30 Setembro 2020
Em meio ao desinteresse geral dos meios de comunicação dominantes – para o que o “direito” a decidir como e quando morrer e fazer morrer se considera algo inviolável –, o papa Francisco voltou a se pronunciar de forma definitiva com um “não” radical da Igreja Católica à eutanásia.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Settimo Cielo, 28-09-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Voltou a afirmar por meio da carta “Samaritanus bonus”, assinada pelo cardeal Luis Ladaria, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, aprovada em 25 de junho deste ano e divulgada no último dia 22 de setembro.
Apresentando a carta, Ladaria a motivou “em relação à situação atual, caracterizada por um contexto civil internacional cada vez mais permissivo”.
Porém, na carta também se diz que sua publicação se julgou necessária “para excluir novamente toda ambiguidade sobre o ensinamento do magistério sobre a eutanásia e o suicídio assistido”.
Assim, a “Samaritanus bonus” é também o último dos “não” que o papa Francisco está dirigindo há algum tempo contra os ruídos dos setores progressistas da Igreja, que apostavam muitíssimo no apoio papal e que agora não escondem sua desilusão.
Esta é a sequência dos “alto lá” que Jorge Mario Bergoglio ordenou nos últimos dois anos, ainda que nem todos coroados com êxito:
1. A carta de 25 de maio de 2018 aos bispos da Alemanha contra a “intercomunhão” eucarística entre católicos e protestantes, escrita pelo cardeal Ladaria e assinada também pelo Papa;
2. A carta de 18 de setembro de 2020, também contra a intercomunhão e com uma nota doutrinal de acompanhamento, que o cardeal Ladaria voltou a escrever aos bispos alemães, evidentemente não disciplinados pelo aviso prévio; pelo contrário, mais que nunca decididos a ir em frente baseando-se em um documento acordado com os protestantes, de setembro de 2019;
3. O silêncio que o Papa impôs ao sínodo de outubro de 2018 sobre a “mudança de paradigma” no juízo sobre casais homossexuais, silêncio observado tanto na discussão presencial, quanto no documento final, e na exortação pós-sinodal “Christus vivit”;
4. As severas cartas de advertência enviadas à Igreja da Alemanha pelo Papa ou, em seu nome, pelo cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, para retroceder o passo a decisões com sabor cismático em apoio a sacerdotes casados, sacerdócio feminino e nova moral sexual, ainda na agenda de um sínodo nacional que começou em 1 de dezembro de 2019;
5. O total silêncio do papa Francisco, na exortação pontifícia conclusiva do Sínodo sobre a Amazônia, publicada em 12 de fevereiro de 2020, sobre a admissão ao sacerdócio dos ‘viri probati’ com mulher e filhos, que o sínodo aprovou por maioria.
Francisco quis justificar este último silêncio em uma nota publicada por La Civiltà Cattolica, em 05 de setembro, atribuindo-lhe o “mau Espírito” da discussão na sala sinodal, dividida “em posições dialéticas e antagonistas” como em um parlamento profano e, em sua opinião, carente de “discernimento”.
Nessa mesma nota, o papa Francisco também escreveu: “Quero pensar que, em um certo sentido, o sínodo não terminou”.
E, de fato, na Amazônia e em outras partes, os partidários dos padres casados não acreditavam que a questão estivesse fechada, graças também aos sinais de aprovação de sua tese que o próprio papa Francisco deu em várias ocasiões, antes do sínodo.
Esta última é uma consideração que se refere também a outros “alto lá” que acabamos de recordar, que também foram precedidos por palavras e gestos do Papa que animarão os partidários da mudança.
Basta voltar, por exemplo, ao vídeo da inesquecível resposta que Francisco deu à mulher luterana que lhe perguntava se poderia fazer a comunhão na missa junto com o marido católico:
“Sí, no, non so, fate voi”....
Ou, sobre a homossexualidade: “quem sou eu para julgar?”, que se tornou em uma marca universal do pontificado de Francisco.
Bem, também a carta “Samaritanus bonus” - o próprio admitiu - foi precedida por pronunciamentos pouco claros de expoentes da Igreja em matéria de eutanásia. E é também por isso que “a Igreja considera que deve reafirmar como ensinamento definitivo que a eutanásia é um crime contra a vida humana”.
O próprio Francisco sofreu as consequências dessas ambiguidades de linguagem anteriores. No julgamento da Suprema Corte de Londres de 10 de fevereiro de 2018, que decretou a morte do pequeno Alfie Evans, o juiz Anthony Hayden citou e forçou como justificativa da sentença apenas um ponto da mensagem que o papa havia enviado em 17 de novembro de 2017 a dom Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida.
O ponto era o que Francisco falava da “tentação cada vez mais insidiosa [...] de insistir em tratamentos que produzam efeitos poderosos no corpo, mas às vezes não ajudam o bem integral da pessoa”; e definiu “moralmente lícito” a dispensa ou suspensão da aplicação dos meios terapêuticos “quando seu uso não corresponder àquele critério de ética e humanidade” que será denominado daqui em diante proporcionalidade da cura”.
Além da inexatidão instrumental da citação, deve-se ter em mente que esta mensagem papal já havia sido alvo de críticas assim que apareceu, devido a algumas de suas formulações pouco claras.
Mas o verdadeiro campeão da ambiguidade do fim da vida foi, em várias ocasiões, o destinatário da mensagem, dom Paglia.
No mesmo assunto, centrado no destino do pequeno Alfie Evans, Paglia deu ao Supremo Tribunal de Londres o direito absoluto, em entrevista a “Tempi” em 8 de março de 2018. E, como ele, também os bispos da Inglaterra e Gales, começando com o cardeal Vincent Nichols, aprovou a sentença de Londres.
Na coletiva de imprensa de apresentação do “Samaritanus bonus”, no dia 22 de setembro, o cardeal Ladaria respondeu a esta pergunta de Settimo Cielo:
Onde a carta afirma sobre o “dever” da Igreja “de excluir mais uma vez toda ambiguidade na relação com o Magistério sobre a eutanásia e o suicídio assistido”, “ambiguidades” refere-se a pronunciamentos de vários tipos, vindo de alguns escritórios ou de algum responsável vaticano como dom Paglia?
Luis Ladaria - [Risos] Eu voltaria ao que também foi dito no Concílio Vaticano II na constituição Lumen gentium sobre a Igreja, e depois a diferentes explicações que foram dadas pela Congregação para a Doutrina da Fé. O Concílio disse que há elementos (que há de levar em consideração): a frequência de uma declaração, o tom desta declaração, a índole do documento. Um Concílio e uma declaração a um jornalista não são as mesmas coisas. Isto precisa estar muito claro. Não é a mesma coisa uma encíclica, um discurso que o Papa faz, ou se agora eu digo algo para vocês [...] Também pode ocorrer que em alguns momentos, em certos tipos de declarações, que não são infalíveis, o católico se veja em dificuldade. Nestes casos, também os documentos da Igreja preveem que se possa fazer um momento de silêncio, sem fazer uma oposição pública, porém isto não quer dizer que quando bispo abre a boca esteja falando de maneira infalível, ou compromete o magistério da Igreja. Não. A Igreja tem elementos de discernimento, de juízo, porque o magistério é sumamente articulado e se exerce em muitos níveis.
É difícil prever qual será o efeito, dentro da Igreja, deste “alto lá” do Papa Francisco a declarações ambíguas sobre o fim da vida de expoentes eclesiásticos próximos a ele.
Fora da Igreja, já se sabe. Prevalecerá a indiferença ou, em todo o caso, uma simples nota de uma oposição da hierarquia católica aos cânones dominantes.
A verdade é que durante muito tempo não se ouviam palavras tão claras e inequívocas num pronunciamento do magistério da Igreja Católica sobre um assunto tão delicado e divisivo.
Esta foi uma pequena antologia extraída de uma carta que merece ser lida na íntegra e de grande importância bíblica e teológica, como, por exemplo, no segundo capítulo sobre “A experiência viva de Cristo sofredor e o anúncio da esperança”.
A íntegra da carta Samaritanus bonus está disponível neste link.
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Todos os “nãos” do papa Francisco aos progressistas. O último, fortíssimo, é sobre o fim da vida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU