01 Dezembro 2021
"A guerra hibrida na Amazônia não acabou. É reforçada e tende a agravar profundamente as condições de vida na região. As vítimas de ontem e de hoje não foram socorridas e a ameaça permanece em ação latente sob aplausos de autoridades públicas que ignoram o conteúdo da Constituição brasileira", escreve Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista no jornal A Crítica de Manaus, co-fundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
“{...} a Amazônia está entrando no atual cenário de guerra híbrida do Brasil”, diz anotação de roda pé de Piero Leirner no livro “O Brasil no espectro de uma Guerra Híbrida – militares, operações psicológicas e políticas em uma perspectiva etnográfica” (editora Alameda, 2020). Não é a obra de Leirner, recomendada a leitura, o tema deste escrito, é sim a Amazônia nos negócios do poder ora em andamento.
A guerra híbrida não é novidade, reconhece Leirner ao acrescentar vasto material para singularizar a versão contemporânea onde há possibilidade de superposição de estruturas. Também não é novo o elemento Amazônia nesses embates, talvez, a construção do distanciamento social da Amazônia nos cenários de guerra seja o dado preocupante e um dos aspectos para análise e apresentação mais visível de ações ou da escuta das vozes das vítimas que bradam da profunda Amazônia.
O comboio de balsas e da mega parafernália estacionado no rio Madeira por dias seguidos é uma das enunciações desta guerra. No rio, as balsas foram dispostas como cercas fluviais alterando o fluxo na superfície e destruindo o leito sem que ainda possamos saber, com elementos científicos, o quanto foi destruído nessa recente invasão. As mensagens circulantes, supostamente feitas por garimpeiros, ameaçando receber à bala os policiais federais e a demora da inteligência governamental e do próprio o governo não são fatos isolados nessa trama.
Trazem à cena o texto da guerra híbrida na Amazônia nesse momento. Antes da ocupação da região do Madeira nas proximidades de Manaus, dragas sugaram duas crianças yanomami, dias depois são revelados dados das condições em que vive o povo yanomami atingido por doenças, desnutrição e morte. O que aconteceu após tais revelações? A morte de mais uma criança em elevado estado de desnutrição e a invasão garimpeira em Autazes e Nova Olinda do Norte.
Balsa Rio Madeira, Amazonas (Imagem: Google Maps)
São as tramas do que o antropólogo Marco Antonio Gonçalves, da UFRJ, define como “novos contextos de ‘guerra’ e de disputa pelo poder”. Estamos imersos numa ‘guerra híbrida’, afirma, e nela a própria concepção de “inimigo” se embaralha uma vez que, “neste novo contexto de guerra, soldados são cativos e cativos são soldados”.
Gonçalves situa o hibrido como um estado de ser nesta cosmologia de guerra. “O hibrido engendra a potência do devir autômato, não apenas as máquinas que replicam efetivamente as não-notícias, mas os seres reais, estes mesmos que são capturados, domesticados, tornados exército pet e, dessa forma, passam eles a ser máquinas de guerra, replicantes, androides”.
Na guerra da garimpagem na Amazônia, o dado novo de um velho movimento é o posicionamento do exército pet e o manuseio das tecnologias de informação embaralhando a percepção enquanto as dragas remexem o fundo do rio e sugam, para sempre, as vidas que com elas cruzaram. A ideia de destruição das balsas, substanciada por algumas fotografias onde esses equipamentos aparecem queimando, envoltos em fumaça, gerou acomodação imediata quanto ao perigo que viajou por meses pelas águas sem sofrer qualquer tipo de incômodo por parte da fiscalização.
Se, na conta mais recorrente da mídia, eram 350 balsas distribuídas no rio Madeira, para onde foram levadas? Onde estacionaram? Quando voltarão a atacar? Ou estão divididas em pequenos lotes, duplas, em plena atividade de garimpagem, nesse momento, respaldadas por acordos com autoridades governamentais? Há informações, acompanhadas de fotografia, onde uma ou duas balsas estão pegando fogo, e que 160 delas foram destruídas, o que expõe a permanência de mais da metade desses equipamentos à espera do sinal para voltar a agir.
O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), acaba de declarar que quer legalizar o garimpo no Estado. Não é o único da Amazônia a se posicionar nessa direção. Legalizar é um guarda-chuva amplo e debaixo dele têm sido abrigados comportamentos nada legais, ‘despercebidos’ pelos que têm a missão de zelar a observância da lei.
Quem financia os garimpeiros na atividade ilegal? Por que o quadro dos financiadores e apoiadores não foi revelado?
A guerra hibrida na Amazônia não acabou. É reforçada e tende a agravar profundamente as condições de vida na região. As vítimas de ontem e de hoje não foram socorridas e a ameaça permanece em ação latente sob aplausos de autoridades públicas que ignoram o conteúdo da Constituição brasileira.
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A guerra híbrida na Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU