13 Abril 2022
"É assim que Cristo traz a paz ao mundo: através da mansidão e docilidade, representada naquele jumento".
"A paz que Jesus nos dá na Páscoa não é a paz que segue as estratégias do mundo, que acredita que será obtida pela força, com conquistas e com várias formas de imposição".
"A tentação de uma falsa paz, baseada no poder, que depois leva ao ódio e à traição de Deus".
"Neste momento difícil, de agressão armada, somos chamados a ser portadores da paz de Cristo com as 'armas' do Evangelho, que são a oração, a ternura, o perdão e o amor gratuito por todos, sem distinção".
(Ilustração: Agustin de la Torre)
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 13-04-2022.
Na catequese da audiência da Quarta-Feira Santa, o Papa Francisco aborda o tema da 'paz da Páscoa', ou seja, a paz de Cristo "com as 'armas' do Evangelho, que são a oração, a ternura, o perdão e o amor gratuito a todos, sem distinção”. Portanto, os seguidores de Jesus devem evitar “a tentação de uma falsa paz, baseada no poder, que então leva ao ódio e à traição de Deus”. E o Papa conclui: “A agressão armada destes dias, como todas as guerras, representa um ultraje contra Deus, uma traição blasfema do Senhor da Páscoa, uma preferência pelo falso deus deste mundo ao seu rosto manso”.
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Estamos em plena Semana Santa, que vai do Domingo de Ramos ao Domingo de Páscoa. Ambos os domingos são caracterizados pela festa que acontece em torno de Jesus. Mas são dois partidos diferentes.
(Ilustração: Agustin de la Torre)
No domingo passado vimos Cristo entrar solenemente em Jerusalém, acolhido como Messias: para Ele mantos são estendidos ao longo do caminho (cf. Lc 19,36) e ramos cortados das árvores (cf. Mt 21,8). A multidão exultante abençoa em alta voz o "Rei que vem" e aclama: "Paz no céu e glória nas alturas" (Lc 19,38). Essas pessoas comemoram porque veem na entrada de Jesus a chegada de um novo rei, que traria paz e glória. Esta era a paz esperada por aquele povo: uma paz gloriosa, fruto de uma intervenção real, a de um poderoso messias que libertaria Jerusalém da ocupação dos romanos. Outros provavelmente sonhavam em restabelecer a paz social e viam em Jesus o rei ideal, que alimentaria a multidão com pão, como já havia feito, e realizaria grandes milagres, trazendo mais justiça ao mundo.
Mas Jesus nunca fala sobre isso. Ele tem diante de si uma Páscoa diferente. A única coisa que o preocupa para preparar a sua entrada em Jerusalém é montar "um jumentinho amarrado, em que ainda ninguém montou" (v. 30). É assim que Cristo traz a paz ao mundo: através da mansidão e docilidade, representada naquele jumentinho amarrado, sobre o qual ninguém havia montado. Ninguém, porque a maneira de Deus fazer as coisas é diferente da do mundo. Jesus, de fato, antes da Páscoa, explica aos discípulos: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; Não vos dou como o mundo dá” (Jo 14,27).
A paz que Jesus nos dá na Páscoa não é a paz que segue as estratégias do mundo, que acredita que será obtida pela força, com conquistas e com várias formas de imposição. Esta paz, na realidade, é apenas um intervalo entre as guerras. A paz do Senhor segue o caminho da mansidão e da cruz: é cuidar dos outros. Cristo, de fato, tomou sobre si nosso mal, nosso pecado e nossa morte. Assim ele nos libertou. A sua paz não é fruto de algum acordo, mas nasce do dom de si mesmo. Esta paz mansa e corajosa, porém, é difícil de acolher. De fato, a multidão que louvou Jesus é a mesma que alguns dias depois grita “Crucifica-o” e, assustada e decepcionada, não levanta um dedo por ele.
Nesse sentido, uma grande história de Dostoiévski, a chamada Lenda do Grande Inquisidor, é sempre atual. Narra que Jesus, depois de vários séculos, retorna à Terra. Ele é imediatamente acolhido pela multidão alegre, que o reconhece e o aclama. Mas então ele é preso pelo Inquisidor, que representa a lógica mundana. Ele o questiona e o critica ferozmente. O motivo final da reprovação é que Cristo, embora pudesse, nunca quis se tornar César, o maior rei deste mundo, preferindo libertar o homem a submetê-lo e resolver os problemas pela força. Ele poderia ter estabelecido a paz no mundo, dobrando o coração livre mas precário do homem em virtude de um poder superior, mas não quis. "Se tivesses aceite - diz o Inquisidor a Jesus -, a púrpura de César, você teria fundado o império universal e dado paz ao mundo” (Os Irmãos Karamazov, Milão 2012, 345); e com uma frase cortante conclui: "Bem, ninguém mereceu a estaca mais do que você" (348). Este é o engano que se repete na história, a tentação de uma falsa paz, baseada no poder, que depois leva ao ódio e à traição de Deus.
No final, o Inquisidor queria que Jesus "lhe dissesse algo, talvez também algo amargo, terrível". Mas Cristo reage com um gesto doce e concreto: "aproxima-se dele em silêncio e beija-o docemente nos velhos lábios ensanguentados" (352). A paz de Jesus não domina os outros, nunca é uma paz armada. As armas do Evangelho são a oração, a ternura, o perdão e o amor gratuito pelo próximo, por todos os próximos. É assim que a paz de Deus é trazida ao mundo. É por isso que a agressão armada destes dias, como todas as guerras, representa um ultraje contra Deus, uma traição blasfema ao Senhor da Páscoa, uma preferência pelo falso deus deste mundo sobre o seu rosto manso. A guerra é sempre uma ação humana para levar à idolatria do poder.
Jesus, antes da sua última Páscoa, disse aos seus: "Não se perturbe nem se espante o vosso coração" (Jo 14,27). Sim, porque enquanto o poder mundano deixa apenas destruição e morte, sua paz constrói a história, a partir do coração de cada homem que o acolhe. A Páscoa é então a verdadeira festa de Deus e do homem, porque a nós é distribuída a paz que Cristo conquistou na cruz no dom de si mesmo. Por isso, o Ressuscitado aparece aos discípulos no dia da Páscoa e repete: "A paz esteja convosco" (Jo 20,19.21).
Irmãos, irmãs, Páscoa significa "passagem". É, especialmente este ano, a ocasião abençoada para passar do deus mundano ao Deus cristão, da ganância que carregamos dentro à caridade que nos liberta, da expectativa de uma paz carregada com força ao compromisso de testemunhar concretamente a paz de Jesus. Coloquemo-nos diante do Crucificado, fonte da nossa paz, e peçamos-lhe a paz do coração e a paz no mundo.
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O Papa volta a clamar: “A agressão armada destes dias, como todas as guerras, representa um ultraje contra Deus, uma traição blasfema ao Senhor da Páscoa” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU