Relatório IPCC: a crise do clima já apresenta consequências irreversíveis

Fonte: Pixabay

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02 Março 2022

 

"Os especialistas da ONU sobre o clima alertam: precisamos reduzir as emissões mais rapidamente do que o previsto, proteger e restaurar a natureza e nos preparar para danos irreversíveis", escreve Fabiana Alves, coordenadora da campanha de Clima e Justiça, em artigo publicado por Greenpeace, 28-02-2022. 

 

Petrópolis. Crise Climática agrava e intensifica eventos extremos. (Foto: Thomas Mendel | Greenpeace)

 

Eis o artigo.

 

A segunda parte do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, divulgada nesta segunda-feira (28), chega em momento oportuno para o Brasil e o mundo. Cientistas de 195 países afirmam que o aumento da temperatura global de 1,1°C que vivemos hoje causa perdas e danos, especialmente às populações em situação de vulnerabilidade. Chegamos a um patamar em que a crise do clima provoca consequências cada vez mais irreversíveis. Faz-se necessária a mudança do sistema socioeconômico para evitar o agravamento dos eventos extremos, e cada 0,1°C a mais conta.

Esses são os principais pontos de atenção no relatório atual:

 

Os riscos e impactos climáticos estão aparecendo mais rapidamente e se tornarão mais graves mais cedo.

Os efeitos do aquecimento nos ecossistemas acontecerão mais cedo do que o previsto no último relatório, serão também mais difundidos, afetando várias áreas do planeta, e provocarão consequências de maior alcance.

 

Nós não estamos preparados para os impactos que estão acontecendo hoje, e isso está custando vidas.

Cerca de 3,3 bilhões de pessoas vivem em países com alta vulnerabilidade à crise climática, com impactos maiores sobre aqueles que sofrem com questões relacionadas à desigualdade, saúde, educação, crises financeiras, falta de capacidade de governança e infraestrutura.

Vidas e lares foram perdidos em todo o mundo, mas em países com maior situação de vulnerabilidade, a mortalidade por inundações, secas e tempestades foi 15 vezes maior na última década, em comparação com países com vulnerabilidade baixa.

Não precisava ser assim. Planos elaborados junto às populações mais impactadas, com recursos suficientes e implementados adequadamente para adaptação e desenvolvimento resiliente ao clima, que atendam às necessidades daqueles que vivem em situação de maior vulnerabilidade, salvariam vidas, lares e futuros.

 

Mais aquecimento traz graves consequências. Limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5°C reduziria substancialmente perdas e danos projetados, mas algumas perdas já se tornaram irreversíveis.

As perdas e danos que já estão acontecendo e são distribuídos de forma desigual, não são abordados de forma abrangente pelos atuais arranjos financeiros, de governança e institucionais, particularmente em países vulneráveis de baixa e média renda.

Na próxima COP, a 27ª Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, os países mais ricos, que são os maiores responsáveis pela crise climática, precisarão se comprometer também com a ajuda financeira àqueles que pagam o maior preço das consequências do superaquecimento do planeta. E espera-se que eles avancem em direção a um compromisso pelo fim dos combustíveis fósseis, a fim de manter viva a possibilidade do 1,5°C e evitar um futuro ainda mais hostil.

 

Devemos restaurar a natureza e proteger pelo menos 30% do planeta para que ele nos proteja.

A extinção de espécies e a redução ou perda irreversível de ecossistemas e seus serviços, incluindo ecossistemas de água doce, terrestres e oceânicos, estão entre as consequências irreversíveis causadas pela crise climática.

O IPCC destaca que para tanto para mitigar as emissões que intensificam a crise climática como para que a gente se adapte à nova realidade, é fundamental que nossas florestas, mares e oceanos sejam protegidos e permaneçam saudáveis. E mais, destaca que a manutenção da resiliência da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos depende da conservação efetiva de aproximadamente 30% a 50% das áreas terrestres, de água doce e oceânicas do planeta, incluindo ecossistemas atualmente quase naturais.

 

Esta é a década crítica para garantir um futuro habitável, sustentável e justo. É necessário que a mudança seja sistêmica e inclusiva.

Os impactos e riscos das mudanças climáticas estão se tornando cada vez mais complexos e mais difíceis de gerenciar, pois diferentes perigos ocorrem simultaneamente e interagem com múltiplos riscos criados por modelos de desenvolvimento insustentáveis e injustiça social.

 

IPCC, o Brasil e a América Latina

 

Os principais riscos que já trazem a assinatura da crise climática para o Brasil e a América Latina incluem segurança hídrica, saúde devido a epidemias crescentes, degradação dos ecossistemas dos recifes de coral, risco para a segurança alimentar devido a secas frequentes ou extremas, e danos à vida e infraestrutura em consequência de inundações, deslizamentos de terra, elevação do nível do mar, tempestades e erosão costeira.

Os eventos de chuvas fortes, que resultam em inundações, deslizamentos de terra e secas, devem se intensificar bastante em magnitude e frequência, apresentando riscos à vida e à infraestrutura. Estima-se que o aquecimento de apenas 1,5°C resulte em um aumento de 100 a 200% no número de populações afetadas por inundações na Colômbia, Brasil e Argentina, 300% no Equador e 400% no Peru.

Petrópolis, no Rio de Janeiro, torna-se exemplo das graves consequências das alterações climáticas unidas ao descaso de governantes em incorporarem políticas públicas para evitar mortes anunciadas.

Para a Amazônia, o risco de uma transição gradual de floresta tropical para savana (savanização) começa a aumentar em um nível entre 1,5°C e 3°C com um valor médio em 2°C.

A colonização, o sistema patriarcal, a escravidão e os preconceitos de classe, raça, gênero, status migratórios e a homofobia, entre outros, foram construídos há centenas de anos para sustentar um modelo econômico e social predatório que gera um desequilíbrio não apenas social, mas também climático, e agora, mais do que nunca, cientificamente comprovado.

Mesmo assim, a mudança tarda a acontecer. As empresas optam por compensações de carbono em vez de uma verdadeira redução das emissões da indústria ou o investimento em energias renováveis e o abandono da energia fóssil.

As perdas de biodiversidade seguem a ostentar números escandalosos. Na Amazônia brasileira, o desmatamento, principal fator de emissões do país, continua descontrolado. Dados recentes do sistema DETER, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam que, entre os dias 1 e 31 de janeiro, foram desmatados um total de 430 km², a maior área com alertas para o mês desde 2016, quando foram iniciadas as medições.

Dados que escancaram uma realidade atravessada por um governo que autoriza e incentiva a grilagem com apropriação indevida de terras públicas, a invasão de terras indígenas e de unidades de conservação – aprendizados coloniais que seguem sendo reproduzidos pelo atual sistema.

Enquanto têm seus modos de vida ameaçados, os povos originários e comunidades tradicionais, os maiores guardiões de nossas florestas, deveriam ter seus direitos reconhecidos e territórios demarcados. A adaptação baseada em seus conhecimentos é fundamental para reduzir os riscos da crise climática, acabar com a destruição das florestas e garantir uma adaptação eficaz.

Quando os responsáveis vão pagar pelos estragos? O Greenpeace pede à população que pressione os governadores a decretarem emergência climática com investimentos para adaptar a realidade à crise que já nos atinge, e que, segundo os cientistas, terá piores consequências cada vez mais rápido. O momento é de repensar as políticas que nos trouxeram até aqui. O Brasil e o mundo precisam, mais do que nunca, de mudanças. Ainda é possível!

 

 

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