26 Julho 2019
Durante uma sessão no congresso “Laudato si’ e a Igreja Católica dos Estados Unidos” no mês passado, uma sala de 30 católicos foi solicitada a listar as organizações e as pessoas de dentro da Igreja que eles veem como engajadas com a questão das mudanças climáticas.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 23-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quase todos os cantos da Igreja – faculdades, hospitais, religiosas, Papa Francisco, organizações de ajuda, até mesmo Conferências Episcopais de outros países – estavam representados nos cerca de 20 grupos mencionados.
Mas não os bispos dos EUA.
Pelo contrário, eles foram relegados a uma segunda lista: aqueles que têm potencial para se tornar mais engajados.
Nessa sala de aula da Creighton University, estava o bispo de San Diego, Robert McElroy, que se sentou em uma cadeira estudantil e ouviu. Durante a maior parte dos três dias, McElroy foi um participante regular no congresso copromovido pela Catholic Climate Covenant [Aliança Climática Católica] e pela Creighton University. Ele participou das discussões em pequenos grupos, sentou-se na plateia durante as apresentações e compartilhou as refeições em um refeitório do campus.
O bispo de San Diego tornou-se uma das principais vozes entre os bispos dos EUA sobre a encíclica Laudato si’, de Francisco, sobre o cuidado da casa comum. McElroy se juntou a seus colegas bispos da Califórnia em junho, ao emitirem sua própria declaração pastoral sobre o ambiente. Quatro anos antes, logo após a publicação da encíclica, ele encorajou os párocos da sua diocese a explorarem a instalação de painéis solares em suas igrejas. Até agora, cerca da metade das 97 paróquias fizeram isso, e mais virão por aí.
Várias vezes durante o congresso, McElroy abordou a questão do engajamento dos bispos. Ele caracterizou isso como uma questão de foco – que poucos bispos disputariam a importância da encíclica do papa e que muitos não têm nenhum problema em encorajar os teólogos que querem assumir projetos de cuidado com a criação. A pergunta mais difícil, disse ele, é fazer com que isso se torne uma prioridade maior em meio a uma lista cada vez maior de questões.
“A outra coisa é que não podemos ignorar a perda geral de credibilidade dos bispos ao falarem sobre questões da sociedade como um todo”, disse ele ao NCR em uma entrevista no meio do congresso.
McElroy, 65 anos, disse que gostaria de ver “um nível estruturalmente mais profundo de compromisso” com a encíclica por parte da Conferência dos Bispos dos EUA (USCCB), além do trabalho já realizado por alguns de seus escritórios e programas sobre política ambiental e adaptação e mitigação climática (a USCCB ajudou a formar o Catholic Climate Covenant em 2006 e continua sendo um de seus 18 parceiros nacionais).
“Se não resolvermos essa questão, no fim, nenhuma das outras questões vai importar, porque a dignidade humana como a conhecemos estará destruída se o nosso planeta for destruído”, disse.
Em sua conferência de abertura, no dia 27 de junho, McElroy apresentou um argumento para que as mudanças climáticas se tornem uma “prioridade central” para a Igreja Católica dos EUA.
Na conferência intitulada “O Paraíso perdido: a convocação urgente da Laudato si’ para o povo americano neste momento da nossa história”, o bispo usou o poema de John Milton, “Paraíso Perdido”, como um marco para examinar os estranhamentos – em relação a Deus, à natureza, uns aos outros e à própria verdade – que romperam a relação entre as pessoas hoje e com “a terra que é nossa casa comum”.
“A Laudato si’ desmascara esse estranhamento e aponta o caminho para que possamos nos afastar da alienação rumo à cura e à renovação da Terra. A encíclica é um chamado às armas para aqueles que resgatarão o nosso planeta ferido das forças que o esgotam e o destroem”, disse McElroy. “Mas a Laudato si’ é muito mais do que isso. Pois, em seu esboço de uma ecologia humana integral, ela enfatiza que as doenças que assolam o nosso mundo em tantos níveis estão inter-relacionadas, e que o progresso em qualquer uma de suas dimensões requer o respeito pela plenitude da pessoa humana e da família humana, assim como pela plenitude do nosso planeta Terra.”
O que o senhor aprendeu nesses dois dias de evento até agora, especialmente nos pequenos grupos?
Uma energia tremenda. Uma criatividade tremenda. Abordagens tremendamente diversas para as questões do ambiente na vida da Igreja. Muita dedicação aos princípios da Laudato si’, particularmente aquele dom que é Criação. Que há muita urgência em relação às questões do ambiente. Ao mesmo tempo, eu diria que os difíceis desafios que estão surgindo aqui também são: como avançamos em termos da vida da Igreja? Como a Igreja, como um grupo na sociedade, pode unir mais efetivamente as pessoas, educar as pessoas em termos dos princípios da Laudato si’, fomentar um senso de colaboração, solidariedade e ação sobre essas questões? E, particularmente, ir ao encontro dos jovens. Eu diria que esses são os desafios que eu encontrei entre as pessoas aqui.
Entre as apresentações e as conversas, houve alguma coisa que lhe chamou a atenção de modo particular, talvez as ações que os católicos estão realizando sobre as questões ambientais? Ou algo mais que o surpreendeu?
Eu acho que uma coisa que não está na “mistura” aqui, e que eu acho importante para que reflitamos de alguma forma sofisticada, é a economia disso. Ou seja, nenhuma das apresentações se focou no que significa economicamente lidar com as mudanças climáticas, enfrenta-las e erradicá-las. Porque esse é um argumento que eu ouço das pessoas. Um deles é que há aqueles que negam a ciência, mas a maioria das pessoas entende a ciência, eventualmente.
Mas, sobre a questão econômica – esse é o segundo –, nós temos que dizer quais são os custos que as pessoas terão que enfrentar a fim de confrontar essa crise, em benefício das futuras gerações. Um dos temas comuns que surgiram em todas essas coisas, que de certa forma me surpreendeu, mas que eu acho que é a questão central, é a solidariedade intergeracional. Não é tanto o que a crise vai significar para mim na minha vida. Mas sim o que ela vai significar para a próxima geração e para a geração seguinte. E que tipo de escolha moral fazemos como indivíduos em uma sociedade ao não a confrontarmos.
Para o senhor, qual é o significado desse encontro climático católico? Que potencial o senhor acha que ele tem?
Bem, eu acho que, em um primeiro nível, o que virá à tona é que as pessoas voltarão para as suas dioceses e para os seus Estados com muito mais ideias sobre como abordar realisticamente, dando vida aos princípios da Laudato si’ e encarnando-os na vida da Igreja em suas paróquias e dioceses locais. Então, eu acho que a troca de ideias sobre estratégias e táticas é muito importante. Em segundo lugar, as questões mais nacionais são: por que não progredimos ainda mais em termos de estruturas de alcance nacional na Igreja? E como podemos fazer isso melhor? Então, eu diria que esses são os dois elementos que surgiram nos intercâmbios.
O senhor fez referências regulares à Laudato si’ nas reuniões dos bispos, como a defesa de sua inclusão no documento “Faithful Citizenship”. Aqui na Creighton, o senhor falou sobre a questão do foco. Como as mudanças climáticas podem receber um foco maior entre os bispos dos EUA, para aumentar a sua lista de prioridades?
Bem, eu diria que o motivo pelo qual elas deveriam receber uma prioridade e um foco centrais é que, se não acertarmos a questão, no fim, nenhuma das outras questões vai importar, porque a dignidade humana como nós a conhecemos terá sido destruída se o nosso planeta for destruído. E, assim, há uma abrangência para a emergência representada pelas mudanças climáticas e pela degradação econômica, que é tão gigantesca em suas consequências que ela tem uma reivindicação legítima como prioridade nas questões sociais que o mundo enfrenta hoje. Então, trata-se de uma reivindicação de foco.
Em segundo lugar, a questão, então, é: eu realmente acho que essa questão da Laudato si’ deveria ter um nível estruturalmente mais profundo de compromisso dentro da Conferência Episcopal. Ela não recebe um grau enorme de atenção dentro da estrutura. Não há nenhuma comissão para isso, especificamente. Há uma comissão na qual ela se enquadra, que são as comissões de Justiça Nacional e Desenvolvimento Humano e de Justiça e Paz Internacional] e, depois, a comissão conjunta entre elas. Mas, por exemplo, quando a liberdade religiosa era percebida como uma questão em risco, uma nova comissão foi formada. Nada foi feito para que esse documento se tornasse uma prioridade, e eu acho que é necessário que haja um realinhamento estrutural do modo como as questões da Criação são abordadas dentro da Conferência, se quisermos provocar um efeito.
Os bispos da Califórnia, em termos do modo como eles chegaram à sua declaração pastoral, oferecem um exemplo de algo que poderia ser usado como modelo em nível nacional?
Eu acho que absolutamente sim. E eu gostaria de ver outras Conferências estaduais fazendo isso. Porque, para cada Conferência estadual, haverá uma constelação diferente de questões ambientais específicas para esse Estado, tanto boas, alegres e valiosas, quanto elementos ameaçados da vida local. Mas eu acho que seria ótimo se os Estados fizessem isso. A Califórnia tem uma habilidade especial para navegar nessas questões, porque a economia do Estado é muito grande.
De muitas maneiras, nas questões ambientais, o Estado da Califórnia simplesmente tomou um caminho independente do governo federal e estabeleceu padrões que são mais vinculantes para toda uma gama de áreas de apoio ao ambiente. Eles podem fazer isso porque é um Estado grande com uma grande economia. Na maioria dos Estados, não é possível fazer isso. Mas eu acho que muitas ações locais para fomentar a proteção do ambiente poderiam ser realizadas nas Conferências estaduais e nos níveis estaduais.
Que potencial o senhor vê na declaração pastoral dos bispos da Califórnia?
Eu espero que seja um fundamento inspirador para o trabalho dentro da Califórnia. Em particular, a capacidade de criar equipes de cuidado da Criação nas paróquias locais. Isso para mim seria uma coisa maravilhosa. Nós fizemos algum trabalho nessa área. Tivemos uma feira de equipes de cuidado da Criação na diocese [de San Diego] há dois anos. E foi maravilhoso ver, novamente, muitos jovens lá, mas também alguns não tão jovens, e o que eles fizeram nos projetos com os quais estiveram envolvidos e nos passos que eles deram em seus níveis paroquiais para proteger o ambiente, para fomentar os princípios da Laudato si’ e para levá-los até as casas da paróquia. Portanto, eu espero que essa carta da Califórnia possa ser um modelo inspirador que as pessoas usem nas paróquias para refletir. E dizer isso nos aponta para a direção certa daquilo que deveríamos fazer como paróquia em relação à Criação.
Um dos objetivos da declaração pastoral também é oferecer um instrumento de evangelização, particularmente para os jovens adultos. Essa é uma questão ou um foco que a Igreja pode trabalhar como uma forma de restaurar a credibilidade?
Eu acho que essa é uma área ampla onde há uma ressonância entre o fato de que o que a Igreja está dizendo é importante, e de que o que os jovens adultos estão pensando é crucial para o futuro do mundo no qual eles viverão. Então, sim, eu acho essa é uma área para ir ao encontro dos jovens adultos, e na qual haverá muitas percepções compartilhadas sobre a realidade que enfrentamos e sobre os valores que se sobrepõem a ela e a beleza da própria Criação.
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Emergência climática deve ser “prioridade central” para a Igreja, afirma bispo norte-americano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU