29 Junho 2022
Na recente conversa com os editores das revistas europeias da Companhia de Jesus, transcrita e publicada por "La Civiltà Cattolica" (e traduzida para o português pelo IHU), o Papa Francisco também deu sua opinião sobre o "caminho sinodal" em curso na Alemanha. Na sua opinião, "o problema surge quando o caminho sinodal parte das elites intelectuais, teológicas, e é muito influenciado por pressões externas", quando ao invés deveria ser feito "com os fiéis, com o povo".
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Settimo Cielo, 28-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O problema é que quando isso acontece, ou seja, quando se recolhem as perguntas da base ou se sonda a opinião dos fiéis, os resultados são praticamente os mesmos ditados pelas elites dominantes ou pelas pressões externas, com a inevitável ladainha de pedidos que vão dos padres casados às mulheres padres, da nova moral sexual e homossexual à democratização do governo da Igreja.
Francisco expressou seus temores sobre o sínodo da Alemanha em uma carta de junho de 2019 que escreveu "sozinho, em espanhol". Mas depois deixou-o seguir em frente sem lhe impor qualquer restrição e sem dar qualquer sinal de ouvir os crescentes gritos de alarme do cardeal Walter Kasper, que no início de seu pontificado foi seu teólogo reformador de referência, mas que sobre o sínodo alemão - uma "tentativa de golpe de estado", ele o definiu - duvida até que seja "realmente católico".
Não somente. É cada vez mais palpável o risco de que a agenda do "caminho sinodal" da Alemanha acabe naquele outro sínodo da Igreja universal que o papa convocou em 2021, fazendo-o partir, precisamente, das periferias e da base, e que terá sua sessão principal em Roma, em outubro de 2023.
Inicialmente, a convocação desse sínodo geral nem chegou a ser notícia. O tema que Francisco lhe havia atribuído, a "sinodalidade", parecia tão abstrato e tedioso que desencorajava qualquer interesse da mídia.
Mas depois, assim que as dioceses começaram a testar os humores de padres e fiéis, ficou imediatamente claro o teor a ladainha dos pedidos. Com o resultado que agora as conferências episcopais, ao fazer o balanço da primeira fase descentralizada do sínodo, encontram em suas mãos uma duplicata do "caminho sinodal" da Alemanha, também invocado por seus fiéis.
O caso da França é exemplar. Em meados de junho, a conferência episcopal francesa reuniu-se em sessão especial justamente para desenvolver uma “Collecte des synthèses sinodales” produzidas nas diversas dioceses e transmiti-la a Roma. Ao votar o documento, a conferência episcopal não aprovou o seu conteúdo, limitou-se a encontrar a sua conformidade com os pedidos dos milhares de padres e fiéis questionados. Mas os pedidos enviados a Roma incluem, de fato, a superação do celibato do clero, a ordenação das mulheres ao diaconato e ao presbitério ou, pelo menos, "como um primeiro passo", confiando-lhes as homilias das missas, uma reforma radical da liturgia e suas linguagens "não admissíveis", a admissão generalizada aos sacramentos dos divorciados recasados e dos casais homossexuais.
Na Irlanda é a mesma coisa. Além dos relatórios das consultas em cada diocese, os bispos também se valeram de uma grande pesquisa de opinião entre os fiéis. E, como resultado, quase todos os católicos irlandeses querem padres casados e mulheres padres, 85% querem a superação de qualquer condenação a atos homossexuais, 70% querem que os leigos também tenham poder de decisão na Igreja, e outros ainda querem que sejam tiradas da missa as leituras do Antigo Testamento "que vertem sangue".
A Irmã Nathalie Becquart, subsecretária do Sínodo sobre a sinodalidade em Roma, também esteve presente na reunião da Conferência Episcopal Irlandesa em meados de junho, que disse que em dois mil anos de história esta é a primeira vez que a Igreja dá vida a uma consulta tão universal, que Francesco quis que começasse da base. Ninguém sabe onde irá terminar este sínodo, concluiu, mas precisamente por isso devemos estar abertos às “surpresas do Espírito Santo”.
A irmã Becquart, que no sínodo terá o direito de votar como os bispos, faz parte do trio marcadamente progressista que Francisco colocou à frente do sínodo sobre a sinodalidade, junto com o secretário geral, o cardeal maltês Mario Grech, e o relator geral, o cardeal luxemburguês e jesuíta Jean-Claude Hollerich.
E como se isso não bastasse, com esses dois cardeais Francisco montou um grupo de trabalho sobre como conciliar o sínodo alemão com o da Igreja universal. A notícia foi divulgada em 3 de fevereiro pelo presidente da conferência episcopal alemã, o bispo de Limburg Georg Bätzing, cujos desejos revolucionários são ainda mais marcados do que os já arriscados do próprio Hollerich, a ponto de dizer ultimamente que está "decepcionado" pelo passo muito lento do papa.
Em vão, não poucos bispos e cardeais bateram no dicastério para a doutrina da fé, pedindo que as teses mais ousadas do cardeal Hollerich sejam rejeitadas, especialmente aquelas que derrubam a doutrina sobre sexualidade e homossexualidade. O dicastério fica em silêncio e todos estão convencidos de que é o papa quem impõe a mordaça.
Entre os novos cardeais anunciados por Francisco no domingo da Ascensão há pelo dois que são paladinos dessa revolução doutrinária: o bispo de San Diego Robert McElroy e o arcebispo de Manaus Leonardo Ulrich Steiner.
O efeito do prático passe concedido pelo papa ao "caminho sinodal" alemão é que agora são cada vez mais na Igreja que se sentem autorizado a se comportar de acordo.
Na Alemanha, teve repercussão a notícia dos trezentos frades franciscanos que, em meados de junho, elegeram como seu superior provincial Markus Fuhrmann, que apareceu nos noticiários algumas semanas antes por ter declarado publicamente que era homossexual, bem como um fervoroso defensor das inovações mais ousadas do canteiro de obras do “caminho sinodal ”alemão.
E alguns dias depois, novamente na Alemanha, voltou pela enésima vez a reclamar as mesmas novidades - incluindo a bênção na igreja das uniões homossexuais, proibida apenas em palavras pelo Vaticano - o número um na hierarquia alemã, o cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique e membro proeminente do pequeno conselho de cardeais criado pelo papa para ajudá-lo no governo da Igreja universal.
Na Suíça, na diocese de Chur, o bispo Joseph Maria Bonnemain obrigou padres e funcionários diocesanos a assinar um código arco-íris que, entre outras coisas, os compromete a "renunciar a avaliações geralmente negativas sobre supostos comportamentos não bíblicos em questões de orientação sexual".
Na Itália, na arquidiocese de Bolonha, em 11 de junho um casal de homens se uniu civilmente na prefeitura e logo depois celebrou sua união na igreja, em uma missa oficiada pelo responsável da pastoral familiar da arquidiocese, dom Gabriele Davalli. Uma declaração posterior e contorcida da arquidiocese tentou justificar o fato, argumentando que foi simplesmente - contra a evidência dos fatos - uma missa de ação de graças pelo grupo católico LGBT "Il cammino", ao qual os dois pertencem. Mas ninguém deixou de notar que o arcebispo de Bolonha é o cardeal Matteo Zuppi, que há um mês é o presidente da Conferência Episcopal Italiana indicado pelo Papa e também é o primeiro no ranking de candidatos de um futuro conclave. É previsível que esse episódio prejudique sua corrida pela sucessão de Francisco, fazendo com que ele perca aqueles poucos votos que poderia arrecadar inclusive entre os cardeais de orientação conservadora.
Em suma, o contágio do “caminho sinodal” da Alemanha, não contido pelo papa, já ultrapassou as fronteiras e ameaça condicionar o próprio sínodo geral sobre a sinodalidade. Nem mesmo a sincera carta aberta enviada aos bispos alemães em 11 de abril pelos cardeais Francis Arinze, Raymond Burke, Wilfried Napier, George Pell, Camillo Ruini, Joseph Zen e cerca de cem arcebispos e bispos de todo o mundo teve algum efeito.
Que a Igreja Católica se transforme em uma espécie de sínodo permanente, com as demandas da base, ou seja, da cultura dominante, para ser sua mestra, é outro dos perigos denunciados pelo cardeal Kasper.
De qualquer forma, na opinião de outro cardeal, o italiano Camillo Ruini, uma parte substancial da Igreja já ultrapassou os limites da doutrina católica pelo menos em um ponto: a aprovação dos atos homossexuais. "Não nego que haja risco de cisma", disse ele em entrevista ao "Il Foglio" em 4 de maio (traduzida para o português pelo IHU). “Mas confio que, com a ajuda de Deus, isso poderá ser superado”.
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O sínodo alemão contagia toda a Igreja, sem que o papa o segure - Instituto Humanitas Unisinos - IHU