21 Março 2022
São José, Moisés e Jesus: as histórias de perseguição são atos da história da salvação. A distinção passa precisamente por esta falha dramática da história: se na fé você não sente uma repugnância irresistível diante da violência contra os indefesos, então Deus não tem mais nada a ver com você.
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 20-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo ele, "o primado da resistência à violência e da confiança na paz não pode ser contrariado por nenhum líder político ou religioso. É nesse paradoxo que reside o grande mistério da possível comunhão entre Deus e os seres humanos, que encontra no ato político a máxima força e tentação".
No dia 19 de março, a festa de São José e, neste domingo, o III Domingo da Quaresma criam, em tempo de guerra, uma singular harmonia discors. São José e Moisés são sinais fortes da possibilidade da fé de recomeçar a partir dos sobreviventes, dos perdoados, dos refugiados. A história da salvação parte dos refugiados.
O noticiário nos mostra a queda de tantos prédios nas cidades ucranianas e a morte de tantos homens, mulheres pobres, crianças roubadas de todas as coisas e até da esperança. O Evangelho desse domingo fala de galileus mortos por Pilatos junto com os seus sacrifícios e das pessoas mortas pelo desabamento da torre de Siloé. Impressionante coerência entre o Evangelho e as notícias.
A fé de José é a fé de um refugiado. A fé de Moisés é também a fé de um refugiado: o primeiro salvou o filho da morte certa; o segundo foi salvo pela mãe e confiado à precariedade das águas. A fé começa onde o ser humano foge do arbítrio da violência, da negação da identidade, da falta de reconhecimento e da indiferença que culpabiliza.
Somente se você encontrar pastores e magos que o protejam, você terá esperança de encontrar o seu caminho. Quando você se torna “inimigo”, você não escapa: talvez mesmo diante daquelas pobres vítimas abandonadas pelas ruas das cidades ucranianas, alguém pense (ou escreva ou grite): ou eles ou seus pais pecaram. E o jogo de culpar as vítimas por absolver os algozes é tão antigo quanto o ser humano.
Mas ainda hoje, entre quem foge da operação especial ordenada pelo faraó de Moscou, ou pelo Herodes de Petersburgo, nasce a fé dos sobreviventes, que buscam o bem e anunciam a paz. As Igrejas têm precisamente essa tarefa de custódia do mistério, de libertação da vítima da violência e da opressão, mas também do ressentimento e do ódio: as Igrejas assumem e guardam o grande mistério da tradição judaico-cristã, que tem na sua origem a grande reviravolta: quem tinha que morrer guia o próprio povo à liberdade e à paz. Moisés e Jesus são sobreviventes e por isso estão dispostos à escuta da palavra de Deus. Por isso são autoridades.
O primado da resistência à violência e da confiança na paz não pode ser contrariado por nenhum líder político ou religioso. É nesse paradoxo que reside o grande mistério da possível comunhão entre Deus e os seres humanos, que encontra no ato político a máxima força e tentação.
Mas, se você levanta publicamente o seu rosário em público para perseguir os emigrantes ou se você aplaude publicamente o exército que esmaga o pobre e a viúva, você eleva ao céu uma blasfêmia e aplaude um sacrilégio. A palavra de paz que lhe atribui essa autoridade que você recebeu como um serviço à nação ou à Igreja se transforma, nas suas mãos, em veneno para todos e demonstra que você vendeu o Evangelho por um prato de lentilhas.
Repugnante é a guerra, repugnante é a hipocrisia: o presépio usado para difamar os estrangeiros, as basílicas para abençoar as guerras e amaldiçoar os direitos das pessoas.
São José, Moisés e Jesus: as histórias de perseguição são atos da história da salvação. A distinção passa precisamente por esta falha dramática da história: se na fé você não sente uma repugnância irresistível diante da violência contra os indefesos, então Deus não tem mais nada a ver com você.
A guerra sabe revelar os pensamentos secretos de cada coração: todos, os piores e também os melhores. E pode distinguir com clareza cristalina quem recorre com esforço e com estupor a uma palavra mais elevada e mais viva, e quem, com indiferença e interesse, fala apenas por si mesmo e de si mesmo.
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São José, Moisés e a autoridade dos sobreviventes. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU