Aborto. Uma sentença que divide as igrejas. Artigo de Paolo Naso

Foto: Fotorech | Pixabay

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

06 Julho 2022

 

"Nos EUA como na Europa, algumas igrejas pensam exatamente assim e nos últimos dias reafirmaram o direito de cada indivíduo de seguir suas próprias convicções religiosas e morais também em relação à saúde reprodutiva, incluindo a interrupção da gravidez". 

 

O artigo é de Paolo Naso, sociólogo italiano da Comissão de Estudos da Federação das Igrejas Evangélicas na Itália e professor da Universidade de Roma “La Sapienza”,  publicado por Riforma, 08-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo. 

 

No final de junho uma sentença da Suprema Corte dos Estados Unidos reacendeu o debate sobre o aborto em um país em que desde sempre se confrontam dois lados. Os pró-escolha, fortalecidos por sentença anterior da Corte de 1973, argumentam que o aborto é uma escolha livre da mãe ou do casal, em relação à qual o Estado não tem o direito de interferir. É uma posição classicamente liberal que também apela ao princípio da separação entre o Estado e as confissões religiosas expresso na Primeira Emenda da Constituição estadunidense: a convicção ética de uma comunidade religiosa, por mais importante e respeitável que seja, não pode condicionar as decisões do Congresso.

 

Durante 50 anos essa posição prevaleceu também na Suprema Corte, pelo menos até o Presidente Trump que, tendo a oportunidade de nomear três dos nove juízes, escolheu personalidades de orientação altamente conservadora, efetivamente atribuindo valor político a nomeações de natureza institucional. E assim, de uma orientação pró-escolha, os supremos juízes estadunidenses passaram para uma posição pró-vida. Pro-life, pela vida. Bela expressão, mas o problema é que essa orientação ética não apela à liberdade de consciência em vista de uma escolha responsável, mas se baseia na força de uma lei proibicionista e em uma lógica coercitiva.

 

A decisão da Corte produziu efeitos imediatos em alguns estados que, prontos para essa eventualidade, já haviam se preparado para aprovar normas contra o aborto. Mas a estrada não é ladeira abaixo. Na Louisiana, por exemplo, um tribunal local emitiu uma sentença que, ao contrário da decisão da Suprema Corte, continua a garantir a liberdade de aborto. A essa altura, em suma, é fácil antever intermináveis disputas judiciais e um confronto que se tornará cada vez mais acirrado, nos tribunais como nas ruas ou nos talk shows da televisão. Em um momento difícil para o mundo inteiro, os EUA estão divididos sobre um tema moral.

 

Quem canta vitória é a direita religiosa, uma complexa rede de telepregadores, paróquias locais, megaigrejas, associações político-religiosas, que desde a década de 1970 até hoje sempre colocaram o tema do aborto no centro de suas campanhas, tornando-o a mãe de todas as batalhas de uma guerra pela cristianização dos EUA. O porta-estandarte desta estratégia que vem de longe, mas que registou uma aceleração nos últimos anos, é Donald Trump que, após a sentença, declarou que foi o próprio Deus quem a pronunciou. Sem dúvida palavras exageradas e fora de medida, mas no estilo do personagem. Trump não era conhecido por ter uma fé particularmente vibrante e engajada, mas nos anos de sua presidência ele se tornou o profeta de um país que, inclusive com a força de lei, quer impor sua alma cristã.

 

E a proibição do aborto é o primeiro objetivo de uma estratégia que já visa, por exemplo, proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

 

Uma componente conspícua dos EUA cristãos - católica e protestante - defende esse projeto, embora esteja em conflito com uma sólida tradição legal e cultural segundo a qual o Estado laico não deve intervir em questões éticas que devem ser deixadas à consciência e à responsabilidade dos indivíduos.

 

Nos EUA como na Europa, algumas igrejas pensam exatamente assim e nos últimos dias reafirmaram o direito de cada indivíduo de seguir suas próprias convicções religiosas e morais também em relação à saúde reprodutiva, incluindo a interrupção da gravidez. "A decisão da Corte - lê-se, por exemplo, em um comunicado da Igreja Metodista Unida dos EUA – desencadeia graves consequências e ameaça o acesso ao atendimento a todas as comunidades, especialmente aquelas negras, indígenas e de baixa renda". Assim como acontecia na Itália antes da lei 194, de fato, quem tem meios pode facilmente interromper a gravidez em um dos estados em que é permitido ou no Canadá.

 

Ecos da sentença estadunidense chegam também à Itália e entre os próprios bispos católicos há aqueles que prontamente afirmaram que "também na Itália é hora de abrir a reflexão". Reflita-se então, como é sempre correto e útil, mas na consciência de que, também graças a um referendo, a Itália afirmou o direito à autodeterminação da mulher que também pode ser expresso na decisão de abortar.

 

Além disso, na Itália os abortos estão diminuindo e uma proibição ideológica nos levaria de volta aos tempos das práticas clandestinas e das viagens ao exterior, enquanto o que realmente é necessário são serviços sociais e de saúde que apoiem uma parentalidade convicta e responsável.

 

Leia mais