14 Dezembro 2021
O aumento do comércio eletrônico e da entrega em domicílio teve um grande impacto na vida social e econômica. Atualização sobre os custos ocultos desta revolução logística.
A reportagem é de Matthieu Jublin, publicada por Alternatives Économiques, 02-12-2021. A tradução é de André Langer.
Você não acredita mais no Papai Noel? Pois você está errado: ele existe! Ele não usa necessariamente barba branca ou casaco vermelho, e dirige uma van em vez de trenó. Mas o resultado é o mesmo: sem sair do sofá, ele escolta de graça e em tempo recorde os seus presentes. Porque o Papai Noel de 2021 é um entregador. Sem renas mágicas para completar a tempo seus percursos cada vez mais longos, ele percorre incansavelmente as ruas das cidades, assim como seus homólogos de duas rodas, que entregam almoços, jantas e mantimentos de todos os tipos por conta dos aplicativos de delivery.
Este Papai Noel moderno, assim como os trabalhadores de toda a cadeia logística, responde a um novo imperativo: uma entrega gratuita e mais rápida possível. Mas, por trás dessa busca por imediatismo e aparente gratuidade, os bastidores da economia da entrega são menos mágicos. Sofrimento no trabalho, exploração por parte das plataformas, pegada ambiental… Qual é o custo real, social e ecológico, do custo zero, atraso zero?
A entrega em domicílio explodiu em 2020 e várias pesquisas indicam que o crescimento do comércio eletrônico deve continuar. Em nível mundial, o setor já representava 19% do comércio varejista em 2020, contra 16% em 2019, de acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Na China, Coreia do Sul ou Reino Unido, um quarto do comércio agora é feito online. Na França, essa participação aumentou de 9,8% para 13,4% entre 2019 e 2020. Uma decolagem ligada à pandemia da Covid-19, que aumentou as vendas online em 8,5% em valor em um ano, enquanto o resto do comércio diminuiu. As entregas estão se tornando corriqueiras e beneficiando os novos gigantes do setor, a Amazon na liderança: a gigante americana com modelo econômico agressivo representa quase um quarto do mercado francês.
Esta nova situação tem consequências visíveis. Ela amplifica um dos efeitos da globalização, que o sociólogo estadunidense Jake Wilson chamou de “revolução logística”. Ela é definida como “a crescente importância desde o início da década de 1980 das atividades de transporte, distribuição, armazenamento, embalagem, refrigeração etc. de mercadorias”, escreve o sociólogo Razmig Keucheyan em Les besoins artificiels (As necessidades artificiais), livro publicado em 2019. De acordo com o relatório “Por um desenvolvimento sustentável do comércio online” publicado pela France Stratégie em março de 2021, “o desenvolvimento do comércio online e da logística andam de mãos dadas, como ilustra a tendência cruzada do volume de negócios das atividades de correio e armazenamento”.
A Colissimo, serviço de entrega de encomendas da La Poste [similar aos Correios], movimentou 470 milhões de encomendas em 2020, ou seja, 30% a mais do que em 2019. Em maio de 2021, inaugurou o último dos seus cinco novos centros de triagem gigantes, com uma superfície de 24.000 m², em Montereau-sur-le-Jard, em Seine-et-Marne. Perto dali, em Tournan-en-Brie, a Conforama inaugurou em 2019 o maior armazém logístico da França: 177.500 m², ou seja, 25 campos de futebol.
A tendência está se acelerando. “Entre 2015 e 2019, a quantidade de superfícies de armazém construída aumentou de 1,3 milhão de m² em 2015 para 2,4 milhões em 2019”, indica o relatório da France Stratégie, que, no entanto, se esforça para medir o efeito de apenas negócios online. “Um mesmo armazém pode acomodar indiferentemente mercadorias para venda online e lojas físicas”. Os especialistas estimam que 7 a 10 milhões de m² de superfície em 78 milhões são atribuíveis ao comércio online.
Quanto esse florescimento de hangares dedicados ao comércio eletrônico contribui para a artificialização das terras? “O aumento no número de armazéns ligados ao comércio online contribui com menos de 1% do consumo anual de áreas naturais, agrícolas e florestais, mas pode ter um impacto local significativo, especialmente quando armazéns muito grandes estão sendo construídos”, observa o relatório.
Ativistas ambientais lamentam que o governo não regule mais essas construções. A lei do clima, aprovada em julho, por exemplo, proíbe a construção de áreas comerciais de mais de 10.000 m² se elas artificializarem o solo, só que 80% dos empreendimentos são de menor porte; e, em nome da pequena superfície do solo que iriam artificializar, os armazéns de logística não estão preocupados...
Mais abaixo na cadeia logística, os centros urbanos onde cada vez mais as encomendas são distribuídas também estão mudando. “A maior parte do crescimento nas áreas de logística se deve aos armazéns suburbanos, mas a compressão nos prazos de entrega está criando um novo mercado para imóveis logísticos na cidade: agora são necessários mini-armazéns para agilizar a entrega e plataformas para transferir os pacotes de um veículo pesado para um veículo mais leve”, explica Laetitia Dablanc, pesquisadora do Laboratório de Cidade, Mobilidade e Transporte da Universidade Gustave Eiffel.
Agora é a hora das “dark stores” e das “dark kitchens”, aquelas lojas e restaurantes que não têm clientes, destinados apenas a entregar suas mercadorias ao consumidor. Dija, Cajoo, Getir e até Gorillas abrem-nos às dezenas nas grandes cidades, às vezes causando preocupação entre os comerciantes tradicionais. Somente na Paris intramuros, Laetitia Dablanc identificou 200 dark stores.
Em algumas cidades, esse impulso do comércio eletrônico representa um fardo adicional para os pequenos comércios, que já competem com as zonas comerciais. Nos grandes centros urbanos, esta explosão de entregas acarreta sobretudo um aumento do fluxo de veículos, com consequências ecológicas e sociais. Em teoria, a entrega pode ser ecologicamente correta se substituir o carro particular.
Só que o consumidor privilegia cada vez mais a entrega em domicílio – em detrimento dos pontos de entrega – e triplicou por três o número de encomendas mensais em dez anos, segundo o relatório France Stratégie, que inclui os números das federações profissionais. “A entrega direta ao consumidor levaria a um acréscimo líquido de mobilidade na cidade, porque não necessariamente seria acompanhada por uma diminuição equivalente na mobilidade dos indivíduos para suas compras”, indica o documento.
Por outro lado, “à medida que os prazos de entrega encurtam (por exemplo, de dois dias para um dia ou até uma hora), as emissões de CO2 e de partículas finas (NOx) aumentam dramaticamente”. Se os pacotes são mais numerosos, menores, distribuídos com mais frequência e em mais lugares, sua entrega é mais complicada de otimizar. Sem mencionar a explosão na demanda por papel de embalagem, que contribuiu para a quase escassez no mercado de papel cartão em 2021.
Quem fala em multiplicação de fluxos também fala em multiplicação de entregadores. De camionete, ou de bicicleta e scooter como as dezenas de milhares de entregadores Deliveroo ou Uber Eats, eles percorrem as cidades, sob a pressão das plataformas que, disputando entre si, vão diminuindo gradativamente a sua remuneração e exigindo altas velocidades.
“O aumento dos entregadores autônomos está confirmado", observa Laetitia Dablanc. "Apesar de algumas pequenas mudanças regulatórias a seu favor (2), eles permanecem totalmente dependentes das plataformas. Nesse contexto, um número crescente desses empreendedores às vezes aluga sua conta para trabalhadores indocumentados.”
Outros, por conta dos cortes de tarifas impostos pelas plataformas, trocam a bicicleta pela scooter ou pelo carro para fazer mais entregas. Diante desse modelo social e ecologicamente destrutivo, contramodelos se desenvolvem, mais cooperativos.
“Por um lado, a entrega torna-se muito cara, porque o fato de querer entregar as encomendas muito rapidamente à sua porta dificulta a otimização do processo. Por outro lado, o consumidor habituou-se a obter este serviço por quase zero euro. No final, quem paga essa diferença é o próprio entregador”, analisa Sonia Lavadinho, ex-pesquisadora da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, agora consultora em políticas de mobilidade.
Segundo estudos, o último quilômetro de entrega representa de 20% a 50% do custo de toda a cadeia logística. “Ou o comércio eletrônico integra diretamente esse custo ao preço do produto – é isso que a Amazon faz, seguida por seus concorrentes –, ou fica por conta do prestador de serviço, a DHL ou a Amazon, que é cada vez mais seu próprio prestador de serviços”, acrescenta Laetitia Dablanc.
Além dos simples entregadores, o desenvolvimento da entrega gratuita pesa sobre muitos trabalhadores da logística. De fato, alguns pesos-pesados do comércio eletrônico, que operam apenas na Internet e não têm lojas físicas, podem se permitir perder dinheiro com vendas no varejo porque estão integrados em grupos, cujas outras atividades são lucrativas, como a Amazon e sua filial na nuvem, aponta o relatório da France Stratégie.
Ao fazer isso, esses grupos colocam seus concorrentes em dificuldades. “Estes últimos são, portanto, encorajados a reconstruir suas margens, o que pode se traduzir em uma aceleração na automatização de seus depósitos e lojas com efeitos potencialmente significativos sobre o emprego”, continua o relatório. Entretanto, nas “fábricas de encomendas”, a chegada das tecnologias digitais não fez desaparecer o trabalho penoso.
“A entrega levanta uma questão social relevante: como valorizamos nosso tempo e o tempo de outras pessoas que trabalham para nós?”, pergunta a Sonia Lavadinho. Alguns atores preferem tentar tornar visível e cobrar o verdadeiro custo da entrega. “Temos que colocar na balança o baixo custo da entrega uberizada e o seu custo social. Queremos refazer a ligação entre o esforço produzido nesta entrega e o custo pago pelo cliente”, explica Serge Mignonsin, gerente da cooperativa de ciclo-logística Rayon9, sediada em Liège e formada por entregadores assalariados. Resta convencer os clientes seduzidos pelo custo zero, atraso zero.
1. O segundo barômetro trimestral Kantar-Fevad de 2021 estima que “a digitalização dos hábitos de consumo continua fora do período de confinamento”.
2. A lei LOM de dezembro de 2019, por exemplo, obriga as plataformas a comunicar aos entregadores a distância percorrida e o preço mínimo garantido antes de cada corrida, e garante-lhes o direito de recusar um serviço e a livre escolha das suas áreas de atividade sem penalidades.
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