18 Janeiro 2022
Da Civiltà Cattolica chega uma inesperada abertura ao projeto de lei sobre suicídio assistido e um convite aos parlamentares para "não arquivar" a lei, inclusive para evitar o pior, que seria representado pelo referendo a favor da eutanásia, promovido pela associação Luca Coscioni.
A reportagem é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 16-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um sinal verde que, ainda que condicional, enfurece os setores conservadores do mundo católico, tanto parlamentares como extraparlamentares, e deixa os partidários do referendo desconfiados ("começaram as grandes manobras antirreferendo", comenta Riccardo Magi, radical do Più Europa). E uma opinião pesada, que muitos deputados católicos levarão em conta, que pode afetar a votação em fevereiro, quando a Câmara será chamada para se pronunciar sobre a lei: a Civiltà Cattolica não é apenas a respeitada revista jesuíta dirigida pelo padre Spadaro, muito próximo ao Papa Francisco, mas uma espécie de órgão não oficial da Santa Sé - os rascunhos são lidos e corrigidos na Secretaria de Estado antes da publicação -, que, portanto, autorizou o artigo.
Que seja claro: a doutrina da Igreja Católica sobre o fim da vida não mudou, como confirmado em setembro de 2020 pela carta Samaritanus bonus, assinada pela Congregação para a Doutrina da Fé e aprovada pelo Papa Francisco (eutanásia e suicídio assistido são "crimes contra a vida humana"). A lei em discussão "diverge das posições sobre a ilegalidade da assistência ao suicídio" definidas pelo magistério, explica Carlo Casalone, jesuíta e médico, autor do artigo publicado na revista Civiltà Cattolica publicada ontem. No entanto, constitui a mediação de uma “lei imperfeita”, no que diz respeito à eventualidade de liberalização da eutanásia por meio do referendo, o que, ao contrário, provocaria um “dano mais grave”, um verdadeiro “vulnus no ordenamento jurídico em relação a um bem fundamental, como é a vida".
Após a sentença do Tribunal Constitucional que absolveu Marco Cappato das acusações de ter ajudado Fabiano Antoniani (DJ Fabo) a cometer suicídio, havia se tornado necessária uma legislação abrangente sobre o fim da vida. Tanto mais que o próprio Tribunal havia solicitado expressamente o Parlamento a preencher o vazio legislativo. Daí o projeto de lei sobre a "morte voluntária medicamente assistida", que Casalone considera substancialmente de acordo com as indicações da Consulta. "O texto - escreve o jesuíta - reconhece não o direito ao suicídio, mas a faculdade de pedir ajuda para realizá-lo sob determinadas condições": ou seja, que existe uma "condição clínica irreversível", associada à "dor e sofrimento intoleráveis " e unida à prática de "tratamentos de saúde de sustentação da vida, dos quais o paciente depende".
No entanto, segundo o La Civiltà Cattolica, algumas partes do projeto deveriam ser alteradas, para não desviar para aquela "ladeira escorregadia" que tende a alargar as malhas da norma. Por exemplo, no que diz respeito à interrupção de tratamentos vitais, Casalone sugere acrescentar “que a sua suspensão levaria à morte direta e rapidamente”. E introduzir a opção de "objeção de consciência" para os profissionais de saúde envolvidos em "procedimentos e atividades especificamente voltados ao suicídio", já que o próprio projeto prevê que a morte não seja "privatizada", mas possa acontecer até mesmo em um hospital público.
Assim, em vez de "arquivar" a lei, "com o risco de favorecer a liberalização do homicídio do anuente por referendo", é melhor "torná-la menos problemática modificando os termos mais prejudiciais" e depois aprová-la (mesmo que, Casalone está ciente disso, tecnicamente não impediria o referendo, que intervém na modificação de outro artigo do Código Penal).
Para os parlamentares católicos que votarem no sim, a absolvição já está pronta: “apoiar esta lei – defende o jesuíta – não corresponde a fazer o mal regulamentado pela norma jurídica, mas infelizmente a deixar aos cidadãos a possibilidade de fazê-lo”. Aquela da Civiltà Cattolica é uma "provocação", troveja Paola Binetti, senadora da UDC e membro da Opus Dei: o artigo considera a lei em discussão na Câmara "um mal menor do que a hipótese do referendo", mas "o magistério da Igreja e o Papa Francisco reiteraram várias vezes nos últimos tempos um inequívoco não diante da morte antecipada por intervenção direta de alguém". Massimo Gandolfini, presidente do Family Day se manifesta no mesmo sentido: trata-se de uma "rendição inaceitável" sobre um "tema não negociável como o da vida", "não está claro para mim porque para parar um mal fazemos outro. Não aceito esta ideia”.
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Fim da vida, trincas no muro do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU