11 Dezembro 2021
“As empresas farmacêuticas que se beneficiam economicamente da pandemia estão atrasando a vacinação nos países de rendas médias e baixas. Se medidas urgentes não forem tomadas, poderemos ter que lidar com a covid-19 por mais 40 anos”, escrevem Amy Goodman e Denis Moynihan, em artigo publicado por Democracy Now, 06-12-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
No dia 01º de dezembro comemora-se o Dia Mundial da AIDS. Nesta data, há quarenta anos, foram registrados os sintomas pela primeira vez e desde então mais de 36 milhões de pessoas morreram em todo o mundo devido às doenças relacionadas com a AIDS. A taxa de mortalidade desacelera à medida que a distribuição de tratamento farmacológicos eficazes se expande. Não obstante, a desigualdade que durante muito tempo alimentou a epidemia de AIDS ainda existe e traz consequências funestas, particularmente para os povos do sul da África. A persistência e os impactos enormemente desiguais desta pandemia ainda vigente servem como advertência frente à incipiente circulação da nova variante ômicron do vírus da covid-19 pelo mundo.
Atualmente, pouco se sabe sobre essa variante do SARS-CoV-2 recentemente identificada, principalmente se ela se espalha mais facilmente ou pode causar sintomas mais graves da covid-19. Mas o que se sabe é em grande parte devido à rápida identificação da variante por cientistas em Botswana e na África do Sul. Em conversa com o Democracy Now, Fatima Hassan, fundadora da Health Justice Initiative, elogiou esses cientistas: “Acho que a forma como eles trabalharam deve ser apreciada, sem criar um manto de sigilo em torno desta variante em particular”.
No entanto, em vez de serem reconhecidas, as nações da África Austral estão sendo isoladas. Os Estados Unidos rapidamente implementaram uma proibição de viagens restringindo a entrada de pessoas de oito países da África Austral. Brasil, Canadá, União Europeia, Irã e Reino Unido seguiram o exemplo.
“Uma proibição desigual de viagens foi imposta a muitos países do sul da África”, observou Fatima Hassan. “Na verdade, isso é bastante racista”.
Em resposta às proibições, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa disse: “O surgimento da variante ômicron deve ser um alerta para o mundo parar de permitir o acesso desigual às vacinas. Até que sejamos todos vacinados, todos continuaremos correndo risco. Em vez de proibir viagens, os países ricos do mundo deveriam apoiar as iniciativas dos países em desenvolvimento para obter e fabricar a quantidade necessária de doses para vacinar sem demora sua população”.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, chamou as proibições de viagens como “apartheid de viagens”, o que só serve para exacerbar a crescente divisão global causada pelo apartheid de vacinas. Em artigo de opinião publicado recentemente, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, chamou o acúmulo de doses de vacinas em países ricos, cujas populações são altamente vacinadas e até têm doses de reforço, como uma “demência epidemiológica e moralmente repugnante”.
Seria mais fácil vacinar o mundo do que tentar em vão impedir que as variantes da covid-19 cruzem as fronteiras. A ômicron é um exemplo disso; conforme detalhado pelo jornal The New York Times esta semana, a variante já estava presente na Holanda antes de sua existência na África ser anunciada. Passageiros em aviões da África do Sul trouxeram a variante para a Europa, onde várias restrições de viagem, que se contradizem de país para país, e protocolos de quarentena inadequados levaram as autoridades holandesas a forçarem muitos viajantes potencialmente contaminados pela ômicron a partirem direto para seus destinos, acelerando a disseminação da nova variante.
As empresas farmacêuticas que estão lucrando com a pandemia estão reduzindo a vacinação em países pobres e de renda média. Com patentes de vacinas, empresas como Pfizer, BioNTech e Moderna estão usando direitos de propriedade intelectual para evitar o compartilhamento de suas fórmulas secretas de vacinas.
O professor de jornalismo Steven Thrasher vê um paralelo entre a forma como a Big Pharma está lidando agora com a covid-19 e a maneira como os países do Sul Global, principalmente na África do Sul, foram e continuam a ser afetados pela AIDS.
“Hoje não há razão para que alguém morra de AIDS. É um vírus de movimento lento e, portanto, a partir do momento em que sabemos que alguém foi infectado, podemos fornecer todo o suporte necessário. Temos capacidade científica para isso. Temos os medicamentos para isso. [Se isso não acontecer] é simplesmente uma questão para proteger o capitalismo e os lucros das empresas farmacêuticas”, disse o professor Thrasher em conversa com o Democracy Now! E ele acrescentou: “Agora, novamente, estamos vendo uma dinâmica muito semelhante com a covid-19. Temos as vacinas e temos os medicamentos muito eficazes, e mais uma vez a sua distribuição no Sul Global está sendo restrita para proteger os lucros das empresas farmacêuticas”.
Há mais de um ano, a África do Sul e a Índia propuseram que a Organização Mundial do Comércio emitisse uma isenção temporária ao acordo sobre direitos de propriedade intelectual, conhecido em inglês como TRIPS, a fim de acelerar a vacinação contra a covid-19 em todo o mundo. Em maio passado, o presidente Joe Biden foi aplaudido por apoiar tal isenção. Na semana passada, a Anistia Internacional, junto com membros do Congresso dos Estados Unidos e muitas organizações sindicais, de saúde e da sociedade civil, entregou uma petição à Casa Branca, assinada por mais de três milhões de pessoas, afirmando que “seis meses depois, na ausência de Liderança dos EUA para conseguir um acordo de isenção, a União Europeia, em nome da Alemanha, juntamente com a Suíça e o Reino Unido bloquearam o progresso das negociações”.
O povo está acima do lucro. Esse deve ser o mantra que nos guia agora que estamos entrando no terceiro ano da pandemia de covid-19. Se medidas urgentes não forem tomadas, poderemos ter que lidar com a covid-19, assim como hoje ainda seguimos lutando contra a AIDS, por mais 40 anos.
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Da AIDS à ômicron: o apartheid farmacêutico fere a todos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU