Pentecostes: a força do espírito ressuscita o mundo com a linguagem da evangelização e da diversidade na unidade

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26 Mai 2021

 

"Com Pentecostes somos chamados a romper barreiras, evangelizar, ser tão velozes como a internet, fazendo com que o mundo conheça e viva na força de Jesus ressuscitado", escreve Frei Jacir de Freitas Faria, OFM.

Frei Jacir é doutor em Teologia Bíblica pela FAJE-BH. Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de exegese bíblica. Membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Padre Franciscano. Autor de vários livros, entre os quais, O Medo do Inferno e a arte de bem morrer: da devoção apócrifa à Dormição de Maria às irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte (Vozes, 2019).

 

Eis o artigo.

 

Na era da internet, uma notícia chega aos quatro cantos do mundo em frações de segundos. Através das teclas de um computador ou de um celular vejo o mundo e me comunico com ele. No entanto, essa revolução não combina miséria e injustiças sociais que assolam o planeta.

 

Celebramos Pentecostes. Como outrora, um vendaval impetuoso, em forma de línguas de fogo, mas também no sopro de Jesus, o Espírito Santo vem para nos desinstalar. A comunidade de Jerusalém, ponto de partida do anúncio do ressuscitado, é o palco de Pentecostes. Aí um pequeno grupo de seguidores de Jesus se transformou em Igreja missionária do ressuscitado. Como entender essa transformação que Pentecostes provocou nas comunidades? O que significa receber o Espírito Santo, hoje?

 

Começar por Jerusalém

 

O movimento de Jesus marcou Jerusalém. As barreiras que aprisionavam a comunidade foram vencidas pela ação do Espírito Santo. At 1,12 conta que os apóstolos haviam voltado para Jerusalém, isto é, voltaram para o lugar sagrado do Judaísmo, a Cidade da Paz e lugar da missão e a salvação para os cristãos. A comunidade de Jerusalém seguiu o pedido do Mestre: “tudo deve começar de Jerusalém!”. A ascensão de Jesus no Monte das Oliveiras teria sido a sua glorificação e certeza da sua presença definitiva na comunidade de Jerusalém de forma histórica (presente), escatológica (futuro) e pneumática (plena do Espírito Santo). Tendo os pés fincados em Jerusalém, a comunidade deveria partir em missão até os confins do mundo para a anunciar que Jesus havia ressuscitado.

 

A unidade na comunidade de Jerusalém

 

Jerusalém é judaica de origem e, por isso, fiel observante da Torá (Lei, conduta, caminho). Os judeus, que aderiram a Jesus, formavam a comunidade de Jerusalém. Na unidade e como memória do martírio redentor e profético de Jesus, ela celebrava a Eucaristia (At 2, 42.46). Como sinal de comprometimento com a justiça social, ela partilhava os bens (At 2,44-45). Ela tinha conflito com as autoridades locais, que se sentiam ameaçadas por um novo poder. A comunidade de Jerusalém vivia centrada e unida em torno aos doze apóstolos (At 4,23-31) e seus ensinamentos (At 2,42). Havia também quem traísse a comunidade, como foi o caso de Ananias e Safira.

 

O Evangelho nos conta que os discípulos, reunidos secretamente em Jerusalém, por medo dos judeus, receberam a visita de Jesus ressuscitado, que lhe ofereceu a paz, o Espírito Santo e os enviou em missão.

 

A diversidade da comunidade de Coríntios

 

Já na comunidade de Coríntios, tendo recebido os dons do Espírito Santo, havia membros que usam os dons do Espírito em benefício próprio. Alguns se vangloriavam dos melhores dons recebidos. Cada um queria aparecer mais do que o outro. Paulo corrige a comunidade (Cor 12,3b-7.12-13), ao ensinar-lhes que muitos são os dons e ministérios: curar, profetizar, discernir, ensinar..., mas o Espírito é o mesmo. O Senhor é o mesmo. É Deus que realiza tudo em todos. Na diversidade, eles precisariam estar unidos.

 

Em Jerusalém ocorre Pentecostes

 

Terminaram os cinquenta dias entre a Páscoa e “Pentecostes”. Era o quinquagésimo dia da “Festa das Semanas”. Era o dia 06 do mês de Sivan. Jerusalém estava repleta de peregrinos. Todos teriam trazido as primeiras colheitas para serem ofertadas no Templo. A peregrinação até Jerusalém teria sido linda. Imagine grupos de pessoas caminhando juntos com cestos de uva, trigo, azeitonas, tâmaras, mel etc. sendo acolhidos em Jerusalém ao som de harpa, flauta e recitação de Salmos. Todos carregavam dentro de si o desejo de agradecer a Deus pelas primeiras colheitas e comemorar o “Dom da Torá”, da Lei dada ao povo no Monte Sinai. Comemorar o recebimento da Torá era o mesmo que afirmar: no dia de sua revelação eu também estava lá (Dt 5, 24), no Sinai. O ontem se torna hoje (Lc 4). E em Jerusalém estavam todos. E todos presenciaram a vinda do Espírito Santo.

 

Pentecostes: batismo da comunidade cristã e não o contráriorio de Babel

 

At 2,1-13 compõe-se de dois relatos unidos: um mais antigo (vv. 1-4 + 12-13) e um mais desenvolvido redacionalmente (vv.5-11). O objetivo do primeiro relato é chamar a atenção para o fato carismático e apocalíptico de Pentecostes. Já o segundo é mais profético e missionário. O seu autor, Lucas, descreve Pentecostes tendo na memória a narrativa em que Moisés recebe as tábuas da Lei. Para confirmar o papel missionário da comunidade de Jerusalém, ele descreve o fato como sendo um novo Sinai, uma nova Torá estava sendo oferecida no dom do Espírito Santo. Não é rompimento, mas continuidade. Assim, Pentecostes torna-se o batismo da comunidade de Jerusalém.

