Última Ceia: lugar de “des-velamento” do coração (Terça-Feira Santa)

Foto: Pixabay

12 Abril 2022

A reflexão bíblica a seguir é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho da Terça-Feira Santa, ciclo C do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto de João 13,21-33.36-38.

 

Eis o texto.

+ Busque criar um ambiente propício para a oração deste dia: espaço externo, atitude interna, silêncio... para viver mais intensamente os “momentos finais” da vida de Jesus.

 

+ Faça a oração preparatória (de entrega), a composição vendo o lugar (a última Ceia), e peça a Deus a graça de participar dos sentimentos de Jesus, às vésperas de sua morte.

 

+ Leia as “indicações” abaixo como ajuda para “entrar em contemplação”:

 

Estamos na terça-feira da Semana Santa, às vésperas da execução de Jesus. Como ontem, somos convidados a participar de outra ceia de despedida. A ceia em Betânia foi rica em símbolos de amor, de amizade, de festa..., um esbanjamento de humanidade. A ceia de hoje (em Jerusalém) é marcada por uma comoção profunda, onde Jesus se vê traído, vendido, enganado e abandonado por aqueles que juravam fidelidade e amizade profunda. Esta noite, Jesus começou a sentir que estava sozinho. É o sentimento mais duro e doído que alguém pode passar.

 

Jesus está celebrando a última ceia com os seus discípulos; tinha acabado de lavar os pés deles e de ter falado do dever que temos de lavar os pés uns dos outros. Judas já tinha tomado a trágica decisão, e depois de receber o último pedaço de pão das mãos de Jesus, saiu para cumprir sua traição.

 

Enquanto Jesus está fazendo aquele gesto de serviço e de total entrega de si mesmo, ao lado dele um discípulo está tramando a maneira de como traí-lo naquela mesma noite. Jesus expressa a sua comoção e diz: “Em verdade lhes digo: um de vós vai me trair!” Não diz: “Judas vai me trair”, mas “um de vós”. É alguém do círculo da amizade dele que vai ser o traidor.

 

O anúncio da traição foi desconcertante para o grupo dos discípulos. Independentemente de qualquer cultura, a traição é sempre um ato abominável. De modo especial, entre pessoas cujas vidas estão vinculadas por laços profundos, e nas quais se deposita toda confiança. Isto explica a surpresa dos discípulos quando Jesus anunciou que um deles haveria de traí-lo. E essa surpresa foi maior, quando o traidor foi identificado com Judas, filho de Simão Iscariotes.

 

O evangelista João dirá várias vezes que se tratava de um ladrão. Logo, alguém de caráter duvidoso, de quem se pode esperar tudo. A traição seria apenas mais uma manifestação da personalidade doentia deste discípulo. Os evangelhos, em geral, referem-se a Judas como alguém que vendeu sua própria consciência ao aceitar entregar o Mestre por um punhado de moedas.

 

Uma coisa é certa: Judas estava longe de sintonizar-se com Jesus. Algo parecido acontecia com Pedro, que haveria de negá-lo. Só que este recuou e abriu-se à misericórdia do Senhor.

 

Mas, o que vem a ser a traição? Como ela se manifesta na nossa vida? Por que traímos a confiança do outro?

 

A palavra “trair” vem do latim “tradere”, que significa entregar, enganar, denunciar ou delatar.

 

Mas ela pode ser pensada também no sentido de “quebrar” uma ideia, um ideal, um objetivo, trazendo mudanças de planos, estratégias ou ideais.

 

O ato de trair implica romper um pacto que o sujeito fez com o outro e consigo mesmo. Trair é uma ação que implica consequências, e, quando se fala de relacionamento humano, envolve sofrimento e sensação de abandono, gerando um estado de desconfiança generalizada naquele que foi traído.

 

Judas está na ceia pascal de Jesus com os discípulos. Ceia que o Mestre preparou com cuidado, sem que escapasse nenhum detalhe. É uma ceia para amigos onde Ele vai revelar sua entrega, totalmente; esse é o sentido da Eucaristia: “memória” de uma entrega.

 

Mas Judas só participa do ritual, está ausente; permanece aí só por uns instantes, pois tem coisas a fazer, e desaparece sem ter presenciado o que ali aconteceu. Outros assuntos exigem sua atenção.

 

A ceia pascal não lhe serviu para nada: nem se surpreendeu, com seus maravilhosos detalhes, nem provocou mudança nele, porque, na realidade, não estava atento, nem sentia necessidade de mudar.

 

Há pessoas que sempre estão “ausentes” do grupo, da comunidade, quando se celebra algo importante; costumam ser pessoas muito “ocupadas”, mas que não comungam com a comunidade. De fato, só pensam em si mesmos e não sabem desfrutar com os outros de um momento festivo.

 

Sentimos pena de Judas, porque é um homem decepcionado com o chamado de Jesus e sua própria vocação. Não se sente como os outros, e nem sequer é tão espontâneo como Pedro ou os Zebedeus, que queriam ser importantes; ele não quer só ser importante, quer estar em tudo por cima dos outros. Está “amargo” porque Jesus não correspondia às suas expectativas como Messias e está perdendo o tempo com os discípulos em vez de prepará-los para a revolução e formar um grupo político, não religioso. Judas perdeu a admiração por Jesus.

 

Judas não compreende o gratuito, ou seja, o que recebeu de Jesus, as possibilidades de ser apóstolo e sair de si mesmo, entregando-se, doando-se... e tudo quer justificar a partir de seu próprio ponto de vista.

 

Judas não sabe participar e desfrutar de uma agradável refeição em companhia dos outros, nem se preocupa em agradecer a Jesus pela admirável ceia. Judas caminha para a decepção, a solidão e a morte. Abandona o grupo, sai à noite para alimentar seu “ego inflado”, sofre a decepção frente seus “falsos” amigos, vê que sua vida já não tem saída nem sentido.

 

No fundo é fraco, tira a própria vida, não faz dela uma entrega, como Jesus.

 


Mas, a Eucaristia é o ato de comensalidade que vai além das traições e dos abandonos, das negações, das covardias e dos comportamentos hipócritas. Não se trata de excluir da Eucaristia os covardes e os traidores. Jesus não excluiu ninguém. Judas comeu do mesmo prato em que comia o próprio Jesus.

 

Jesus não impôs excomunhões. Respeitou a todos até o extremo; o respeito e o trato que Jesus manteve com todos foi, dessa forma, delicado, tolerante e respeitoso até o fim.

 

E isso, por uma razão muito simples: a eucaristia não é possível onde há exclusões, desqualificações, ameaças, reprovações, julgamentos...

 

+ Leia atentamente o Evangelho da liturgia de hoje: Jo 13,21-33.36-38.

 

+ Comece a contemplação ativando todos os seus sentidos, para poder participar intensamente da Última Ceia.

 

+ Faça-se e sinta-se presente na sala da refeição pascal, como um “humilde servidor”: observe o ambiente preparado, a disposição da mesa, o jarro e a bacia para o lava-pés, os pães ázimos, ervas amargas, vinho...

 

+ À meia-distância, observe a seriedade do momento, escute as palavras de Jesus ao tomar o pão e o vinho... Sinta-se desconcertado quando Jesus anuncia que um do grupo vai ser o traidor.

 

Veja as reações dos discípulos, a tristeza de Jesus...

 

+ Diante de “Jesus traído”, recorde experiências pessoais de traição: quando foi traído? Quando traiu? Como se sentiu?

 

+ Passe um bom tempo nesta sala, onde está acontecendo um evento histórico e essencial para os seguidores de Jesus: a instituição da Eucaristia. Participe também você da refeição.

 

+ No final da oração dê graças por poder participar deste momento.

 

- Faça exame da sua oração e registre no “caderno de vida” os movimentos (moções) do coração.

 

 

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