Nova reunião da OMC pressiona farmacêuticas a ceder suas patentes

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16 Dezembro 2021

 

Existe forte expectativa em relação a uma suspensão dos direitos de propriedade. Está claro que a doença tem de ser enfrentada globalmente, mas grandes empresas ignoraram a voz da ciência. Para a sul-africana Fatima Hassan, o rompimento com a Saúde empresarial precisa ser drástico. 

 

A reportagem foi publicada por OutraSaúde, 16-12-2021.

 

A reunião de hoje (16/12) em Genebra pode levar a uma substancial mudança nos direitos de propriedade de medicamentos e equipamentos necessários ao combate à pandemia. Significaria poder controlar efetivamente a doença, como estabeleceu a ciência médica. “Nenhum de nós estará seguro até que todos estejam”, esclarece a frase sintética de Ursula von der Leyen, presidente da Commissão Europeia, em reunião decisiva no final de setembro com a direção da OMS (Organização Mundial de Saúde).

A esse pensamento contrapõem-se às imensas dificuldades de lidar com a pandemia nesses dois anos, e os alertas de elas que podem persistir, se nada for feito. Daí a promessa do encontro global em Genebra, patrocinado pela OMC (Organização Mundial do Comércio). “A Big Pharma não poderia mais decidir”, explica a sul-africana Fatima Hassan, da organização Health Justice International, “e isso tornaria vacinas e outros produtos disponíveis em mais lugares”.

 

 

Ela detalha como as grandes farmacêuticas perderiam seu atual controle sobre as vacinas e, afinal, sobre o enfrentamento à pandemia e as chances de recuperação. Em entrevista à publicação Perople’s Dispatch, ela cita casos como a da empresa americana Moderna, que está se recusando a compartilhar know-how da sua vacina de mRNA anticovid. E com a recusa, atrasa o desenvolvimento de uma vacina similar, que está em andamento na África do Sul, diz Fátima.

“Veja a Johnson & Johnson, que já vem arrastando as negociações (na OMC) por um ano. A suspensão eliminaria as barreiras de propriedade intelectual em todo o mundo ao mesmo tempo”. E aí há um ponto central. Não se está falando apenas de direitos em relação a vacinas. O rompimento com a Saúde empresarial precisa ser drástico. “Também estamos falando de diagnósticos e tratamentos”, diz a advogada sul-africana.

“Não precisamos apenas de vacinas. Também precisamos de ventiladores, testes e programas de imunização. [...] E os produtores desses materiais dificultarão sua produção por outras pessoas porque isso prejudica os lucros. A última coisa que precisamos agora é experimentar o apartheid do tratamento depois de experimentar o apartheid da vacina.”

 

 

 

 

Nessas condições é que delegações dos 164 países da OMC reunidas em Genebra, hoje, vão examinar a reformulação do regime do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, na sigla inglesa), em vigor desde 2007. A reformulação – aparentemente ousada, já que o próprio acordo continua letra morta quanto à suspensão de direitos comerciais – foi proposta em outubro de 2020 pela Índia e a África do Sul, com o atual apoio de 60 países de renda média e baixa.

Os países defenderam, especialmente, que a “renúncia de propriedade intelectual (por parte das farmacêuticas oligopolistas) deve continuar em vigor até que a vacinação generalizada esteja em vigor no mundo, e que a maioria da população mundial tenha desenvolvido imunidade". A ideia é mudar o Acordo de maneira significativa, diz o fórum online Just Security, permitindo a transferência substancial de tecnologia para vacinas, terapias e testes diagnósticos.

A nova versão do Trips cobre não apenas patentes, enfatiza o fórum, mas também direitos autorais, desenhos industriais e informações não divulgadas, incluindo know-how e segredos comerciais. E a África do Sul e a Índia ainda modificaram essa proposta em maio passado pedindo a suspensão se estenda por três anos. Sediado na Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, o Just Security, de inclinação política liberal, deu à sua análise um título que diz muito da pressão existente sobre a Big Pharma: “Ômicron: a variante que o apartheid da vacina construiu”.

O fato é que o planeta pagou caro pelo oligopólio sanitário. Pelas contas da Aliança People’s Vaccine, a Pfizer e a Moderna cobraram dos governos U$ 41 bilhões acima do custo de produção de suas vacinas. As nações ricas podem ter pago um preço até 24 vezes acima do custo de produção, diz uma reportagem recente. As grandes empresas podem ter que ceder a uma suspensão de seus ativos comerciais, sugere a reportagem.

O maior obstáculo a uma mudança dessa ordem no sistema internacional é que a OMC opera por consenso, e os interesses envolvidos são muito variados. Mas o impasse é fruto da soma de interesses também diversificados pressionando os oligopólios. Eles agrupam governo dos países ricos, suas sociedades civis e sindicatos – nesse caso simbolizados pelo grande protesto de enfermeiros representando 2,5 milhões de servidores da saúde de 28 países.

No fim de novembro passado, eles encaminharam uma carta à ONU denunciando a recusa da Big Pharma em reformular o Trips, responsabilizando os governos dos países desenvolvidos por não pressionarem suficientemente as empresas, e assim condenar o mundo a um sofrimento inaceitável, face à pandemia. Essa manifestação, conforme a publicação Peoples Dispatch, simboliza o apoio de mais de 200 milhões de trabalhadores do mundo à suspensão dos direitos comerciais.

 

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