03 Junho 2022
"Pensar o Espírito Santo com a categoria de Deus-em-nós como bem nos lembra o autor desta obra, pode ter tanto uma conotação de intimidade (Deus em mim) como também uma conotação ampla do Espírito de Deus que enche o universo".
O comentário é de Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), em resenha do livro O Espírito Santo – Deus-em-nós: uma pneumatologia experiencial (Petrópolis: Vozes, 2021, 328 p. ISBN 9786557131275. Coleção Iniciação à Teologia), de autoria de Volney J. Berkenbrock.
O Espírito é Deus que se manifesta, se relaciona e, como tal, faz com que a teologia se debruce sobre esse objeto como relação. Por isso, é possível dizer que a pneumatologia não estuda o Espírito-em-si, mas o Espírito-para-nós. É deste assunto que se ocupa a obra: O Espírito Santo – Deus em nós: uma pneumatologia experimental (Vozes, 2021, 328 p.), de autoria do doutor em Teologia Volney J. Berkenbrock. Dentro da preocupação com a experiência do Espírito, o referido autor pretende dar uma atenção especial à ação do Espírito Santo em nós. Nós que pode ser entendido como pessoa (no âmbito individual), como cristãos (no âmbito da fé cristã), como comunidade (no âmbito social), como criação (no âmbito de todo o meio ambiente) ou como universo (no âmbito da totalidade).
(Foto: Divulgação)
O texto está dividido em quatro capítulos:
No primeiro capítulo, Espíritos e Espírito Santo (p. 25-40) Berkenbrock nos aproxima da palavra espírito mostrando seus significados, esclarecendo que antes da reflexão entrar na temática penumatológica do Espírito Santo propriamente dita, é preciso olhar em volta. A palavra “espírito” não é unívoca e ao se acrescentar o adjetivo “santo”, em pouco ou nada ganha em precisão. O exercício de reflexão deste capítulo é o de justamente tentar demonstrar em quantos campos semânticos a palavra espírito está implicada, seja por ela mesma, seja na história do pensamento, seja por palavras formadas a partir de seu radical, seja por expressões que se utilizam desta palavra. Além do campo, muito amplo de significados em torno da palavra espírito, também se atribui ao espírito uma série de ações ou efeitos. Assim, o autor coloca rapidamente o olhar sobre esta questão do que se faz (ou se diz fazer) o Espírito, chamando atenção especialmente para narrativas e compreensões populares.
No segundo capítulo, Acerca da pneumatologia: constatações e problemática (p. 41- 84), o olhar está voltado para o tema da pneumatologia. Nestas páginas o autor mostra que na história da teologia, essa temática recebeu acentos muito diversos. E o que se tem hoje na reflexão teológica sobre o Espírito Santo é, em parte, fruto e consequência das dificuldades que o cristianismo teve, ao longo da história, de lidar com a experiência do Espírito Santo. Frente a isso, esclarece Berkenbrock – uma das tarefas da pneumatologia é estar atenta à ação do Espírito de Deus, do Espírito Santo, no humano.
A partir disso, uma segunda tarefa importante da pneumatologia hoje será a de refletir de tal fora que o Espírito apareça em sua linguagem, em seu modo de operar. Isso conforme nos chama a atenção o autor, não poderá ser uma reflexão restrita a um discurso sobre o Espírito Santo. Terá que tentar ser ou permitir que seja uma linguagem a partir do próprio Espírito Santo. O desafio de fazer uma penumatologia a partir do Espírito Santo e não sobre o Espírito Santo foi aceito por vários teólogos e correntes de pensamento. Assim sendo, o campo da pneumatologia foi se dúvida um dos que mais se renovou nos últimos tempos na teologia cristã católica; renovação esta impulsionada pelo Concílio Vaticano II: de um esquecimento (p. 43-55) a uma recuperação da temática do Espírito Santo na teologia cristã (p. 56-84).
No terceiro capítulo, O Espírito na tradição judaico-cristã (p. 85-281), resgata-se o pensamento sistemático da tradição judaico-cristã sobre o Espírito: desde o nascimento bíblico da expressão (p. 85-160), até a teologia que subjaz ao Concílio Vaticano II e suas consequências (p. 251-281). Neste longo percurso, abordado de maneira detalhada por Berkenbrock, aborda-se o nascimento da expressão Espírito Santo e sua definição como pessoa da Trindade, o tempo do cristianismo antigo (p. 160-213), a Idade Média (p. 213-242), a reforma (p. 243-251) etc., até se aproximar aos dias de hoje. Este capítulo traz, portanto, uma reflexão panorâmica sobre a compreensão do Espírito Santo ao longo da história teológica do cristianismo.
O autor esclarece que o estudo das narrativas sobre a presença do Espírito Santo no Antigo e Novo Testamento mostra que, na Bíblia, o termo “espírito” é utilizado, sobretudo para expressar uma experiência. Não há preocupação com uma definição ou com uma reflexão mais sistemática sobre o espírito. Fala-se sobre o Espírito santo e não tanto do Espírito Santo. Sua presença é percebida à medida em que as pessoas o experimentam: como arrebatador, como santificador, como aquele que envia, como aquele que impulsiona a fé. Enfim, o espírito é percebido em sua ação. Observa, ainda, o autor que de um modo geral, na história teológica cristã, a temática do Espírito Santo será claramente – um tanto marginal. A cristologia e a eclesiologia são os dois temas que irão aparecer com mais proeminência. A pneumatologia tem uma certa relevância de tempos em tempos, mas isso não significa afirmar sua total ausência e, diante disso Berkenbrock chama a atenção para momentos e ideias sobre o Espírito Santo ao longo da história do cristianismo.
No quarto capítulo, o Espírito Santo – a experiência de Deus-em-nós (p. 282-314), Berkenbrock apresenta chaves de leitura a percepção da experiência do Espírito de Deus que mora em nosso meio, que perpassa toda a realidade, que faz com que a presença de Deus não seja uma experiência da manifestação de um estranho, mas sim uma experiência humana que remete à totalidade da realidade. Os tópicos destas páginas chamam a atenção para: Deus – espírito como manifestação (p. 284-287), o universo como dinâmica do Espírito de Deus- em-nós (p. 288-291), a Terra e os seus viventes: O Deus-em-nós que sopra vida (p. 291-295), o Espírito de Deus-em-nós seres humanos (p. 295-305), o Espírito de Deus-em-nós comunidade cristã (p. 305-314). Com isso, o autor faz notar que se é claro ao cristianismo que não se pode cercear ou controlar a ação do Espírito Santo, também é igualmente claro que ela não se limita ao cristianismo. O Espírito de Deus age quando, onde e como quer: este é um pressuposto teológico e não uma concessão. Tendo esta convicção, este capítulo pensa na possibilidade de intuir a ação do Espírito Santo na totalidade: do universo ao interior do nosso planeta e tudo o que ele abraca; da espécie humana como um todo ao humano que crê no Deus de Jesus Cristo. Por isso, o exercício de reflexão proposta neste capítulo está intitulada: O Espírito Santo – a experiência de Deus-em-nós, dando ao “nós” as mais diversas amplidões.
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Há um bom tempo, ouvem-se vozes a pedir que se elabore uma teologia do Espírito Santo – tendo-se em conta que a sua ausência produz consequências negativas para a vida das pessoas, da Igreja e para a visão da história. Nesta perspectiva, uma atenção especial à ação do Espírito Santo em nós é o foco desta obra. Destacar a presença e ação do Espírito Santo em nós faz parte da progressiva recuperação da figura do Espírito Santo na Igreja ocidental.
Pensar o Espírito Santo com a categoria de Deus-em-nós como bem nos lembra o autor desta obra, pode ter tanto uma conotação de intimidade (Deus em mim) como também uma conotação ampla do Espírito de Deus que enche o universo.
Magistralmente, Volney J. Berkenbrock mostra que isso depende da amplitude do que entendemos como nós: a pessoal, a cristã, a comunitária, a de toda a criação ou de todo o universo. Nenhum desses âmbitos é ao outro contraposto. Todos podem ser igualmente considerados, desde que não se excluam. Deus em nós, é a garantia do seguimento do Evangelho - o Deus agindo em nós. Assim a pneumatologia possibilita a consciência da dinâmica e do movimento que nos habita, seja no âmbito da pessoal, na relação com os outros, na comunidade eclesial ou na sociedade, ou ainda no âmbito universal e cósmico.
O roteiro de reflexão desta obra inclui uma abordagem da pneumatologia, colocando-a dentro da tradição teológica sistemática: o contexto bíblico e o desenvolvimento dogmático ocorrido na tradição cristã sobre o Espírito Santo, esforçando-se para ler esta história a partir de uma perspectiva experiencial, ou seja, fazer uma pneumatologia do Espírito Santo. O Espírito Santo, portanto interioriza em nós o mistério de Deus...
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O Espírito Santo - Deus em nós: uma pneumatologia experimental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU