04 Junho 2022
“A Igreja na África é chamada a tornar -se a 'Família de Deus'. Este é um apelo que traz consigo a exigência de uma conversão cultural radical. Poderíamos até ousar hipotetizar que é precisamente porque temos uma fragilidade antropológica neste nível que o Espírito Santo inspirou tal escolha eclesiológica. É verdade que o desafio de construir a Igreja como família diz respeito a toda a Igreja universal. Mas se proclamamos ao mundo que queremos construir uma Igreja-Família na África, isso deve ficar muito mais claro conosco”, escreve Édouard Adé, padre da Arquidiocese de Cotonou, no Benin, e membro da Comissão Teológica Internacional, em artigo publicado por La Croix, 02-06-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O Papa Francisco criará 21 novos cardeais no final de agosto de dois deles serão da África. Não há nada radical nisto, dado o desejo do Papa de ter uma representação mais universal no Colégio de Cardeais.
Mas ao se olhar para os dois africanos que o Papa escolheu, então fica claro que ele está dando uma nova “lição na eclesiologia africana”.
De fato, um dos desafios da Igreja na África, especialmente em seus órgãos regionais e continentais, é garantir sempre um equilíbrio entre os falantes de inglês, francês e português.
A preocupação é pastoral e compreensível. Deve-se tomar cuidado para não excluir ninguém.
Mas em certos cenários, a “fonética” pode se tornar uma obsessão e dificultar o espírito da “Igreja como Família”, dando prioridade à filiação linguística em vez de adequação e eficiência pastoral.
Esta mesma observação se aplica à região de origem.
Não é a “preocupação por todas as Igrejas” a marca distintiva de um apóstolo (cf. 2 Cor 11,28)?
Mas vamos à lição de eclesiologia africana que o Papa Francisco nos deu com o anúncio dos novos cardeais.
As pessoas que acompanham as notícias da Igreja na África ainda se lembram do que aconteceu em 2012, quando Bento XVI nomeou Peter Ebere Okpaleke para chefiar uma diocese na Nigéria, mas o bispo recém-nomeado nunca conseguiu tomar posse dessa diocese.
Em vez disso, parte do clero local o rejeitou por motivos étnicos!
Quando o Papa Francisco sucedeu Bento alguns meses depois, ele imediatamente começou os esforços para trazer esses padres de volta ao redil eclesial sem sucesso.
Então, ele finalmente aceitou a renúncia do bispo Okpaleke desta diocese e em 2020 o nomeou para uma diocese recém-criada.
Agora, ao elevar Okpaleke à dignidade de cardeal, o papa está enviando uma forte mensagem à Igreja na África, que escolheu em 1994 se definir como a “Igreja-Família de Deus”.
Colocada à prova da vida real nas nossas comunidades cristãs africanas, esta decisão eclesiológica, amplamente comentada e estudada pelos teólogos africanos, aparece mais como uma tarefa a cumprir e um dom de Deus a acolher do que uma identidade eclesial verdadeiramente viveu.
A Igreja na África é chamada a tornar -se a “Família de Deus”. Este é um apelo que traz consigo a exigência de uma conversão cultural radical.
Poderíamos até ousar hipotetizar que é precisamente porque temos uma fragilidade antropológica neste nível que o Espírito Santo inspirou tal escolha eclesiológica.
É verdade que o desafio de construir a Igreja como família diz respeito a toda a Igreja universal. Mas se proclamamos ao mundo que queremos construir uma Igreja-Família na África, isso deve ficar muito mais claro conosco.
Infelizmente, este não é o testemunho que muitas vezes damos, seja em comunidades cristãs, grupos e associações, comunidades religiosas, equipes sacerdotais, ou mesmo em torno da nomeação de bispos.
Devemos pedir constantemente ao Senhor a ajuda do Espírito Santo, o Paráclito, para vencer nossa Babel. Devemos pedir continuamente a graça de nos tornarmos verdadeiramente membros de uma Igreja-Família para que ela seja, por sua vez, “sacramento universal de salvação” para uma humanidade que aspira à verdadeira fraternidade (Fratelli tutti).
Também é significativo que o bispo Richard Baawobr, o segundo africano que o papa escolheu para ser um novo cardeal, filho dos Missionários da África (MAfr.).
Tradicionalmente chamados de “Padres Brancos” (por causa de seu hábito religioso branco original), eles estavam entre os pioneiros que lançaram as bases para a eclesiologia da “Família de Deus” e para o diálogo islâmico-cristão tão necessário para a África hoje.
Por que essa “lição de eclesiologia africana” do Papa Francisco é notícia?
Porque, como seus predecessores, notadamente João Paulo II (na UNESCO em 1980, em Yaoundé em 1985 e em Gorée em 1992), Francisco – desde sua eleição para a Sé de Pedro – nunca deixou de fazer apelos diretos a Igreja na África.
A primeira viagem pastoral de seu pontificado foi a Lampedusa em 8 de julho de 2013. Ele foi ao encontro da juventude africana “salvo das águas” do Mediterrâneo.
Esta ação profética foi dirigida a uma Igreja na África que, dois anos antes, em Ouidah (Benin), havia recebido das mãos de seu predecessor, o Papa Bento XVI, a exortação apostólica pós-sinodal Africae munus.
Em princípio, veio com a determinação de dar um novo impulso à pastoral social da África: “Igreja na África, família de Deus, levanta-te, porque te chama o Pai celeste!” (AM 15); “Levanta-te, toma a tua enxerga e anda (João 5,8)” (AM 148).
Mas nós, a Igreja-Família de Deus na África, entendemos o significado disso?
E que impacto teológico e pastoral terá este último gesto do Papa Francisco?
Devemos fazer justiça a certas Igrejas cujos bispos, durante sua visita ad limina a Roma, também foram a Lampedusa ou expressaram sua gratidão ao papa por esta atenção a uma África constantemente ameaçada de “naufrágio”.
Alguns dos outros esforços simbólicos do Papa Francisco em direção à África incluem a viagem apostólica à República Centro-Africana e a abertura da Porta Santa em Bangui em 29 de novembro de 2015, antes da de Roma.
Devemos também reconhecer o compromisso pessoal do atual papa com a reconciliação no Sudão do Sul, onde ele visitará em julho, imediatamente após a ida à República Democrática do Congo, especialmente em sua região oriental.
Esperemos que os jovens teólogos permaneçam atentos a estes sinais proféticos e reflitam sobre eles para traçar novos caminhos de ação para uma pastoral mais eficaz da Igreja na África.
Não é esta a esperada conversão pastoral e teológica da África?
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Papa Francisco dá uma nova aula para a teologia africana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU