05 Julho 2022
Evento organizado pelas Nações Unidas reuniu líderes globais ao longo de cinco dias e contabilizou um total de 10 bilhões de euros acordados para investimentos na economia azul.
A reportagem é de Paulina Chamorro, publicada por (O)eco, 02-07-2022.
A segunda Conferência dos Oceanos das Nações Unidas terminou ontem, sexta-feira, 1º de julho, em Lisboa, Portugal. Com o tema central “Salvar os Oceanos, proteger o futuro”, por cinco dias delegações de 159 países e 26 chefes de estado participaram na Plenária principal das reuniões e mais de 6.700 pessoas interagiram com os eventos abertos. Foi o maior evento das Nações Unidas desde o início da pandemia.
(Foto: Reprodução | AmazÔnia | ONU)
Baseado no Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14), que diz respeito à vida na água, os objetivos deste grande encontro eram discutir conservação e o uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos com a urgência de resolver desafios climáticos e de outros problemas devastadores para a saúde humana e do oceano, como a poluição, agravada pela pandemia.
(Foto: Reprodução | UNESCO)
“Quanto mais tempo perdemos, mais chances perdemos”, disse o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, logo na abertura do evento em que pediu a todos o empenho que o momento exige.
Portugal declarou ainda um compromisso de atingir nas energias renováveis oceânicas dez gigawatts de capacidade até 2030, além de duplicar o número de startups na economia azul.
A respostas que a ciência e a inovação podem trazer apareceram na forma de troca de ideias, acordos e anúncios de propostas de investimentos em soluções. Ao todo, mais de dois mil compromissos foram apresentados, sendo 674 quantificáveis economicamente. Isso resultou num total de 10 bilhões de euros acordados em investimentos das mais variadas frentes da economia azul.
Um dos destaques é a Promessa Oceano (Ocean Promise), apresentado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) com o compromisso de apoiar a recuperação de quase US$ 1 trilhão em perdas socioeconômicas anuais causadas pela má gestão dos oceanos.
Outra grande resposta foi o anúncio de mais áreas protegidas. A Colômbia fez o anúncio de ampliação para 30% de sua área marinha protegida. Portugal segui o exemplo e assumiu o compromisso de classificar 30% das áreas marinhas nacionais até 2030.
Em legislação e políticas públicas, houve outros anúncios, como o do Quênia, coorganizador da Conferência, que vai aprovar legislação que cria o crime de “ecocídio”. Outro destaque foi a criação de uma plataforma de cooperação dos países lusófonos para combater a pesca ilegal e promover a pesca sustentável.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e alimentação, a FAO, divulgou também durante a Conferência a edição de 2022 da publicação “The State of World Fisheries and Aquaculture”, confira aqui, (A Situação Mundial da Pesca e da Aquicultura – SOFIA, na sigla em inglês). A publicação traz dados importantes como o recorde histórico da produção de pescado, com 214 milhões de toneladas, registrado em 2020, elevado principalmente pelo aumento da aquicultura na Ásia.
Neste último dia de evento, a UNESCO apresentou o relatório “Estado do Oceano“, um documento piloto que reúne sínteses e informações e que reforça a necessidade urgente de criar referências para conhecermos melhor os oceanos e em que situação ele se encontra. O objetivo é que este relatório passe a ser produzido anualmente com uma visão geral breve, acessível e completa do estado atual do oceano e com isso mobilizar a sociedade global para agir. A expectativa é que as atualizações sejam publicadas anualmente no dia 8 de junho, Dia Mundial do Oceano.
A ausência de pescadores artesanais nas mesas de discussões centrais e sua presença restrita aos eventos paralelos, justamente neste que é o Ano Internacional da Pesca Artesanal, gerou o documento manifesto “Um apelo à ação dos pescadores de pequena escala”, confira aqui.
“Os pescadores de pequena escala (PPE) são os usuários mais numerosos dos oceanos e suas principais contribuições para a subsistência, emprego, segurança alimentar e receita contrastam com sua marginalização na tomada de decisões. Para garantir comunidades pesqueiras saudáveis e resilientes, a PPE exige acesso seguro e preferencial a oceanos e ecossistemas saudáveis para desempenhar efetivamente seus papéis principais como guardiões do oceano”, diz trecho do documento.
Desde quinta-feira, já circulava um documento, uma declaração política, que foi anunciada apenas nesta sexta, ao término da Conferência. O texto foi chamado de Declaração de Lisboa e traz pontos importantes, porém esperados.
A ligação entre as agendas de clima e oceano fica reconhecida de forma inequívoca, assim como a restauração de ecossistemas marinhos, reconhecendo-os como sumidouros de carbono.
A economia azul e a valorização do capital natural marinho, assim como o reconhecimento de que não há uma transição para a economia verde sem a economia azul. A importância de ampliar as áreas marinhas protegidas até 2030 também está no documento, assim como propostas de proteção da biodiversidade para além da jurisdição internacional. Além disso, manter o que já existe e criar mais iniciativas de planos de gestão de pesca sustentável pelo mundo.
Para Vinicius Lindoso, oficial de comunicação da UNESCO para assuntos temáticos de Oceano, a Declaração mostra pontos mais sólidos para a ação, e isso se deve ao diferencial desta conferência, onde a ciência foi colocada na mesa para as discussões. Esta, inclusive, é a primeira Conferência da Década da Ciência Oceânica, iniciada em 2021.
“Pode parecer que a Declaração seja muitas vezes omissa ou muito vaga, mas comparando com a declaração da primeira conferência do oceano ou até anteriores, em outros fóruns que existiam, estamos chegando em mensagens muito claras e unificadas em vários temas e isso permite solidificar o caminho para a ação”, afirma Vinicius Lindoso.
Já o professor da Universidade Federal de São Paulo, Ronaldo Christofoletti, acredita que o documento poderia ter sido mais ambicioso. “A declaração de Lisboa poderia ter ajudado a avançar pontos críticos. Não houve retrocesso, então dos males o menor. Mas é uma declaração que reforça o que já vem da primeira conferência e de todos os acordos da Década”, avalia o professor.
Na mesma linha de reconhecer que a ciência entrou no jogo das negociações e propostas, o professor da Universidade de São Paulo, Alexander Turra, opina: “A declaração de Lisboa está dentro do esperado, dentro das discussões pré-conferência. Uma vez que a gente está no meio do caminho entre a proposição e o fechamento da agenda 2030 das Nações Unidas, onde estão propostos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, sendo um deles o ODS 14, Vida na Água. Foi um grande momento de congregação de parcerias para poder efetivamente fazer as ações acontecerem. Independente das iniciativas, a partir desta conferência elas têm mais chances de serem desenvolvidas. Ficou muito clara a importância da ciência como pano de fundo de todas estas discussões e todas estas ações e os princípios que devem ser considerados neste caminho, em especial os grupos vulneráveis, o fortalecimento jovens, das mulheres, dos países insulares e em desenvolvimento, e o fortalecimento do conhecimento tradicional indígenas”.
O encerramento do evento foi feito pelo presidente de Portugal, que falou sobre paixão. “O mundo vive um tempo de mobilização e não de contemplação. A vida vale a pena viver com paixão. A ação climática vale a pena com paixão. A luta pelos Oceanos vale a pena com paixão. Nosso oceano, nossa paixão, nosso futuro, a nossa responsabilidade”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa.
A próxima Conferência do Oceano será em 2025, na França, em correalização junto com a Costa Rica.
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Conferência dos Oceanos traz saldo de acordos, investimentos e novas promessas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU