13 Abril 2022
"Parece-nos que Ravasi conseguiu compor uma biografia de Jesus confiável no plano histórico (até onde isso é possível hoje) e ao mesmo tempo em sintonia com o discurso de fé que subjaz a cada um dos quatro Evangelhos. Certamente será possível discutir este ou aquele ponto de vista, esta ou aquela escolha do autor, mas a estrutura geral é sólida e convincente, tanto em termos de reconstrução histórica como das afirmações da fé, por um lado sem subordinar a história à fé e, por outro lado, sem desqualificar a fé como chave de leitura da história", escreve Paolo Ricca, teólogo, pastor valdense italiano e professor emérito da Faculdade Valdense de Teologia, em artigo publicado por Riforma, publicação das Igrejas evangélicas batistas, metodistas e valdenses italianas, 15-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Bela e confiável. É aquela escrita pelo card. Gianfranco Ravasi, um grande conhecedor, comentarista e divulgador da Bíblia especialmente (mas não só) no âmbito católico. Acredito que nos anos após o Concílio ele fez mais do que qualquer outro para dar a conhecer a Bíblia aos italianos. Mas conhecer a Bíblia não é o mesmo que conhecer Jesus, a Bíblia é um livro, uma Escritura, uma mensagem, uma Palavra. Jesus é uma pessoa. Não se pode conhecer Jesus sem conhecer a Bíblia, mas não basta conhecer a Bíblia para conhecer Jesus. Por isso Gianfranco Ravasi, que escreveu muitos livros sobre autores bíblicos (entre estes destaco seu grande Comentário aos Salmos, em três volumes - uma verdadeira obra-prima), agora nos oferece uma Biografia de Jesus[1].
Biografia di Gesù. Secondo i Vangeli
Mas devemos nos perguntar de imediato: é realmente possível hoje escrever uma biografia de Jesus, ou seja, uma história de sua vida, que seja historicamente confiável? A resposta tem que ser: sim e não. Sim, porque ele foi, sem dúvida, uma figura histórica, que viveu entre 4 ou 6 a.C. e cerca de 30 d.C., quando foi executado nos arredores de Jerusalém com 30-35 anos de idade. Temos quatro versões de sua vida, atividade, paixão e morte, chamadas "evangelhos", portanto é possível escrever sua história. Mas há quem defenda que isso não é possível porque os quatro evangelhos são todos escritos por pessoas que creram em Jesus, portanto são histórias partidárias em que dados históricos se misturam com as afirmações de uma fé que pode ter alterado ou adaptado, ou inventado algumas coisas transfigurando a realidade. Também podem ter sido atribuídas a Jesus palavras que ele não pronunciou materialmente, mas que se supõe teria podido pronunciar.
"Caminhar na crista entre história e fé não é fácil", escreve o autor (p. 20), e ele tem razão.
Não deve ter sido fácil para quem escreveu esses "evangelhos", e é ainda menos fácil para quem os lê hoje e confia neles para reconstruir a história de Jesus. Não é fácil, portanto, mas também não é impossível. No entanto, é preciso estar atentos e lembrar sempre que nas quatro histórias de Jesus à nossa disposição o entrelaçamento entre história e fé é constante, da primeira à última linha, e quem quiser escrever hoje uma biografia historicamente confiável de Jesus "segundo os Evangelhos", deve saber distinguir entre o que, em cada passagem do Evangelho, presumivelmente pertence à história e o que é claramente ditado pela fé.
Parece-nos que Ravasi conseguiu compor uma biografia de Jesus confiável no plano histórico (até onde isso é possível hoje) e ao mesmo tempo em sintonia com o discurso de fé que subjaz a cada um dos quatro Evangelhos. Certamente será possível discutir este ou aquele ponto de vista, esta ou aquela escolha do autor, mas a estrutura geral é sólida e convincente, tanto em termos de reconstrução histórica como das afirmações da fé, por um lado sem subordinar a história à fé e, por outro lado, sem desqualificar a fé como chave de leitura da história.
Esta biografia está articulada em 11 capítulos.
O primeiro, introdutório, ilustra as raízes judaicas de Jesus aqui recuperadas ao longo de três distintos percursos: o modo rabínico de ensinar, a continuidade e a descontinuidade com o judaísmo tradicional, a contribuição da sociologia religiosa. Seguem quatro capítulos dedicados aos quatro Evangelhos: Marcos, "o primeiro evangelista"; Mateus, "o Evangelho mais popular"; Lucas, "o evangelista mais refinado"; João, "o último Evangelho". Os outros capítulos são dedicados à infância de Jesus (os dois primeiros capítulos de Mateus e Lucas), às suas palavras (o ensinamento, as parábolas), às suas mãos (os milagres) e, finalmente, ao processo, à condenação, à morte e à ressurreição.
O último capítulo é dedicado aos Evangelhos apócrifos, que circulavam nos primeiros séculos da vida da Igreja junto com aqueles posteriormente reconhecidos como canônicos, mas que a Igreja, muito sabiamente, excluiu do cânon: sua presença teria comprometido seriamente tanto a confiabilidade histórica de dos outros evangelhos quanto a qualidade da fé testemunhada pelo Novo Testamento.
Este é o plano da obra, que unifica as quatro biografias de Jesus dos 4 evangelistas em uma única história: é uma biografia de biografias, que destaca a especificidade de cada uma. Os méritos da obra são muitos.
Eis os principais:
1. Por diversas vezes o autor remete o leitor ao próprio texto evangélico, recomendando sua leitura direta e pessoal. Não pretende de forma alguma substituir as biografias evangélicas, pelo contrário, pretende ser um vade-mécum que induz o leitor a ler os evangelhos.
2. O autor introduz em sua história um número impressionante de escritores, poetas, pintores, músicos, filósofos, místicos, teólogos, "uma grande nuvem de testemunhas" (Hebreus 12, 1), de toda época, índole, nacionalidade, orientação, que contribuem, cada um à sua maneira, para “contar” a história de Jesus. Esta extraordinária e bela coralidade enriquece enormemente a história que, literalmente, transborda de referências culturais.
3. O autor não evita nenhum tema problemático ou difícil de tratar em poucas páginas, entre aqueles presentes nos relatos evangélicos, como, por exemplo, aquele da dimensão demoníaca presente na história do mundo e das pessoas. O diabo é chamado de "a sombra de Deus" (p. 200). Lutero o chama de símia Dei, "o macaco de Deus".
4. O autor está ciente dos resultados alcançados pelo intenso e contínuo trabalho científico sobre os quatro evangelhos, realizado nas universidades e faculdades de teologia. Assim, por exemplo, ele descreve a gênese literária de cada evangelho, sem contudo sobrecarregar o relato com aparatos eruditos para especialistas, que não existem. O livro, dessa, permanece fácil de ler e acessível a qualquer pessoa.
Concluindo: é uma obra que valia a pena escrever e que vale a pena (mas é um prazer) ler.
[1] Gianfranco Ravasi, Biografia di Gesù secondo i Vangeli, Milão, Raffaello Cortina Editore
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Uma bela biografia de Jesus. Artigo de Paolo Ricca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU