A liturgia e o desejo de comunhão: sobre “Desiderio desideravi” do Papa Francisco

Foto: RobertCheaib | Pixabay

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04 Julho 2022

 

"Com a Carta Apostólica Desiderio desideravi, Francisco mostra que não pode sair dessa linha de redescoberta do valor teológico da liturgia, que implica a aceitação dos ritos fruto da reforma como linguagem comum a toda a Igreja e que, assim, em todos os seus componentes, pode ser formada pelos ritos que celebra. Qualquer desvio sobre Novos Movimentos Litúrgicos e Reformas da Reforma é simplesmente uma forma de rejeição do Concílio Vaticano II e suas irrenunciáveis evidências teológicas e eclesiais".

 

O comentário é de Andrea Grillo, filósofo e teólogo italiano, especialista em liturgia e pastoral é doutor em teologia pelo Instituto de Liturgia Pastoral, de Pádua, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua, membro da Associação Teológica Italiana e da Associação dos Professores de Liturgia da Itália, publicado no blog Come se non, 01-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

Como deve ser interpretada a carta apostólica que em 29 de junho de 2022 o Papa Francisco dedicou à "formação litúrgica do povo de Deus"? A carta apostólica nos oferece um primeiro nível de intenção, sobre o qual me debruço, que transparece das primeiras linhas e de uma poderosa retomada, nos últimos números do texto (composto por 65 breves números).

 

É claro que a Desiderio desideravi - DD - declara brotar, como extensão, da “carta aos Bispos” que acompanhou a MP “Traditionis custodes” no ano passado. Do que se trata? Do texto com o qual, devido à Reforma Litúrgica, foi ultrapassado há um ano o regime de “paralelismo” entre duas formas do mesmo rito romano. Na DD, Francisco primeiro se coloca na esteira do texto do ano passado (DD 1) e depois esclarece melhor sua intenção (DD 61):

 

"Somos chamados continuamente a redescobrir a riqueza dos princípios gerais expostos nos primeiros números da Sacrosanctum Concilium compreendendo a íntima ligação entre a primeira das Constituições conciliares e todas as demais. Por isso não podemos voltar àquela forma ritual que os Padres conciliares, cum Petro e sub Petro, sentiram a necessidade de reformar, aprovando, sob a orientação do Espírito e segundo a sua consciência de pastores, os princípios a partir dos quais nasceu a reforma. Os Santos Pontífices Paulo VI e João Paulo II aprovando os livros litúrgicos reformados ex decreto Sacrosancti OEcumenici O Concilii Vaticani II garantiram a fidelidade da reforma ao Concílio. Por isso escrevi Traditionis Custodes, para que a Igreja possa elevar, na variedade de línguas, uma única e idêntica oração capaz de exprimir a sua unidade. [23] Esta unidade, como já escrevi, pretendo que seja restabelecida em toda a Igreja de Rito Romano”.

 

Essa frase indica como o texto se coloca explicitamente na retomada do projeto conciliar e supera claramente a longa fase de hesitação que marcou a Igreja Católica durante a fase final do pontificado de João Paulo II e mais claramente durante o pontificado de Bento XVI. O que precisa ser trazido de volta ao centro da atenção? O texto o diz com uma expressão "clássica": a "formação litúrgica".

 

Com essa expressão se quer retornar ao caráter "comum" do ato litúrgico, primeiramente eucarístico, do qual os sujeitos são Cristo e a Igreja. Se se adquire a qualidade de "celebrantes" de todos os batizados, como faz muito claramente a DD, então é evidente que a dupla formação (na liturgia e por parte da liturgia) só pode ocorrer graças aos ritos decorrentes da reforma, que restabeleceram de forma clara esta antiga verdade: "Lembremo-nos sempre de que é a Igreja, o Corpo de Cristo, o sujeito celebrante, não apenas o sacerdote". (36)

 

Este princípio deriva do valor teológico da liturgia e permite assumir a celebração "comum" como fonte e ápice de toda a ação da Igreja. Portanto, não faz sentido fundar uma ciência litúrgica como "temor dos abusos a evitar", mas como desejo dos usos a aprender. Esta "virada para aprender o uso" é realmente um grande evento de graça. Depois que, a partir de "Redemptionis Sacramentum", havíamos nos acostumado a ouvir intervenções magistrais sobre a liturgia ricas apenas de preocupações, limitações, hesitações, temores, advertências, um texto orientado a retomar o caminho da reforma litúrgica, que assuma um único âmbito de confronto comum e que elimine, estruturalmente, o perigo de uma "segunda mesa" sobre a qual poder fazer a "verdadeira experiência litúrgica", é um grande evento. Seu horizonte é o Concílio Vaticano II e sua preciosa herança, que a DD 31 resume assim:

 

“Se a Liturgia é o ‘ápice ao qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte da qual brota toda a sua energia’ (Sacrosanctum Concilium, n. 10), compreendemos bem o que está em jogo na questão litúrgica. Seria banal ler as tensões, infelizmente presentes em torno da celebração, como uma simples divergência entre diferentes sensibilidades em relação a uma forma ritual. A problemática é sobretudo eclesiológica. Não vejo como se possa dizer de reconhecer a validade do Concílio - ainda que me surpreenda um pouco que um católico possa presumir não o fazer - e não aceitar a reforma litúrgica nascida da Sacrosanctum Concilium, que expressa a realidade do Liturgia em íntima conexão com a visão de Igreja admiravelmente descrita pela Lumen gentium”.

 

A liturgia, graças ao Movimento Litúrgico e ao Vaticano II, pôde voltar a ser a linguagem elementar de uma "comunidade sacerdotal". Com a DD Francisco mostra que não pode sair dessa linha de redescoberta do valor teológico da liturgia, que implica a aceitação dos ritos fruto da reforma como linguagem comum a toda a Igreja e que, assim, em todos os seus componentes, pode ser formada pelos ritos que celebra. Qualquer desvio sobre Novos Movimentos Litúrgicos e Reformas da Reforma é simplesmente uma forma de rejeição do Concílio Vaticano II e suas irrenunciáveis evidências teológicas e eclesiais.

 

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