acordo provisório com a China? Ouvi muitos cardeais e bispos na Ásia, e também em outros lugares, criticando o fato de não conhecerem o texto deste acordo. Ninguém viu o texto fora de um pequeno círculo. Por que o sigilo?
O texto do acordo foi redigido antes de eu assumir o cargo e nunca foi substancialmente alterado desde que assumi este cargo. Sou levado a acreditar que, desde o início, foi decidido de comum acordo que o texto não seria publicado, pelo menos até que fosse assinado definitivamente. Além disso, há um compromisso de tentar melhorar o texto. Quando vemos que talvez certas coisas não funcionem tão bem quanto deveriam, então esse pode ser o momento em que o texto pode ser modificado e melhorado.
Mas as mudanças seriam apenas em relação à nomeação dos bispos.
Sim. Essa é a única coisa que o acordo toca.
Você se encontrou com o ministro das Relações Exteriores chinês em Munique em 14 de fevereiro de 2020. Existe alguma outra reunião de alto nível em andamento?
Há um desejo, sim. Este é o desejo de ver o sarrafo sendo erguido progressivamente, para que o cardeal Pietro Parolin encontre alguém mais elevado na hierarquia que [o ministro das Relações Exteriores] Wang Yi, ainda que não o presidente, mas assim, eventualmente, possivelmente, preparando o caminho para um encontro entre Xi Jinping e o Santo Padre. Existe esse desejo.
O desejo é apenas da Santa Sé ou é compartilhado pela China?
Acho que os chineses concordam que deve haver um aumento gradual do nível de contato direto entre nós.
O Papa Francisco disse recentemente que espera estender o acordo que expira em outubro. Você está planejando estender o acordo por mais dois anos, ou torná-lo um acordo definitivo, ou o quê?
Dado que as delegações não se encontram há mais de dois anos devido à covid, acho prematuro assinar definitivamente o acordo. Caberá às duas partes negociar se vamos renová-lo por um ano ou dois anos. Da última vez, renovamos por dois anos. Suspeito que será assim novamente.
Desde o último encontro presencial, há mais de dois anos, houve algum encontro virtual entre as delegações do Vaticano e de Pequim?
Não. Não tivemos nenhuma reunião virtual.
O cardeal Joseph Zen foi preso em Hong Kong em 12 de maio e posteriormente libertado sob fiança. Como você interpreta a prisão dele?
Bem, obviamente, a Santa Sé estava muito preocupada com a prisão do cardeal Zen. Não sabíamos que ele era membro dessa organização [a 612 Humanitarian Relief Fund, que forneceu assistência jurídica, médica e financeira para os presos e feridos durante os protestos pró-democracia]. Eu certamente não estava ciente disso. Óbvio que ele ser membro dessa organização não era apreciado pelas autoridades em Hong Kong. Eu penso que sua prisão foi algo muito surpreendente para nós, e eu espero que a matéria possa ser resolvida satisfatoriamente em um futuro próximo.
Eu entendi que as autoridades de Hong Kong confiscaram o passaporte do cardeal Zen, então ele não está apto a vir para o consistório de final de agosto no Vaticano.
Bem, se ele não tem os documentos para viajar, ele não pode viajar.
O novo bispo de Hong Kong, o jesuíta Stephen Chow, escreveu recentemente no Sunday Examiner, jornal da diocese, (2 de junho de 2022): “Posso sentir que Hong Kong, incluindo nossa Igreja, está se tornando mais uma existência dentro de rachaduras. E o espaço para nossa liberdade de expressão, que tínhamos como certo, parece diminuir”. Como a Santa Sé lê a situação em Hong Kong?
A Santa Sé está empenhada na defesa da liberdade religiosa. Se o bispo sentir que o espaço para os católicos de Hong Kong está diminuindo, obviamente lamentamos isso e tentaremos dar o maior apoio possível. Obviamente, a situação mudou se é isso que o bispo está dizendo. Acho que estaremos incentivando nosso povo a aproveitar ao máximo a liberdade que eles têm, o espaço que eles têm, como faríamos em muitos países do mundo. Não é como se a liberdade religiosa fosse tão garantida hoje em dia; há muitas restrições à liberdade das pessoas. E a Santa Sé trabalha para tentar ajudar e melhorar essas situações onde quer que estejam, seja em Hong Kong ou em qualquer outro lugar.
Você concorda que as restrições impostas agora à Igreja na China continental e em Hong Kong dificultam muito a promoção do Ensino Social da Igreja?
Bem, eu teria que falar com o bispo para saber quais são essas restrições e, francamente, não sei quais são agora. Eu acho que obviamente pode haver restrições sobre o que as pessoas podem publicar, o que elas podem dizer. Quando você está falando agora, você está falando muito genericamente sobre restrições, e eu não sei como isso realmente funciona, como isso acontece na Igreja em Hong Kong.
Voltando à Terra Santa, como você vê a situação atual lá? O governo desmoronou em Israel, houve aumento da violência entre israelenses e palestinos desde o início do ano, e muitos observadores pensam que a situação pode explodir novamente. Então, como você vê isso?
Acho que você tem razão em dizer que a situação é extremamente delicada. Você está certo, a violência é um problema crescente. Há fragilidades institucionais de ambos os lados, como vemos no colapso do governo Bennett-Lapid. Além disso, há muitas questões pendentes entre os palestinos também. Obviamente, há um crescente desespero, eu diria, entre os jovens de ambos os lados.
O assassinato da jovem jornalista católica Shireen [Abu Akleh] chocou a todos. Esse é apenas um exemplo, um exemplo muito gráfico, dos problemas da Terra Santa. E acho que precisamos renovar nosso compromisso com a paz e o diálogo e tentar promover o compromisso da Santa Sé com a solução de dois Estados, com o status internacional de Jerusalém, que as pessoas tendem a descartar nos últimos anos.
Mas então se pergunta, que outras propostas estão sobre a mesa? Vimos que o governo do presidente Trump fez algumas propostas que obviamente não saíram do papel. Acho que há um desejo renovado de uma concentração renovada no Oriente Médio. Infelizmente, no mundo e na mídia, tendemos a nos concentrar em uma questão de cada vez, e a guerra ucraniana está consumindo tudo. Mas há outras situações que exigem nossa atenção: há a Síria, o Líbano; há o conflito Israel-Palestina; há outras situações, também, que merecem a atenção da comunidade internacional.
A Santa Sé tem em mente algum novo esforço para enfrentar a dramática situação na Terra Santa?
Acho que diríamos que estamos sempre fazendo algum tipo de esforço em ambos os lados. Tentamos nos envolver o máximo que podemos, da maneira que podemos, através do núncio em Israel, do delegado apostólico em Jerusalém e em toda a região. Quando Shireen foi assassinada, e obviamente isso teve um enorme impacto na comunidade católica e palestina, pedimos ao embaixador palestino que viesse e explicasse sua visão da coisa. E também convidamos o embaixador israelense junto à Santa Sé para entrar, e tentamos transmitir uma mensagem forte e robusta ao seu governo naquele momento também.
Você vê neste caso mais um exemplo da tentativa de atingir a mídia, os jornalistas, por relatar o que realmente está acontecendo na Terra Santa. Muitos jornalistas foram mortos, detidos ou reprimidos pelo trabalho que fazem. A Santa Sé pode fazer alguma coisa nesta situação?
Acho que a Santa Sé defende o direito à vida de todos, da maneira que pudermos. Se algum grupo em particular está sendo alvejado na Terra Santa, então obviamente isso é motivo de grande tristeza e escândalo. Mas se você olhar ao redor do mundo, os jornalistas estão na mira às vezes em muitas situações de conflito, e acho que a Santa Sé e as igrejas locais fazem o que podem, mas não temos soluções prontas para todos essas situações.
Você iria à Terra Santa como representante oficial do Vaticano se fosse convidado?
Sim, se eu fosse convidado! Eu nunca estive na Terra Santa, mesmo em viagem particular, então gostaria muito de ir.
Nas últimas décadas, acho que a tendência tem sido de funcionários de alto escalão da Secretaria de Estado não irem à Terra Santa. O Santo Padre vai e depois é acompanhado por aquelas pessoas. Mas sim, eu iria, mas não vejo como muito provável que haja tal convite. Também não recebemos muitos funcionários de alto escalão de Israel, desde que estou aqui. Não sei se algum funcionário israelense de alto nível chegou à Secretaria de Estado nos últimos anos.
Você diz que não se encontrou com nenhum funcionário de alto escalão no Vaticano nos últimos anos?
Não, não lembro de ter me encontrado.
Como você explica isso?
Não tenho uma explicação pronta. Há obviamente um desejo por parte dos israelenses de manter as relações formalmente como estão.
Obviamente, os Estados Unidos são um dos atores-chave no Oriente Médio e na Terra Santa, e todos dizem que sem os Estados Unidos realmente entrando em peso, não haverá solução para o conflito israelo-palestino. Você compartilha dessa opinião?
Eu certamente compartilho da opinião de que os Estados Unidos da América são um ator muito importante. O presidente Biden está prestes a fazer uma visita à região. Se uma solução pode ser alcançada sem os americanos, eu não sei. Obviamente, eu esperaria que qualquer solução tivesse a boa vontade dos americanos. Acho que não podemos colocar limites nas coisas. Existem outros países que historicamente fizeram contribuições muito importantes para ajudar no conflito Israel-Palestina. Mas certamente acho que as coisas iriam melhor se os Estados Unidos renovassem seu envolvimento lá.
Como você mencionou, o presidente Biden está indo para a Terra Santa. Você fez algum esforço para comunicar suas opiniões e preocupações a ele antes que o presidente vá para lá?
Encontrei-me com o embaixador dos EUA na Santa Sé há alguns dias.
Sobre essa questão?
Sim.
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O futuro das relações China-Vaticano e o papel da Santa Sé na Terra Santa. Entrevista com dom Paul Gallagher [parte 2] - Instituto Humanitas Unisinos - IHU