09 Julho 2022
A carta apostólica Desiderio desideravi do Papa Francisco é um clamor do coração para acabar com as guerras litúrgicas.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas Reese, artigo publicado por Religion News Service, 07-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Você saberá que somos cristãos por nosso amor, mas saberá que somos católicos por nossas lutas.
Infelizmente, uma das coisas pelas quais os católicos lutam é a Eucaristia. Em sua carta apostólica de 29 de junho ao povo católico, o Papa Francisco denuncia essa divisão ao descrever a Eucaristia como o sacramento da unidade.
A carta, “Desiderio desideravi” (“Desejei muito”), dá apoio total às reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II, que exigiam uma participação plena, consciente e ativa dos leigos na Eucaristia. Francisco está claramente entristecido por aqueles que rejeitam as reformas que o conselho considerou absolutamente necessárias.
O papa não vê a liturgia pré-Vaticano II como igual à liturgia reformada, que deveria ser a liturgia de toda a Igreja. “Pretendo que esta unidade seja restabelecida em toda a Igreja”, escreve ele. “Não podemos voltar àquela forma ritual que os padres do Concílio, cum Petro et sub Petro, sentiram a necessidade de reformar.”
A Eucaristia é essencial para a vida da Igreja, segundo a carta de Francisco. Na Eucaristia, “nos é garantida a possibilidade de encontrar o Senhor Jesus e de fazer chegar até nós a força do seu mistério pascal”, escreveu. Mas isso é feito não como indivíduos, mas como uma comunidade: “A liturgia não diz ‘eu’, mas ‘nós’”.
Ele liga a Eucaristia ao Pentecostes, quando, segundo o Livro dos Atos, a comunidade cristã recebeu o Espírito depois que Jesus subiu ao céu. “É a comunidade de Pentecostes que sabe partir o Pão na certeza de que o Senhor está vivo, ressuscitou dos mortos, presente com a sua palavra, com os seus gestos, com a oferta do seu Corpo e do seu Sangue”, escreveu. “Somente a Igreja do Pentecostes pode conceber o ser humano como pessoa, aberta a uma relação plena com Deus, com a criação e com os irmãos”.
“Liturgia é louvor”, exigindo docilidade ao Espírito Santo, que apareceu no Pentecostes em forma de línguas de fogo sobre a cabeça dos apóstolos. O papa disse: “Não tem a ver com um processo mental abstrato, mas com tornar-se Ele”. Ele cita o Papa Leão Magno, que escreveu: “Nossa participação no Corpo e Sangue de Cristo não tem outro fim senão tornar-nos aquilo que comemos”.
Francisco não quer que a Eucaristia “seja estragada por uma compreensão superficial e escorçada de seu valor ou, pior ainda, seja explorada a serviço de alguma visão ideológica, não importa qual seja a tonalidade”. A arte de celebrar a Eucaristia “não pode ser reduzida a apenas um mecanismo rubrical, muito menos deve ser pensada como imaginativa – às vezes selvagem – criatividade sem regras”.
Ambos os tipos de celebrantes tendem a fazer de si mesmos, em vez de Cristo, o centro da liturgia.
Francisco fala extensivamente do mistério pascal, mas o distingue da “vaga expressão ‘senso de mistério’”, que os críticos conservadores dizem ter sido removida da liturgia pelas reformas.
“O espanto ou maravilha de que falo não é uma espécie de superação diante de uma realidade obscura ou de um rito misterioso. É, pelo contrário, maravilhado pelo fato de o desígnio salvífico de Deus se ter revelado no ato pascal de Jesus (cf. Ef 1, 3-14), e a força deste ato pascal continua a chegar até nós na celebração dos ‘mistérios’, dos sacramentos”, escreveu o Papa, referindo-se à Carta de Paulo aos Efésios.
A carta de Francisco contém inúmeras linhas citáveis, como as supracitadas, que podem inspirar e educar os católicos em sua participação na Eucaristia, mas, apesar das intenções de Francisco, esta carta será mais útil para os professores do seminário do que para os fiéis em geral. Está cheio de exortações sobre a necessidade da formação litúrgica, mas não é uma obra catequética.
A carta é um grito de coração para acabar com as guerras litúrgicas e entrar no mistério da morte e ressurreição de Cristo. Francisco observa isso explicitamente em sua primeira linha, vinculando-o ao seu motu proprio “Traditionis custodes”, que limita a celebração do antigo rito.
“A não aceitação da reforma litúrgica”, escreve ele, “nos distrai da obrigação de encontrar respostas para a pergunta que volto a repetir: como podemos crescer em nossa capacidade de viver plenamente a ação litúrgica? Como continuamos a nos deixar maravilhar pelo que acontece na celebração sob nossos olhos? Precisamos de uma formação litúrgica séria e dinâmica”.
Na verdade, é por isso que não acho a carta tão útil, porque ele nunca responde totalmente a essas perguntas. O papa se permitiu ser distraído por dissidentes, concentrando-se nas preocupações de uma pequena, mas barulhenta minoria que se opõe às reformas do Concílio. Isso torna a carta de pouco interesse para a grande maioria dos católicos que não se opõem às reformas, mas precisam se aprofundar no mistério da Eucaristia.
Infelizmente, há muita ignorância entre os católicos (incluindo bispos e padres) sobre a Eucaristia. Muitos católicos ainda pensam que o propósito da Eucaristia é fazer Cristo presente no altar para então o adorarmos.
Isso é bom para a Bênção, mas a Eucaristia é onde a comunidade cristã recorda a vida, morte e ressurreição de Jesus, louva e agradece ao Pai, se une ao sacrifício de Cristo e pede que o Espírito nos transforme em corpo de Cristo para que possamos continuar sua missão na terra.
Este é o coração da Eucaristia, como se vê na oração eucarística proclamada na missa.
Francisco, precisamos de outra carta, que ajude o católico comum a entender e participar da Eucaristia.
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Desiderio desideravi e a questão da Eucaristia: sacramento da unidade e fonte de divisão. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU