30 Novembro 2021
"Diante dessa percepção dos criminosos ambientais referente a baixa probabilidade de serem fiscalizados, a lentidão para as providências cabíveis, havendo inclusive “prazo para fuga”, e as brechas existentes na legislação, sentem-se incentivados a praticar crimes ambientais", escreve Syglea Lopes, professora na Universidade do Estado do Pará (UEPA) e mestre em Direito e Instituições jurídicas e Sociais da Amazônia, em artigo publicado por EcoDebate, 29-11-2021.
Há muito os infratores ambientais que atuam no Brasil e, em particular na Amazônia, demonstram não ter o menor receio das instituições públicas que deveriam inibir e combater as práticas criminosas. Esta semana uma denúncia do Greenpeace divulgada pela imprensa chocou a todos.
Fotos e vídeos estamparam centenas de balsas e dragas bloqueando trecho do rio Madeira, segundo alguns uma verdadeira cidade flutuante e, complemento, que se formou “as barbas do poder público” em cidade localizada a aproximadamente 100 km da capital do Amazonas.
Até a presente data as notícias veiculadas pela imprensa informam tratar-se de atividades ilegais. Além disso, não há como negar a relação feita de provável apoio financeiro ao crime organizado, uma vez que envolve infraestrutura de valor altíssimo, tais como: dragas, empurradores, balsas, barcos, combustíveis. Daí o Greenpeace afirmar que “eles contam com apoio de empresários e políticos que há tempos fomentam a atividade ilegal na região. [1]
Balsas no Rio Madeira, em Autazes, no Amazonas (Foto: Bruno Kelly | Greenpeace)
Em 2001 me debrucei sobre essa temática para realização do mestrado, foquei na implementação do licenciamento ambiental no Estado do Pará e apliquei a teoria da inibição para medir essa eficácia, os resultados encontrados não são diferentes do exercício realizado com o caso do garimpo ilegal no rio Madeira.
Essa teoria possui quatro elementos. O primeiro reporta-se a credibilidade que as pessoas possuem quanto a probabilidade de serem realmente fiscalizadas pelo Poder Público. E, hoje não é segredo para ninguém o quão baixa é essa probabilidade, agravada por um aviso alarmante de que ela ocorrerá, permitindo que o infrator bata em retirada. Exatamente, “o filme” que estamos assistindo em tempo real e ao vivo, referente a fuga dos criminosos ambientais do rio Madeira.
O segundo elemento refere-se a rapidez dos órgãos ambientais em relação a ação dos criminosos, ou seja, após detectar o crime, quanto tempo leva para reagir. Ainda no filme que estamos assistindo, há relatos de que a invasão do rio Madeira iniciou há quinze dias e, somente esta semana após a denúncia do Greenpeace o Poder Público chegou ao local.
O terceiro elemento é a aplicação das sanções apropriadas, no caso atual, com estimativas feitas a partir de dados divulgados pela mídia, que apontam aproximadamente 640 balsas [2] o poder público teria alcançado 61 [3], ou seja, somente 10% das balsas usadas para prática do crime e, nem se sabe se chegaram aos criminosos. A maioria (90%), já bateu em retirada. Como fica o terceiro elemento referente a punição adequada.
O quarto elemento é a percepção dos criminosos e daqueles que desejam vir a ser criminosos ambientais referente aos três elementos anteriores, ou seja, qual a chance que eles possuem de ser fiscalizados, punidos em tempo real e de forma apropriada. Ao perceberem que existe fragilidade na fiscalização, lentidão nas providencias e penas aquém dos crimes praticados ou simplesmente a fuga perfeita, é possível concluir que no Brasil a teoria da inibição não funciona, dessa forma estamos incentivando as práticas ambientais criminosas.
Depois, relacionei essa realidade com a teoria econômica. Os criminosos ambientais farão a seguinte relação, o custo para se manterem legal e a chance de serem fiscalizados, com as providências tomadas em tempo real e punição adequada. Ao compararem esses resultados, rapidamente irão concluir ser mais vantajoso se manterem ilegais.
Não bastasse a teoria da inibição não funcionar no Brasil a situação se agrava diante da concentração do poder econômico e político. As políticas estão sendo definidas por pressão de grupos econômicos e, não refletem a demanda existente na sociedade. O caso do garimpo no rio Madeira é um exemplo clássico, pois há relatos de licença ambiental concedida pelo Poder Público e anulada pela justiça federal [4].
Além disso, é amplamente difundido o desmonte por parte do Poder Executivo dos órgãos de fiscalização ambiental, bem como as inúmeras tentativas do Poder Legislativo de afrouxamento das normas ambientais, em especial as de licenciamento ambiental e de fragilização dos fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama.
Vejam a manifestação do Ministério Público Federal (MPF) sobre o caso do garimpo no rio Madeira, ao informar que já havia cobrado providencias objetivando: “reprimir e desarticular o garimpo ilegal na calha do Rio Madeira e demais afluentes. As recomendações foram direcionadas ao Ibama, Exército, Marinha, PF, Agência Nacional de Mineração (ANM) e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam)” [5]. Assim, resta saber o porquê dessas omissões.
Diante dessa percepção dos criminosos ambientais referente a baixa probabilidade de serem fiscalizados, a lentidão para as providências cabíveis, havendo inclusive “prazo para fuga”, e as brechas existentes na legislação, sentem-se incentivados a praticar crimes ambientais. E chegam a calcular o quanto suas ações criminosas podem ser rentáveis. Isso tudo apoiado por um poder econômico e político, pois quanto maior o poder econômico maior a influência no setor político burocrático.
Tudo isso contribui para que hoje os criminosos ambientais sintam-se destemidos a ponto de fecharem parcialmente o rio Madeira com centenas de balsas, filmadas em tempo real e divulgada para o mundo todo. Tem-se ainda, em áudio capturado e exposto na mídia, verdadeira articulação para enfrentamento aos fiscais: “Em áudios, um homem identificado como um garimpeiro fala em reagir a abordagens de fiscalização no rio. “Vocês que tem muita balsa aí, montar um paredão aí”, disse ele…” [6].
Balsas no Rio Madeira, em Autazes, no Amazonas (Foto: Bruno Kelly | Greenpeace)
Vimos assim que no Brasil temos a política ambiental regulamentada em várias normas ambientais; temos também aquela que é aplicada, ou seja, incentiva o criminoso a considerar um “bom negócio” a prática de infrações e crimes ambientais; e temos aquela que vendemos, a do faz de conta que te aplico, alguns gostam de falar dela principalmente em eventos internacionais.
Por isso, consideramos a ação da sociedade civil imprescindível, como nesse filme corajosamente estampado pelo Greenpeace e, divulgado pela mídia, chamando o Poder Público (executivo, legislativo e judiciário) a assumir sua função de guardião do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois tem o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[1] Disponível aqui.
[2] Disponível aqui.
[3] Disponível aqui.
[4] Disponível aqui.
[5] Disponível aqui.
[6] Disponível aqui.
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Criminosos Ambientais Destemidos: O Garimpo Ilegal no Rio Madeira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU