O ecumenismo morreu? Viva o ecumenismo. Artigo de Brunetto Salvarani

Foto: ANSA

15 Junho 2022

 

Se o ecumenismo tem um futuro – e deverá ter! – somos chamados a imaginá-lo, conjugando paciência, criatividade, imaginação e audácia. Na consciência de que, com toda a probabilidade, as formas históricas do diálogo ecumênico que conhecemos ao longo do século XX se esgotaram definitivamente; e de que é preciso ir além.

 

A opinião é de Brunetto Salvarani, teólogo italiano e professor da Faculdade Teológica da Emília-Romania, na Itália. O artigo foi publicado na revista Rocca, n. 12, 15-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Bem raramente, como nas últimas semanas, discutiu-se publicamente o ecumenismo, no rastro da catástrofe ucraniana: registramos posicionamentos de vários lados, artigos nos jornais (!), um grande número de intervenções na rede, na maioria das vezes para denunciar – compreensivelmente – a sua profunda crise. Às vezes, até mesmo a sua conclamada inutilidade ou ainda a sua nocividade, no pano de fundo dos traumáticos bastidores da guerra.

 

No jornal La Repubblica, apareceu um título definitivo (O fim do ecumenismo, no dia 27 de abril, assinado por Alberto Melloni, que relata de maneira preocupada os escombros nos quais se teria reduzido “aquele desejo de unidade visível que o cristianismo havia percorrido desde o fim do século XIX”). Mas não faltaram os tons irônicos, beirando o sarcasmo, por exemplo, quando se ousava esboçar a polêmica figura do patriarca de Moscou, Kirill.

 

Em primeiro lugar, deve-se notar que isso parece, no mínimo, curioso, porque não se deve esquecer que o ecumenismo é geralmente o parente pobre nas disciplinas teológicas, como é fácil verificar vasculhando os currículos das faculdades e dos institutos de ciências religiosas. Mas também, infelizmente, no rarefeito investimento pastoral nesse sentido, por parte das Igrejas locais e dioceses, salvo felizes exceções. Escrevo isso – reitere-se – não para acusar quem quer que seja de lesa-majestade em relação ao diálogo entre as Igrejas cristãs, mas para corroborar a seguinte tese: no mínimo, devemos partir novamente dos eventos destes meses, do inexistente encontro entre o próprio Kirill e o Papa Francisco em Jerusalém, previsto para junho de 2022, mas também e sobretudo das razões da ruptura ocorrida entre as Igrejas irmãs de Moscou e Constantinopla, a Terceira Roma e o Patriarcado Ecumênico, que provocou uma situação dramática, que tem o gosto amargo do cisma interno, e cujas raízes vêm de longe, para refletir sobre a necessidade – aos olhos dos especialistas, cada vez mais evidente – de um impulso ecumênico novo, maior e diferente.

 

Isso a exatos 60 anos do início do Vaticano II, que para a Igreja Católica representou a primeira etapa de um olhar inédito para os outros mundos cristãos, com o decreto Unitatis redintegratio (1964); a 15 anos da terceira Assembleia Ecumênica Europeia (em Sibiu, Romênia, em 2007), último evento conjunto entre CCEE (Conselho das Conferências Episcopais Europeias) e KEK (Conferência das Igrejas Europeias), uma joint venture que ostenta, entre outras coisas, a elaboração de uma Charta Oecumenica continental, assinada em Estrasburgo em 2001 por todas as Igrejas europeias, que, infelizmente, permaneceu essencialmente letra morta, apesar das expectativas criadas na ocasião.

 

Aquele evangelho que desarma os corações

 

Para compreender o porte da questão, é necessário evidenciar mais uma vez que se trata de um tema crucial para a própria identidade da Igreja.

 

A unidade dos fiéis em Cristo, de fato, não é apenas uma das fundamentais “notes Ecclesiae”, presente no primeiro credo cristão elaborado no Concílio de Niceia em 325 (“Creio a Igreja, uma, santa, católica e apostólica”), mas também o requisito talvez mais decisivo em vista de um testemunho credível do Evangelho no tempo atual, que registra a exculturação do cristianismo dos cenários culturais europeus (C. Theobald).

 

Como podemos ser todos irmãos – na linha da encíclica do Papa Francisco de 2022 – se nós, cristãos das várias confissões, não nos sentimos e não vivemos como irmãos e irmãs, mesmo tendo sido fundados no mesmo batismo e no mesmo credo, além de confiarmos na mesma palavra de Jesus contida nas mesmas Escrituras? É por isso que o ecumenismo deveria sair das prateleiras dos especialistas para entrar estavelmente nas agendas dos conselhos paroquiais, dos movimentos eclesiais, do atual Caminho Sinodal, daquela que se chama(va) de pastoral ordinária; e é por isso que o nosso olhar sobre a história da Igreja deveria incluir constantemente o ponto de vista do outro, dos outros cristãos e das outras Igrejas.

 

Um vasto programa? Certamente, mas também urgente. Não mais adiável. O próprio Bergoglio está convencido disso, ele que pela enésima vez, no dia 6 de maio passado – falando ao Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos –, se expressou a esse respeito em termos peremptórios: “No século passado, a consciência de que o escândalo da divisão dos cristãos tinha um peso histórico ao gerar o mal que envenenou o mundo com lutos e injustiça levou as comunidades crentes, sob a orientação do Espírito Santo, a desejarem a unidade pela qual o Senhor rezou e deu a vida”. E ainda: “Hoje, diante da barbárie da guerra, esse anseio à unidade deve ser novamente alimentado. O anúncio do evangelho da paz, aquele evangelho que desarma os corações antes mesmo do que os exércitos, só será mais credível se for anunciado por cristãos finalmente reconciliados em Jesus, Príncipe da paz; cristãos animados pela sua mensagem de amor e fraternidade universais, que ultrapassa as fronteiras da própria comunidade e da própria nação”. É difícil dizer melhor e mais claramente.

 

Não podemos deixar de nos chamar de ecumênicos

 

Mas qual é a situação atual, excluindo-se as turbulências em curso? Sabe-se que, no que diz respeito ao estado de saúde do ecumenismo, há muito tempo prevalece entre os comentaristas o hábito de recorrer a imagens meteorológicas, razão pela qual se falou durante muito tempo do inverno ecumênico, ou de um outono pelo menos cinza, seguido pela primavera densa de esperanças (ou, melhor, pela verdadeira euforia ecumênica) que caracterizou a época conciliar e os seus períodos posteriores imediatos.

 

Quando diversos fatores afetaram as consciências de tantos cristãos, individuais ou reunidos em grupo, das mais variadas confissões, a ponto de imaginar como próximo o momento em que a Igreja voltaria a ser (melhor do que “se tornaria”!) una: a pressão de base de inúmeras comunidades eclesiais, uma boa elaboração teológica em andamento, mas também o clima internacional dos anos 1960 e 1970, bem disposto à busca da paz e da justiça em escala planetária, além da superação das discriminações entre os povos e dentro das nações individuais.

 

Não foi assim. Pelo contrário, os subsequentes e impetuosos processos de globalização, tornados obsoletos os clássicos instrumentos de análise sociopolítica, contribuiriam para produzir um planeta ainda mais fechado e desequilibrado, vítima de medos e desconfianças recíprocos, incapaz de olhar positivamente para o futuro e – acima de tudo a partir da tragédia do 11 de setembro de 2001 – convencido em muitos dos seus componentes de estar vivendo um autêntico choque de civilizações. Em que até os renovados protagonismos no âmbito social e político dos grupos religiosos (a revanche de Deus constatada por Gilles Kepel em 1991), mais do que favorecer dinâmicas de acolhida mútua e de encontro amoroso, acabaram alimentando a proliferação de fechamentos identitários e fundamentalismos violentos.

 

Assim, de muitas partes, começou-se a se referir a uma era pós-ecumênica... Até hoje. Quando, a montante, continuamos corajosamente a repetir que, em um mundo globalizado e em crise em várias frentes, incluindo a pandêmica, assim como os italianos, crocianamente, não podem deixar de se chamar de cristãos, em uma perspectiva mais vasta, não podemos deixar de nos chamar de ecumênicos; mas, a jusante, é difícil encontrar, por parte dos atores envolvidos, uma linguagem comum e uma trajetória compartilhada para traduzir concretamente os impulsos (decrescentes, mas ainda difundidos, como testemunha a experiência italiana do Secretariado das Atividades Ecumênicas) provenientes de baixo.

 

O teólogo evangélico Oscar Cullmann, aliás, já defendia há décadas que a impaciência ecumênica – “as coisas não progridem com suficiente rapidez” – poderia ser até nociva à causa da unidade, correndo o risco de subestimar os progressos vividos, “surpreendentes e irreversíveis após a separação de muitos séculos”. Por isso, poderíamos dizer que tudo (ou pelo menos muito!) depende do ponto de observação que assumimos para avaliar a fase atual.

 

Em todo o caso, e apesar de toda lamentação compreensível sobre os seus inegáveis retrocessos, não podemos deixar de levar em conta o fato de que muito do que foi alcançado com grande esforço na convivência dos cristãos tornou-se óbvio, natural. Por exemplo, os líderes das Igrejas muitas vezes se expressam juntos sobre questões sociopolíticas e éticas, celebram a uma só voz as jornadas de diálogo com os judeus e os muçulmanos, as comunidades se reúnem para ritos comuns, e casais de confissão mista pronunciam o fatídico “sim” em liturgias bem estudadas e cada vez menos surpreendentes.

 

O seu maior sucesso – no fim – está no fato de que a ideia ecumênica não ficou apenas como uma ideia no papel, mas assumiu formas de vida. O ecumenismo institucionalizado, que também parece cansado e questionado, também é capaz, apesar de tudo, de exibir uma história de discretos sucessos. Globalmente, portanto, o balanço, sem esquecer muitas questões ainda não resolvidas e tantos outros problemas não resolvidos, a começar pela ausência de uma intercomunhão reconhecida por todas as Igrejas, certamente pode ser considerado positivo.

 

O ecumenismo do futuro

 

Não, o ecumenismo não se esgotou definitivamente, e não estamos atravessando a sua era glacial, em detrimento dos indícios que poderiam nos levar a pensar assim. Pelo contrário, o diálogo está mudando de forma, de estilo, de método, e nem sempre é fácil reconhecer a sua transformação positiva no seio de uma crise indubitável que, porém, é uma crise de crescimento, destinada a nos fazer dar, espero, mais passos. Como foi escrito com autoridade, ele “não é apenas um método externo ou mesmo uma estratégia da política eclesial”; “não consiste apenas em reflexões sofisticadas e em uma troca de ideias, mas é, antes, uma expressão da estrutura dialógica da existência humana e da percepção da verdade” (cardeal W. Kasper).

 

Pessoalmente, eu creio – como todo cristão, imagino – a Igreja una, sancta, catholica et apostolica. Ou seja, creio e confesso que a unidade existe primeiramente em Cristo, no qual “não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher” (Gl 3,28), nem, poderíamos acrescentar, católico, nem protestante, nem ortodoxo e nem mesmo pentecostal, porque “todos somos um em Cristo Jesus” (ibid.).

 

Se o ecumenismo tem um futuro – e deverá ter! – somos chamados a imaginá-lo, conjugando paciência, criatividade, imaginação e audácia. Na consciência de que, com toda a probabilidade, as formas históricas do diálogo ecumênico que conhecemos ao longo do século XX se esgotaram definitivamente; e de que é preciso ir além.

 

Em que direção? A fluidez dos pertencimentos confessionais, as alianças transversais que continuam se formando sobre as mais variadas temáticas, a novidade já consolidada da proliferação de Igrejas independentes e de cristãos cada vez mais indisponíveis em se reconhecer em uma ou outra Igreja histórica e muitas outras mudanças em curso exigem um esforço cultural e a coragem de abandonar supostas seguranças.

 

Eu tenho um sonho para o movimento ecumênico. O de sair cada vez mais do círculo dos adeptos aos trabalhos e de fazer trabalhos de benéfico contágio nas praças, nas ágoras, nos locais de socialização e – por que não? – na web. O de uma constituinte ecumênica que – sem repudiar o itinerário traçado até aqui pelo movimento ecumênico do século XX – se mostre capaz de adotar linguagens, estilos, percursos inovadores de escuta fraterna. Por assim dizer: laicos. Até porque, se quisermos que o cristianismo continue vivendo e crescendo, projetado no já avançado século XXI, é preciso aprender a agradecer a Deus pelos grandes dons que ele fez a todas as Igrejas, a todas as religiões, a todas as mulheres e a todos os homens que Ele ama; e sobretudo a evitar duas tentações.

 

Por um lado, o de se fechar em um gueto, visando a recriar o ideal da cristandade do passado, já esgotado, como nos alerta o próprio Papa Francisco há muito tempo; por outro, o de se assimilar completamente à sociedade em que se vive, acabando por sermos reféns de uma cultura já definitivamente secularizada. E, portanto, como defende Timothy Radcliffe, “devemos estar com as pessoas, compartilhar os seus problemas, colocar-nos ao lado delas à escuta do evangelho e dos ensinamentos da Igreja, e só então poderemos ir descobrir juntos uma palavra que deve ser compartilhada”.

 

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