03 Janeiro 2022
Morreu na Cidade do Cabo, aos 90 anos de idade, o arcebispo anglicano sul-africano Desmond Tutu, ícone da luta não violenta contra o apartheid, prêmio Nobel da Paz em 1984 e protagonista da reconciliação nacional.
A reportagem é da revista Africa, 26-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Tutu estava doente há meses e não falava mais em público, mas ainda cumprimentava os jornalistas e sorria para as câmeras, em cadeira de rodas, quando ia ao hospital para se vacinar.
“Um homem de extraordinário intelecto, integridade e invencibilidade contra as forças do apartheid”, recordou o presidente do país, Cyril Ramaphosa, “ele também foi terno e vulnerável na compaixão por quem havia sofrido a injustiça e a violência sob a segregação e pelos oprimidos e os marginalizados de todo o mundo.” Amigo do herói sul-africano Nelson Mandela, Tutu se opôs ao apartheid lutando ao seu lado.
Nos anos seguintes, ele se comprometeu com a reconciliação do país: foi ele quem idealizou e presidiu a Comissão da Verdade e da Reconciliação (TRC, na sigla em inglês), o tribunal com 17 jurados instituído em 1995. A investigação sobre as atrocidades do regime segregacionista foi encerrada três anos depois e marcou um doloroso e dramático processo de pacificação entre as duas partes da sociedade sul-africana. A quem confessou seus próprios crimes, oferecendo uma espécie de reparação moral aos familiares das vítimas, foi concedido o perdão.
A anistia foi concedida a 849 pessoas e negada a 5.392. Em uma das muitas audiências seguidas pela TV por muitos sul-africanos, ele foi às lágrimas ao ouvir o testemunho de um ex-preso político sobre as violências sofrida pela polícia, que o havia pendurado pelos pés com um saco sobre a cabeça.
Algumas posições do arcebispo foram contestadas pelos seus superiores, como por exemplo a da defesa dos homossexuais (“Eu não poderia venerar um Deus homofóbico”, disse ele), a do direito ao aborto ou a mais recente ao direito ao suicídio assistido. A China também o criticou por defender o Dalai Lama: “Quando Tutu fala, o mundo ouve, e as pessoas falam sobre isso”, observou há alguns anos Sean Davison, da ONG Dignity SA, comprometida com o direito ao suicídio assistido.
Tutu sempre foi considerado um homem de fé, mas também de palavras, capaz de veicular os seus valores e as suas indignações. “Sejam gentis com os brancos, eles precisam de vocês para redescobrirem a sua própria humanidade”, disse ele em outubro de 1984, no pior momento do apartheid. Poucos meses depois, em um discurso que pedia sanções contra o seu país, ele afirmou: “Pelo amor de Deus, os brancos vão nos ouvir? Eles vão ouvir o que tentamos dizer a eles? A única coisa que pedimos é que eles reconheçam também a nós como seres humanos, porque, quando eles nos ferem, nós sangramos e, quando nos fazem cócegas, nós rimos”.
Para Ramaphosa, a morte de Tutu é “mais um capítulo do adeus da nossa nação a uma geração de sul-africanos excepcionais que nos legou uma África do Sul libertada”. O prelado, continua o chefe de Estado sul-africano, foi “um líder espiritual icônico, um ativista antiapartheid e um paladino dos direitos humanos em nível global”, um “homem de extraordinário intelecto, integridade e invencibilidade contra as forças do apartheid, terno e vulnerável na compaixão por quem sofreu a opressão, a injustiça e a violência sob a segregação e pelos oprimidos e marginalizados de todo o mundo”.
A seleção sul-africana de críquete entrou em campo com uma faixa preta no braço na primeira partida do Test contra a Índia, disputada no SuperSport Park, em Centurion. As duas equipes também observaram um minuto de silêncio.
A “força da herança de paz” de Desmond Tutu foi sublinhada pela Comunidade de Santo Egídio, que em um comunicado lembrou com afeto o arcebispo falecido na Cidade do Cabo. “Conhecido em todo o mundo pelo seu compromisso não violento contra o apartheid e pelo seu testemunho de incessante compromisso com a paz, a reconciliação e a justiça na África”, diz a nota, “Tutu foi por longos anos um amigo da Comunidade, com a qual compartilhou momentos de oração e batalhas pela paz e pelo futuro da África em muitas ocasiões.”
“No dia 26 de maio de 1988, ele havia inaugurado a ‘Tenda de Abraão’, a primeira casa da Comunidade dedicada aos refugiados”, ressalta o comunicado da Santo Egídio, “uma etapa de um longo vínculo de amizade, feito de um compromisso comum pela paz, pela saúde, pelos direitos humanos, pela luta contra a pena de morte.”
“‘No Natal, quando os vê com os pobres na hora do almoço, na Basílica de Santa Maria in Trastevere, Deus sorri’”, disse o arcebispo Tutu durante a sua visita a Roma. É doce recordar essas suas palavras, precisamente enquanto a Comunidade acolhe tantos pobres de todas as partes do mundo, conscientes da força da herança de paz que ele nos deixa.”
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Adeus a Desmond Tutu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU