10 Janeiro 2022
Uma nova geração chega ao La Moneda com Boric, o deputado que, ao tomar posse em 2014, propôs – “com a memória e o exemplo” de Salvador Allende – “ser uma contribuição para um Chile mais igualitário, justo e equitativo. Feliz”, escreve Fernando Fuentes, jornalista, graduado em Comunicação Social pela Universidade do Chile, editor de Internacional do La Tercera, em artigo publicado por Congresso em Foco, 07-01-2022.
Foto: Reprodução | Facebook
Desde sua esmagadora vitória no segundo turno das eleições em 19 de dezembro, onde venceu com quase 56% dos votos o seu rival de extrema-direita José Manuel Kast (44%), o candidato da coalizão esquerdista Aprovo Dignidade, Gabriel Boric, revoluciona o Chile, após se tornar o presidente eleito com a maior votação da história do país. E tem feito isso além da cena política.
As conversas fora do protocolo que ele tem com as crianças e as selfies que tira com seus apoiadores se tornaram habituais. O mesmo que os comentários nas redes sociais sobre seus gostos musicais, que incluem a banda de metal progressivo Tool e a cantora norte-americana Taylor Swift. Ele até chegou às manchetes na Coreia do Sul depois de posar com um cartão de fotos do grupo K-Pop Twice.
Um vídeo recente que mostra o jovem esquerdista de 35 anos passeando por uma galeria de compras no setor leste de Santiago como cidadão comum se tornou viral. É uma fama da qual nem mesmo seu cão de estimação, Brownie, agora rebatizado como o “primeiro cachorro da República do Chile”, pode escapar: o cachorro tem quase 360 mil seguidores no Instagram. Em sua cidade natal, ao sul de Punta Arenas, os moradores propõem declarar Boric como um “filho favorito”.
Mas o presidente eleito do Chile, o mesmo que se tornou deputado após liderar em 2011 o movimento estudantil que abalou o país e o governo do conservador Sebastián Piñera, está cauteloso com o fenômeno em que se transformou. Depois de uma semana repleta de parabéns e de elogios pela vitória nas urnas, Boric pediu ao público que não o romantizasse, pois tanto ele quanto sua equipe são capazes de cometer erros no caminho assim que chegarem ao Palácio de La Moneda, onde fica o gabinete presidencial.
“Agora, quero ter muito cuidado também: sinto que há um vento de cauda muito positivo e uma recepção muito boa por parte do povo, mas devemos ter muito cuidado para não idealizar ninguém, começando por mim”, disse Boric. Ao assumir o poder em 11 de março, para substituir Piñera, ele terá 36 anos recém-completados, tornando-se o presidente mais jovem nos mais de 200 anos de história do país.
Depois das eleições presidenciais, as principais pesquisas apontam para Boric números bons e significativos. As pesquisas revelam que 63% dos consultados têm uma imagem positiva ou muito positiva do presidente eleito, o que até o momento é sua melhor avaliação histórica. Além disso, 55% dos entrevistados afirmam que ele se sairá bem ou muito bem.
A definição do seu primeiro gabinete é o sinal que todos esperam para que seu governo comece bem. A presidência da Revolução Democrática, um dos partidos que fazem parte da frente ampla de Boric, estima que o anúncio dos nomes dos ministros se dará por volta do dia 20 de janeiro.
Em meio à expectativa de quem será a pessoa que assumirá a liderança do Ministério da Fazenda, a ex-gerente de campanha e atual integrante da equipe política do presidente eleito, Dra. Izkia Siches (35 anos), pediu tranquilidade para “os setores econômicos”. “Eles podem respirar com tranquilidade, porque será um governo de grande responsabilidade em matéria fiscal e uma visão de progresso para o país”, disse.
Ciente de que a coalizão com a qual chega ao La Moneda não tem maioria no Congresso, Boric terá que se comprometer a cumprir parte de seu programa de governo, fazendo necessárias negociações com os partidos de centro-esquerda, os ex-integrantes da Concertación. Nesse sentido, o senador da Revolução Democrática Juan Ignacio Latorre, 43 anos, reconhece: “Um dos modelos que olhamos e que discutimos na frente ampla é o de Portugal. Precisamos de um acordo no Parlamento como o ocorrido em Portugal para que as forças políticas e sociais apoiem o governo.”
O papel que o Partido Comunista terá no próximo governo desperta temor em alguns setores políticos e na sociedade. Mas o próprio Boric pediu para não instalar “fantasmas” em torno da comunidade, que ele define como mais um partido dentro da coalizão. As deputadas comunistas Karol Cariola (34 anos) e Camila Vallejo (33) foram figuras-chave na campanha do candidato da coligação Aprovo Dignidade.
Rotulado de “comunista” por seus críticos, o presidente eleito, mesmo assim, aponta a Europa social-democrata como inspiração para o “Estado de bem-estar” que defende. “Boric é o que na Europa se chama de socialdemocrata”, argumenta Stephany Griffith-Jones, doutora em Economia pela Universidade de Cambridge e integrante da equipe consultiva do futuro inquilino do La Moneda. “Acredito na socialdemocracia e na colaboração público-privada”, reforça Boric.
Das prioridades legislativas do governo Boric, a elevação do salário mínimo e a reforma tributária são as tarefas mais urgentes, segundo disse em entrevista Giorgio Jackson (34), um dos homens mais próximos do presidente eleito. De qualquer forma, o deputado da Revolução Democrática destacou que “nenhuma das transformações tem o prazo de quatro anos” do mandato presidencial.
Em termos de política internacional, por sua vez, o programa presidencial de Boric indica que um dos eixos principais de seu governo será “recuperar a vocação multilateralista para promover agendas de futuro, com um perfil latino-americanista, de respeito aos direitos humanos, ao Direito Internacional, à cooperação, aos tratados internacionais e à sustentabilidade”.
“Em primeiro lugar, vamos recuperar o prestígio internacional do nosso país”, disse o senador Latorre, que chefia a equipe de relações exteriores do presidente eleito.
Na noite de sua vitória nas urnas, Boric recebeu saudações da maioria dos presidentes da América do Sul, desde Pedro Castillo no Peru, passando por Alberto Fernández da Argentina até Guillermo Lasso, no Equador. A exceção foi o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que apenas quatro dias após a vitória do candidato do Aprovo Dignidade enviou uma saudação formal ao líder eleito.
Mas junto com a saudação, Bolsonaro, em tom displicente, também comentou o resultado das eleições no Chile, lembrando que “praticamente metade da população se absteve e com a outra metade que foi votar, deram 55% para esse bórico e 45% para o [José Antonio] Kast ”. Sobre essas falas, Boris disse: “Não vou fazer declarações bizarras, acho que na política de Estado e nas relações exteriores é preciso ter um pouco mais de cuidado. É claro que somos muito diferentes”.
Assim, ao mesmo tempo que o presidente eleito do Chile começa a conhecer o cenário no qual começará a se mover a partir de março, também reconhece o difícil desafio e o legado que herda. “Temos que fazer muitas transformações, algumas muito profundas, mas temos que cuidar do que avançamos”, admite. “Boas coisas estão chegando para o Chile. Mas, para que essas coisas boas aconteçam, tudo depende da nossa atuação com unidade e boa fé, para que mantenhamos as diferenças em termos de respeito e política e nunca de agressão ou violência”, propõe Boric, que em março receberá a faixa presidencial aos 36 anos, de um Piñera com mais de 72 anos.
Sem dúvida, uma nova geração chega ao La Moneda com Boric, o deputado que, ao tomar posse em 2014, propôs – “com a memória e o exemplo” de Salvador Allende – “ser uma contribuição para um Chile mais igualitário, justo e equitativo. Feliz”.
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