 

Pentecostes não é uma Babel ao contrário (Gn 11,1-9). No contramito de Gn 11,1-9 trata-se de confusão de linguagem e não de línguas, como idiomas. Língua é diferente de linguagem. Língua é um idioma, como o português. Linguagem é um modo de comunicar, como a linguagem da internet ou linguagem teológica.

 

Babel é o confundir o opressor, a Babilônia, seu projeto de dominação. Pentecostes é o falar em língua, idiomas diferentes, a mesma proposta de evangelização. Falar línguas é a evangelização.

 

A partir de Pentecostes, a comunidade se vê fortalecida na sua missão de evangelizar. Sem Pentecostes, a Páscoa (Passagem) em Jesus para uma nova vida não estaria completa.

 

Como ocorreu Pentecostes?

 

A vinda do Espírito Santo ocorreu em uma casa de dois andares, na cidade de Jerusalém, no Monte Sião. Esses dois detalhes, falando de lugares altos, evocam o Monte Sinai.

 

Lucas substitui voz que aparece na narrativa do Sinai por língua. Esses termos são semelhantes e se referem à Palavra, isto é, presença de Deus, que comunica e todos entendem. O milagre de Pentecostes é que cada um entendia os apóstolos na sua própria língua. Isto significa: a evangelização está sendo realizada com sucesso. Por isso, esse fenômeno de “falar em línguas”, também encontrado em At 10,46; 19,6; 1 Cor 12,10.28.30; 14,2.4-6.9, aparece aqui em At 2,4 com o acréscimo de “outras línguas”. Lucas fez isso para mostrar que os apóstolos deviam evangelizar a “todos no mundo todo” e não de falar línguas que ninguém entendia. Não negamos que as comunidades primitivas louvavam a Deus com sons que ninguém entendiam, chamado de “falar em línguas”, mas este dom é muito mais do que isso. É evangelizar.

 

As línguas de fogo é um modo apocalíptico para dizer que Deus se manifestou (Ex 3,2-3; 13,21; 19,18). No deserto, Deus acompanha o povo deserto numa coluna de fogo que iluminava a noite (Ex 13,20-22). No Sinai, Ele desce para falar com o povo e Moisés por meio de um fogo (Ex 19,18). E é isto que ocorre em Pentecostes. O Espírito Santo é o fogo da Palavra de Jesus que deve ser anunciada pelos seus seguidores.

 

Uma multidão, como outrora no deserto, estava em Jerusalém. Ela provinha de 12 povos e 3 regiões. Basicamente estavam em Jerusalém três grupos: 1) Nativos do oriente (partos, medos e elamitas); 2) Habitantes do leste (Mesopotâmia), norte (Ásia), sul (Líbia) e os da Judéia, Capadócia, Ponto, Frígia, Pnafília e Egito; 3) Estrangeiros (romanos judeus e prosélitos, cretenses – povo marítimo – e árabes – povos do deserto). Curioso é o fato que Lucas não menciona o território das Igrejas paulinas (Síria, Macedônia e Grécia). Na menção aos povos, Roma está em último lugar.

 

Ocorre um vendaval impetuoso, o que simboliza a manifestação de Deus. É a “violência” do Espírito que leva a comunidade a ser profética e missionária. E eles estão cheios do vinho doce. Esta acusação simboliza os que não estão abertos ao novo da comunidade cristã. Segundo os Rolos do Templo, gruta 11, os judeus de Qumrã celebravam 3 pentecostes: Festa das Semanas do Novo Trigo (50 dias após a Páscoa); do Novo Vinho (50 dias após a festa do Novo Trigo) e do Novo Óleo (50 dias após a Festa do Novo Vinho). Isto é, depois da Páscoa, de 50 em 50 dias tinha uma festa. Sendo uma das Festas a do Novo Vinho, podemos entender melhor essa zombaria “estão cheios de vinho doce”.

 

Conclusão

 

Jesus, o Pai e o Espírito formam uma comunidade trinitária que envia a outra comunidade para, em paz, anunciar uma nova vida, baseada no perdão. Cristãos de ontem e de hoje, impulsionados pelo Espírito Santo, são chamados a criar um mundo de ressuscitados.

 

Assim como na internet há muitas coisas, na comunidade há muitas pastorais e movimentos. Na internet precisamos saber distinguir o que vale e o que não vale. Na comunidade, nenhum pastoral ou movimento pode se vangloriar dos dons recebidos e julgar-se a melhor. Todos devem se deixar avaliar e seguir o caminho do Espírito.

 

O Espírito Santo é o coração palpitante que animou a vida das primeiras comunidades cristãs. Ele continua vivo em nossas Igrejas, nos chamando a viver a unidade na diversidade, lutando pela justiça social. Pentecostes continua acontecendo. Um sopro forte leva ao mundo a antiga e atual mensagem de ressurreição.

 

As comunidades de Jerusalém e Corinto são exemplos para nós hoje, de como viver em unidade na diversidade. Pentecostes continua vivo dentro de nós, quando nos respeitamos, compreendemos as nossas limitações e lutamos por um mundo justo e fraterno.

 

Com Pentecostes somos chamados a romper barreiras, evangelizar, ser tão velozes como a internet, fazendo com que o mundo conheça e viva na força de Jesus ressuscitado.

 

A situação política e eclesial no Brasil, marcada por não respeito à diversidade, merece a nossa a atenção e reflexão. Que o dom do Espírito realize a plenitude da Aliança do Sinai: o amor sem fronteiras, sem ódios, fronteiras e na diversidade.

 

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