21 Abril 2022
Será publicado no dia 21 de abril, pela editora Solferino, o livro “Il Monastero”, em que Massimo Franco, colunista do Corriere della Sera, investiga a relação entre Bergoglio e Ratzinger: o que os divide é a questão da Europa.
O comentário é de Aldo Cazzullo, publicado em Corriere della Sera, 20-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No início do livro, sente-se como o autor se sentiu quando entrou no mosteiro para uma entrevista retomada pela mídia de todo o mundo: eis-nos “diante do sorriso desarmante e enigmático de Bento, imóvel em uma poltrona, vestido de branco como se ainda fosse o papa reinante e não o ‘ex’ mais famoso do mundo (...) os pulsos magríssimos saindo dos punhos da camisa com abotoaduras, o relógio à esquerda e à direita um medidor de pressão de pulso para verificar constantemente o estado do seu coração, as sandálias de couro marrom, a imagem de um homem de vidro que poderia quebrar à primeira rajada de vento: é isso que torna o Mosteiro Mater Ecclesiae o lugar mais estranho e interessante do Vaticano. Porém, essa fragilidade resiste há nove anos…”.
Massimo Franco estuda o poder desde sempre. A sua reportagem-investigação sobre Bettino Craxi (Hammamet) e a sua biografia de Giulio Andreotti são long-sellers que exploraram a crise da Primeira República na Itália. Depois, diante do evidente declínio intelectual e cultural da política italiana, Franco deslocou o foco da sua análise para o Vaticano, ao qual dedicou alguns livros de sucesso, projetando a Santa Sé na dimensão que é própria do grande jogo geopolítico do mundo global.
A editora Solferino publicou “L'enigma Bergoglio” há dois anos e agora imprime um livro dedicado ao outro lado da moeda: “Il Monastero. Benedetto XVI, nove anni di papato-ombra” [O Mosteiro. Bento XVI, nove anos de papado-sombra].
Novo livro de Massimo Franco (Foto: Divulgação)
É uma viagem, às vezes também física, dentro dos muros vaticanos. Onde o apartamento apostólico, residência do papa durante séculos, está vazio. Mas onde há dois papas. O primeiro, o reinante, em uma residência chamada Casa Santa Marta, quarto 201. O outro, o emérito, em um convento de clausura, habitado principalmente por mulheres. Uma situação sem precedentes na história, não regulada por nenhuma norma, e por isso prenúncio de incompreensões, de rivalidades, de confrontos subterrâneos não tanto entre Ratzinger e Bergoglio, mas entre as suas respectivas comitivas, e entre dois lados que combatem entre si – até ao limite do cisma – para estabelecer em que direção a Igreja deve ir, em um ponto de virada da história da cristandade e da humanidade.
Tudo começou com a renúncia de Bento XVI. Que sentia que suas forças estavam se esvaindo, que percebia o fim próximo. “Ninguém diria – escreve Massimo Franco – que o ‘papado paralelo’, o do Mosteiro, acompanharia por todo o tempo o pontificado argentino da Casa Santa Marta; que ele o apoiaria, ajudaria e depois, sem querer e sem procurar, desafiaria por vontade mais alheia do que própria”.
No início, tudo parecia correr bem. Francisco foi a Castel Gandolfo para se encontrar com Bento, que lhe confiou a grande caixa com todos os documentos da investigação vaticana sobre os escândalos, aquela temporada terrível que culminou no dia 24 de maio de 2012 – “coincidência diabólica” para o Pe. Georg Gänswein, verdadeiro coprotagonista deste livro – da expulsão de Ettore Gotti Tedeschi do IOR e da prisão de Paolo Gabriele, o mordomo do papa.
Francisco retribuiu o gesto de confiança submetendo a Bento, antes da publicação, o texto da sua primeira entrevista como papa, quase um programa do pontificado, concedida ao Pe. Antonio Spadaro; e recebendo de Ratzinger quatro páginas cheias de notas (os dois papas têm ambos uma caligrafia minúscula, a de Bergoglio ainda mais).
Mas depois o delicado equilíbrio se rompeu. Franco reconstrói as várias etapas da relação entre os dois papas. Os pastiches editoriais cruzados: a censura às críticas veladas de Ratzinger, chamado a resenhar “livretos” de teologia assinados por Bergoglio junto com outros prelados, incluindo dois antigos críticos e inimigos jurados de Bento; o lançamento de um livro indevidamente coassinado pelo cardeal Sarah e por Ratzinger, que defendia o celibato sacerdotal justamente às vésperas do sínodo que deveria se abrir aos viri probati (permitindo não que os padres se casassem, mas que os casados se tornassem padres).
A investigação é rica em detalhes, bastidores inéditos, episódios saborosos, que também podem ser apreciados por aqueles que, ao contrário do autor, não estão familiarizados com as questões vaticanas; incluindo as relações com Trump e Biden, o papel de Ruini e Bertone, até os dois supostos “complôs de morte”, o primeiro contra Bento, o segundo contra Bergoglio.
Mas, no centro da análise de Massimo Franco, há uma intuição. A fratura – inegável – entre os dois papas não é ditada tanto pelas evidentes diferenças de estilo. Não é apenas uma questão entre conservadores e progressistas. Não se trata de estabelecer de qual corrente de pensamento pode vir o risco do cisma, se dos reacionários incomodados com as inovações de Francisco ou dos bispos alemães insatisfeitos com as suas hesitações.
A verdadeira distância diz respeito à ideia de Europa. Campo de batalha, terra a ser re-evangelizada, teatro do confronto decisivo com o relativismo, segundo Ratzinger; continente exausto para o americano Bergoglio, eleito por um conclave abertamente anti-italiano, e que há nove anos cuida para não sobrevalorizar a Igreja italiana, a ponto de, pela primeira vez na história, os arcebispos de Milão, Veneza, Turim e Palermo não serem cardeais (e nem o secretário de Estado foi cardeal por um ano).
“O trauma da renúncia de 2013 não foi desfeito nem superado”, conclui o autor. “A Igreja às vezes parece ainda mais dividida do que a de 2013.” E o próximo conclave pode ser “um acerto de contas de resultados muito incertos”.
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Novo livro aborda o problema de se ter dois papas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU