Do lado das vítimas. Artigo de Enzo Bianchi

Manifestante de Moscou amarra as mãos, em favor das vítimas de Bucha. (Foto: Just Click's With A Camera | Flickr, Domínio Público)

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12 Abril 2022

 

Conseguimos evitar um choque de civilizações com o Islã, mas hoje chegamos ao ponto de travar uma guerra que é um choque de civilização entre o Ocidente das democracias e o Oriente das autocracias. Neste inferno, o fiel se sente perdido e se pergunta: onde está Deus? Onde está?

 

A reflexão é do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 11-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Para os cristãos do Ocidente, já começou a semana da Paixão de Jesus Cristo, enquanto para os ortodoxos as celebrações começarão no fim destes dias que querem ser para todas as Igrejas uma memória triste e dolorosa da morte do Senhor. Para todas elas, são semanas de guerra feroz e assassina, previsível e evitável, mas que continuávamos a afastar dos nossos pensamentos e nas relações entre os povos europeus.

 

Esta é uma guerra que vai continuar ainda. E todos os dias assistimos à “paixão” de homens e mulheres, idosos e crianças, vítimas dos bombardeios e das violências, torturas, massacres. Já conhecemos os relatos de paixão e morte que parecem não ter limite. Os homens que combatem entre si e morrem pertencem a uma mesma história, são todos cristãos que têm a fraternidade como primeira vocação.

 

No entanto, chegamos ao que parecia impossível, àquilo pelo qual as Igrejas haviam pedido perdão a Deus, prometendo “nunca mais” recorrer ao seu nome para associá-lo a um alinhamento de guerra. Em vez disso, o “Deus conosco” ressoou de um exército contra o outro, e, ao lado dos exércitos, as Igrejas, uma mesma Igreja de um lado e do outro, que abençoou as armas e os soldados, e amaldiçoou os adversários. Um ódio que se tornou ódio entre o povo, os dois povos, e dominou a oração.

 

E, enquanto em uma Igreja se queima incenso e implora-se a vitória, na outra se realizam os mesmos ritos, e cada um invoca a vitória sobre o inimigo. Uma guerra que se tornou não apenas “justa”, como a doutrina clássica no Ocidente a define, mas santa e abençoada por Deus.

 

Conseguimos evitar um choque de civilizações com o Islã, mas hoje chegamos ao ponto de travar uma guerra que é um choque de civilização entre o Ocidente das democracias e o Oriente das autocracias. Neste inferno, o fiel se sente perdido e se pergunta: onde está Deus? Onde está?

 

Não é uma pergunta nova, mas hoje não diz respeito apenas ao fato de Deus não intervir e estar mudo, mas ressoa como uma interrogação dilacerante sobre os cristãos: como é possível que se matem em uma guerra tão impiedosa, invocando Deus uns contra os outros? Que Deus é esse? Que força vinculante o Evangelho tem sobre os cristãos? Nenhuma força, é preciso responder com o coração dilacerado. Como é possível tal traição ao Evangelho?

 

Não há explicações. É preciso apenas fazer silêncio e ir à Paixão de Jesus que é lida e meditada na Semana Santa. Jesus, um homem justo, que fez o bem e não o mal, mas que foi julgado como um blasfemador pelos representantes de Deus na terra, é preso, torturado, condenado sem um processo, é objeto de violência e desprezo, e é morto pendurado em um madeiro.

 

E ele era o Filho de Deus, era Deus. Eis onde Deus está. Ontem como hoje, onde há vítimas inocentes, é preciso buscar a Deus e identificar de que lado está. É paradoxal, mas é assim. Na Páscoa, os cristãos deveriam reconhecer que a imagem do seu Deus é um cordeiro áfono morto desde a fundação do mundo até hoje.

 

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