16 Mai 2022
"Enquanto a Rússia trava uma guerra de agressão sangrenta e criminosa de agressão que causa tragédia à população civil, os Estados Unidos estão travando sua "guerra por procuração" ou remotamente, com vários objetivos no horizonte: colocar os russos de joelhos e enfraquecer os chineses, levar de volta à ordem os europeus sob a OTAN, reafirmar a supremacia ameaçada", escreve Giulio Marcon, em artigo publicado por Il Manifesto, 14-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ontem, o chefe do Pentágono, Austin, ligou para seu colega russo Shoigu pedindo um cessar-fogo e a preservação dos canais de comunicação EUA-Rússia. Uma novidade significativa, mesmo que ainda sejam apenas palavras, é um gesto que corre o risco de deixar confusos até os aliados. Porque continuando a enviar armamentos para a Ucrânia, inclusive pesados, ofensivos, agora a Itália e a Europa também estão em guerra.
Assim, em poucas semanas, o cenário geral mudou radicalmente: de uma ação de contenção e apoio à defesa ucraniana para a perspectiva de uma ofensiva contra a Rússia e em solo russo. Com o envio de armas pesadas, com a cúpula de Ramstein, com o primeiro-ministro britânico que apoia a hipótese de ataques em solo russo e com a Suécia e a Finlândia que se preparam para acelerar a entrada na OTAN (que com o seu estulto secretário silencia Zelensky sobre a Crimeia) tudo mudou.
O cenário - apesar das interpretações otimistas do discurso de Putin em 9 de maio, da viagem de Draghi a Washington e agora com o gesto de Austin - continua sendo de escalada. Por outro lado, há poucos dias, a visita do secretário da ONU a Kiev (depois de Moscou) foi acompanhada pelos ataques russos à capital ucraniana: para bom entendedor poucas palavras bastam.
As intenções de paz do Papa Francisco também foram interrompidas por Zelensky e Kirill. As tímidas, mas importantes propostas de Macron não parecem ter sido seguidas e a referência de Draghi de que Putin e Biden "deveriam conversar", os dois não por interpostos poderes, parece até agora sem qualquer efeito. Se nas primeiras semanas da guerra prevalecia a busca de uma possível mediação e acordo para um "cessar-fogo", agora o tema é como "vencer a guerra" e como encurralar Putin.
Não se consegue entender totalmente qual é o "ponto de queda" desta estratégia: a derrota em solo das tropas russas, a reconquista da Crimeia e do Donbass, a defenestração ou humilhação de Putin? Enquanto a Rússia trava uma guerra de agressão sangrenta e criminosa de agressão que causa tragédia à população civil, os Estados Unidos estão travando sua "guerra por procuração" ou remotamente, com vários objetivos no horizonte: colocar os russos de joelhos e enfraquecer os chineses, levar de volta à ordem os europeus sob a OTAN, reafirmar a supremacia ameaçada.
Os porta-estandartes da guerra dizem: devemos realizar uma ação militar em defesa da Ucrânia até o fim para chegar a uma "paz justa". Mas quantas guerras terminaram com uma "paz justa"?
No Afeganistão? Na Bósnia e Herzegovina, após o Acordo de Dayton? E para o Kosovo? E em Chipre, após a guerra entre dois exércitos da OTAN em 1974, existe uma "paz justa"? A única coisa certa a fazer é silenciar as armas, silenciá-las; e depois procurar os caminhos de um possível compromisso.
Talvez extremo, paradoxal, talvez unilateral. Erasmo de Rotterdam lembrava: "Uma paz injusta é muito melhor do que uma guerra justa”. Inclusive com o risco de que uma "guerra justa" local se torne uma "guerra justa" global, nuclear, na qual ninguém nunca mais poderá depois reivindicar a justiça de sua guerra.
Além disso, vista do Ocidente, essa retórica e histeria bélica é verdadeiramente hipócrita: aqueles que acreditam nisso que se levantem das cadeiras dos talk shows (de onde pontificam) e partam para o front. Onde, em vez disso, seria melhor ir - como milhares fizeram há 30 anos para as guerras da Iugoslávia e como estamos começando a fazer agora - para levar ajuda, socorrer as vítimas, fornecer assistência humanitária e manutenção da paz.
A política italiana (quase toda) gagueja, propensa às alianças militares, ao complexo militar-industrial e às dinâmicas de guerra, enquanto os pacifistas italianos e europeus - atacados e insultados (amigos de Putin, traidores, etc.) – tentam segurar uma reflexão e uma ação pela paz, como documentamos com Sbilanciamoci no ebook Os pacifistas e a Ucrânia (em tradução livre, disponível gratuitamente aqui).
Com a ilustração do livro de Mauro Biani, fica claro o entendimento: hoje se trata de "vencer a paz", não de vencer a guerra. Sempre os porta-estandartes da guerra nos dizem: não se pode firmar uma paz com um criminoso como Putin. Queremos fazer uma lista de todos os criminosos e ditadores com quem os EUA e os ocidentais se aliaram nas últimas décadas, com quem até mesmo tenham lutado lado a lado?
Hoje, o objetivo principal é evitar mais sofrimento, outras vítimas, outras destruições. Continuar a enviar armas ofensivas e pesadas) agora que o conflito mudou de natureza, de contenção e defesa para ofensiva inclusive em território russo, significa prolongar a guerra, alimentá-la, estendê-la numa dinâmica descontrolada, numa espiral de resultados que pode ser catastrófico. O objetivo só pode ser um "cessar-fogo" imediato - talvez tenha percebido isso, em palavras, até o Pentágono.
Há poucos dias, o comissário europeu Gentiloni disse (ainda que timidamente) que a ONU, o Vaticano e a China poderiam ter um precioso papel de mediação. Compartilhável. Mas, nada aconteceu. Pois bem: se Stoltenberg, Johnnson, Biden e companhia falassem menos e se houvesse um mandato (mesmo que apenas oficioso) aos sujeitos mencionados por Gentiloni para empreender a busca de um "cessar-fogo" daríamos um grande passo à frente. É isso que - também para salvar a população ucraniana e evitar outras vítimas - todos nós esperamos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Guerra ucraniana, porque deve vencer a paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU