20 Dezembro 2021
"Aqui estão, pois, as numerosas estrelas simbólicas que brilham nas palavras do Papa e que levam o nome de esperança, paz, justiça, alegria. Gostaríamos de compor na unidade uma pequena, mas luminosa constelação adicional composta de uma tríade de astros", escreve o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por La Stampa, 19-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Parte do prefácio do Cardeal Ravasi ao livro "Una grande gioia" do Papa Francisco.
Una grande gioia. Oggi è nato per noi il Salvatore
“Ele não apareceu como adulto, mas como criança; ele não veio ao mundo sozinho, mas de uma mulher, depois de nove meses no ventre de sua Mãe, da qual permitiu que sua humanidade fosse tecida. O coração do Senhor começou a palpitar em Maria, o Deus da vida recebeu oxigênio dela”. Esse fragmento de uma homilia do Papa Francisco é quase o sinal simbólico das páginas que virão depois. Assemelham-se a um arco-íris temático pontuado por uma gama de cores diferentes que se compõem no esplendor da luz de Natal.
Tudo floresce dentro de uma modesta casa em Nazaré, um vilarejo ignorado pelas Sagradas Escrituras de Israel. Um arqueólogo franciscano, Bellarmino Bagatti, havia identificado, na parede de um espaço usado desde as origens cristãs como local de culto, um grafite com a inscrição grega "Xe Mapia": era a saudação do anjo Gabriel, mensageiro divino, à Virgem, citado pelo Evangelho de Lucas (1,2-8), "cháire María", "alegra-te, Maria". Talvez um dos primeiros cristãos de Nazaré, naquela residência da futura mãe de Jesus, tenha assim dado testemunho da sua fé. Ora, é precisamente da noiva de José que floresce a história que está na base de todas essas meditações do Papa Francisco.
De fato, como ele afirma, “o novo início da história universal do homem e da mulher acontece no seio de uma família, dentro das paredes hospitaleiras da Casa de Nazaré ... Jesus nasceu numa família.
Ele poderia ter vindo espetacularmente, ou como um guerreiro, um imperador... Não, não: ele vem como um filho de família, de uma família”. E é quase ao se colocar dentro de um espaço doméstico, contemplando o sinal da árvore de Natal com suas luzes, que o Pontífice convida os cristãos a irem além da tradicional coreografia de luzes, presentes, bons sentimentos - realidades dignas, mas secundárias - libertando o evento natalino do consumismo que o "sequestrou", numa sociedade "embriagada pelo consumo e pelo prazer, pela abundância e pelo luxo, pela aparência e pelo narcisismo".
Somos, portanto, convidados a seguir o enredo dos 180 versículos que compõem os quatro capítulos - dois para Mateus e dois para Lucas - dos chamados “Evangelhos da infância de Jesus”. Sua narrativa é, na verdade, marcada por sofrimento e até sangue. A pobreza do nascimento de Jesus em Belém inscreve-o imediatamente entre os descartados e marginalizados, a fim de garantir que "todo descarte seja filho de Deus". E o Papa envolve sobretudo as crianças, “sobretudo aquelas para quem, como para Jesus, não há lugar no alojamento” (Lc 2,7). Logo depois enfurece a espada de Herodes com o massacre dos pequeninos inocentes de Belém: é curioso que aquelas poucas vítimas tenham se tornado 14.000 na liturgia bizantina, sem falar na tradição siríaca que os levou a 64.000 e depois a 144 mil, na esteira do número simbólico dos eleitos do Apocalipse (14,1-5). Na realidade, esses números desproporcionais contêm uma verdade concreta, porque nos pequenos belemitas está encarnada a série incessante de vítimas inocentes esmagadas pelas guerras, pela violência, pela miséria.
Finalmente, o Jesus recém-nascido com seus pais se alinha na fila interminável de refugiados de todas as épocas que devem partir ao longo de desertos áridos ou mares tempestuosos em direção à meta de uma esperança, muitas vezes não alcançada. A narração dos Evangelhos apócrifos quis abandonar a narrativa mesquinha, árida e amarga dos textos canônicos, agregando cenografias grandiosas, eventos prodigiosos, aventuras com final feliz. Os Evangelhos de Mateus e Lucas, por outro lado, já intuem naquele Menino pobre e refugiado a sua posterior vida terrena marcada pela simplicidade sem conforto e a proximidade com os últimos, até o final trágico do monte Gólgota com a crucificação, o suplício romano reservado aos escravos e rebeldes. É precisamente por esse caminho, por onde se encaminham tantos homens, mulheres e crianças, que Cristo, o Filho de Deus, se torna verdadeiramente irmão do gênero humano. Mesmo que seja de um apócrifo gnóstico do século III, o Evangelho de Filipe, esta confissão colocada livremente na boca de Jesus é sugestiva: “Tornei-me muito pequeno para que, através de minha pequenez, pudesse vos levar ao alto de onde caíste. Carregar-vos-ei nos meus ombros”.
No entanto, o Papa Francisco continua, "a dor e o mal não são a última palavra". Jesus nasceu na história da humanidade para ser "uma pequena chama acesa na escuridão e no frio da noite".
O arco-íris temático, que mencionamos acima, não tem apenas tons gelados, sombrios, escuros, arroxeados, mas também revela cores flamejantes, vivas, brilhantes e quentes. Como se ouvirá na homilia papal do Natal, “neste Menino Deus nos convida a assumir a esperança. Ele nos convida a sermos sentinelas de tantos que sucumbiram ao peso da desolação que surge por encontrar tantas portas fechadas. Neste Menino, Deus nos torna protagonistas da sua hospitalidade”.
Aqui estão, pois, as numerosas estrelas simbólicas que brilham nas palavras do Papa e que levam o nome de esperança, paz, justiça, alegria. Gostaríamos de compor na unidade uma pequena, mas luminosa constelação adicional composta de uma tríade de astros. O primeiro a brilhar no Natal, tornando-se semelhante à estrela dos Reis Magos, leva o nome da graça: é o rosto de Deus que sorri para a humanidade, são os seus braços que se estendem, as suas mãos que seguram os que estão para afundar na lama do mal, do pecado, da dor. A graça divina é a salvação da antiga escravidão da culpa; é uma brecha no frio de corações endurecidos pela indiferença; é a irrupção libertadora nos dramas insolúveis da história; é a beleza de ser amados pelo Criador.
Nesta linha, torna-se significativa a segunda estrela, aquela da ternura, palavra cara ao Papa Francisco: nos textos que se seguem, ele a usará cerca de quinze vezes, acompanhando-a com um cortejo de virtudes irmãs como a misericórdia, a compaixão, a piedade, a empatia, a bondade amorosa, a delicadeza. Eis, pois, durante outra homilia de Natal, um apelo que brota de uma invocação ao Menino: “Que a tua ternura desperte a nossa sensibilidade e nos faça sentir convidados a reconhecer-te em todos aqueles que chegam nas nossas cidades, nas nossas histórias, nas nossas vidas. Que a tua ternura revolucionária nos convença a nos sentirmos convidados a assumir a esperança e a ternura da nossa gente”.
E se é verdade que na base da palavra "ternura, tenro" existe uma antiga raiz indo-europeia que se refere a uma realidade "distendida, alongada e alargada", de modo a abraçar, é natural concluir a nossa trilogia com uma estrela particularmente cara ao Papa Francisco, a fraternidade, por ele assumida na sua última encíclica Fratelli tutti. É precisamente a expansão universal da mente, do coração e da alma dos cristãos que vai assim atingir a variedade multicolorida de etnias, línguas, culturas, de uma humanidade múltipla que é, porém, filha do único Adão-Homem e saiu das mãos do único Criador.
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Natal, o dia das crianças. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU