21 Junho 2022
Mediação vaticana, clima de rancor crescente, crise ligada ao trigo. Fala o prelado de rito latino, D. Krivitskiy: a chegada do Papa seria extraordinária.
A entrevista é de Giacomo Gambassi, publicada por Avvenire, 17-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Seria uma alegria extraordinária poder receber o Papa Francisco em Kiev. Mas de momento acredito que não existam condições para a visita”. Tem uma voz calma o bispo Vitaliy Krivitskiy. Desde 2017, justamente por indicação do Papa Bergoglio, dirige a diocese de Kiev-Žytomyr: 8 milhões de habitantes onde os católicos de rito latino são pouco mais de 200 mil. Quando fala da guerra vista da capital da Ucrânia, fala não só de bombardeios, vítimas ou territórios invadidos, mas também de um "clima de ódio e rancor que contagiou o coração das pessoas". E logo acrescenta: “Sentimos isso nas conversas, nos diálogos, até no confessionário. Como pastores não é fácil acompanhar o nosso povo enquanto as pressões do combate ainda são sentidas e as dores ou divisões dilaceram o espírito e a opinião pública. Há um desejo de vingança não só naqueles que ficaram aqui, mas também naqueles que fugiram para o estrangeiro. Então, invocar o Deus da paz significa pedir ao mesmo tempo que sua mão poderosa pare o conflito, e que cure as feridas do espírito causadas por uma tragédia como esta”.
Natural de Odessa, o bispo Krivitskiy completará 50 anos em agosto. Ele é salesiano e conheceu o instituto fundado por Dom Bosco durante os anos do regime soviético, quando iniciou sua formação "clandestina". Tornou-se padre na Polônia, embora todo o seu ministério sacerdotal teve como centro a Ucrânia. “Existe o sentimento predominante de que Moscou quer conquistar todo o nosso país ou talvez chegar até a destruição total. É uma ideologia imperial que domina as ações do Kremlin”.
Excelência, o Papa reiterou que deseja estar na Ucrânia e o fará assim que a situação o permita. É possível especular quando?
Eu diria que não. A intenção do Pontífice de estar no meio de um povo sofredor é para nós católicos, a começar por mim bispo, motivo de grande esperança. Sentimos a sua proximidade que se manifesta através dos seus repetidos apelos a um cessar-fogo e com gestos concretos que também resultaram em múltiplos envios de ajuda humanitária. E depois há a sua oração contínua que envolve toda a Igreja. Sua visita nos daria mais coragem, mas exige medidas de segurança tão altas que não podemos garantir enquanto os ataques ainda continuam e nossos soldados estão todos empenhados no front para defender a nação. Acrescente-se também que, em comparação com o início do conflito, uma parte da população não acolheu positivamente algumas palavras do Papa que foram consideradas erradas. Portanto, também é necessário reconstruir um “consenso” em torno de sua viagem. Tudo isso me faz dizer que é preciso tempo.
O Papa pode contribuir para parar o conflito?
Certamente. A Santa Sé pode desempenhar um papel fundamental como mediadora entre nós e a Rússia. As negociações precisam de "conciliadores" e o Papa é um conciliador, apesar de alguns aqui já não o considerarem mais. Estou certo de que o Pontífice e toda a diplomacia vaticana estão lançando as sementes para criar um ambiente de diálogo que é o pré-requisito para a abertura das negociações.
Os mísseis continuam caindo. Também em Kiev.
Alguns dias atrás, fomos acordados pelo bombardeio. Graças a Deus, nenhum de nossos fiéis ficou ferido, embora tenham nos dito que viram as janelas de suas casas se quebrarem por causa das explosões. No entanto, pelo menos na capital, há uma atmosfera menos tensa, mesmo que o pesadelo da guerra paire sobre nos o tempo todo. Do ponto de vista psicológico, o peso é enorme. No entanto, existem alguns pequenos sinais positivos. Um é o “contraêxodo”, se assim podemos chamar. Aqueles que deixaram nossas cidades no início da invasão russa estão retornando. Há também oportunidades de trabalho. Mas a maioria da população está em sérias dificuldades devido às graves condições econômicas e ao aumento dos preços. Portanto, se por um lado a vida se renova nos territórios da diocese, pelo outro os efeitos da guerra são muito pesados.
O que Putin quer da Ucrânia?
Ele quer pará-la. Ela não suporta que tenha se tornado independente e estivesse passando por um período de desenvolvimento. Esta guerra está sendo preparada há anos, inclusive com uma campanha maciça de informação que distorceu nossa história e desrespeitou nossa identidade. Acontece que as famílias ucranianas têm parentes na Rússia. E eles nos contam o que aconteceu. Não é de surpreender que diante de uma martelação ideológica tão enérgica, a raiva em relação ao nosso país tenha aumentado.
O patriarca de Moscou Kirill apoia o ataque. Um apoio "sagrado"?
Não apenas as comunidades cristãs na Ucrânia, mas também todas as realidades religiosas condenaram as declarações de Kirill. A guerra nunca é justa. E qualquer líder religioso a favor da agressão em um país deveria fazer um sério exame de consciência.
Na Ucrânia, algumas comunidades ortodoxas ligadas ao Patriarcado de Moscou “se separaram” nas últimas semanas. Como ler essa escolha?
O quadro da ortodoxia na Ucrânia é complexo. Há estudiosos para os quais, com o nascimento da nova Igreja autocéfala, a Pzu, não ocorreu uma verdadeira separação. De fato, há duas igrejas presentes: a Pzu e depois a Upz ligada ao patriarcado de Moscou. Como católicos, não entramos nessas questões. No entanto, constatamos que as diferenças não permitem uma reunificação. Haverá uma terceira denominação ortodoxa capaz de reunir as duas Igrejas divididas? Impossível dizer. Mas podemos afirmar que esta situação compromete significativamente o caminho ecumênico.
E como a Igreja Católica abraça as pessoas durante a guerra?
Somos chamados a ler os sinais dos tempos. E hoje nos mostram um povo em que se impõe o conceito de inimigo. Como católicos, somos obrigados a construir pontes. Em primeiro lugar, entre as famílias divididas. Divididas porque há quem tenha parentes na Rússia e o conflito os separou. Divididas porque há quem tenha visto os pais ou os filhos partirem para o front enquanto as mulheres e os filhos menores ficaram em casa. Divididas porque há aqueles que fugiram para o exterior. Outra esfera de ação em que atuamos é a da caridade. Estamos perto de quem não consegue sobreviver, distribuindo itens de primeira necessidade a todos que estão em dificuldade, sem distinção de passaporte ou fé.
Também está sendo travada a “guerra do trigo”, que não pode ser exportado devido ao bloqueio dos portos.
Trata-se de uma crise alimentar que terá efeitos sobre muitos países e que mostra que a guerra em curso não diz respeito apenas à Ucrânia. Não sei se esse bloqueio do trigo foi planejado por Putin. Se ele não queria, não consegue ver além do nariz. Se ele o projetou deliberadamente, é uma história que agrava suas responsabilidades.
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Ucrânia. O bispo de Kiev: não há condições para a visita do Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU