13 Novembro 2021
“O problema a se debater neste Sínodo não é o que ocorre por justapor hierarquia à democracia, dando por inquestionável a primeira, mas sim por imaginar e propor modos alternativos à maneira absolutista e monárquica da autoridade, inquestionável até o presente na grande maioria das instituições católicas. Tal concepção e exercício autoritário, se recorda, é o principal obstáculo para a implementação efetiva de uma Igreja sinodal na qual a escuta não é um mero exercício retórico, mas um espaço de discernimento e verificação que tem sua própria normatividade e que o corpo hierárquico não pode ignorar em virtude da ordenação sacramental”, escreve Jesús Martínez Gordo, teólogo basco, em artigo publicado por Diario Vasco, 10-11-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Se não me engano, é a primeira vez que mais de 1,3 bilhão de cidadãos são chamados para opinar como querem que a Igreja seja governada. É a decisão que o Papa Francisco tomou convocando um Sínodo dos Bispos que, constando de três fases, terá seu momento mais importante em outubro de 2023. Na primeira etapa, já iniciada, se coloca todos os católicos e pessoas interessadas – independente de sua inscrição religião – para diagnosticar e propor o que estimem oportuno sobre como ser uma “Igreja sinodal”, isso é, sobre como “caminhar juntos” (é isso que significa “sin-odos”). A esta primeira etapa sucederá outra continental e, finalmente, o Sínodo mundial dos bispos em Roma. Me disponho a resumir o escasso entusiasmo – para não dizer nulo – com que, entre nós, foi acolhida esta iniciativa por parte da hierarquia eclesiástica; mas não só por ela.
Infelizmente, não contamos com uma tradição sinodal como possuem outras igrejas centro-europeias, latino-americanas ou as estadunidenses e australianas. E quando ensaiamos – celebrando assembleias diocesanas ou implementando instituições com alcance deliberativo – “apanhamos feio”, isso é, nos impuseram bispos cuja primeira missão foi desativar tal alcance deliberativo e silenciar o que, desde o Vaticano II, se chama “a vez do povo de Deus”; como é o caso, pelo menos, da diocese do País Basco.
Nesta política de sufocamento e afirmação autoritária da hierarquia é tristemente referencial o castigo infligido à Igreja neerlandesa por João Paulo II. Em vez de abrir um diálogo sobre o sinodalmente debatido e aprovado, o Papa Wojtyla convocou em Roma seus bispos para dizer-lhes que este modo de “caminhar juntos” havia se acabado; que tinham que ir à frente do “rebanho”, atendendo, claro, mais as indicações que vinham da Sede primada do que o acordado com os católicos neerlandeses. O resultado de tal “reorientação” é bem conhecido: uma hemorragia, silenciosa e imparável, até chegar a ser – como lamentavelmente se constata na atualidade – uma comunidade católica quase inexistente. O Papa polonês – defendendo uma concepção absolutista e monárquica da hierarquia em nome da verdade – não teve problema algum em sacrificar esta florescente igreja. A diferença dos pontificados de João Paulo II e de Bento XVI, Francisco assume, sintonizando com o Vaticano II, que se há de escutar ao “povo de Deus”, “infalível quando crê”.
Entende-se – como adiantei – que os nervos tenham se desatada em uma boa parte do episcopado mundial. E também fora da Igreja, particularmente naqueles lobbies habituados a controlar tudo. Talvez, por isso, estamos escutando esses dias que existe uma clara diferença entre a sinodalidade eclesial e a democracia representativa majoritária, tentando nos despistar de que, igualmente, existem estruturas hierárquicas na forma democrática moderna de convivência. E que o problema a se debater neste Sínodo não é o que ocorre por justapor hierarquia à democracia, dando por inquestionável a primeira, mas sim por imaginar e propor modos alternativos à maneira absolutista e monárquica da autoridade, inquestionável até o presente na grande maioria das instituições católicas. Tal concepção e exercício autoritário, se recorda, é o principal obstáculo para a implementação efetiva de uma Igreja sinodal na qual a escuta não é um mero exercício retórico, mas um espaço de discernimento e verificação que tem sua própria normatividade e que o corpo hierárquico não pode ignorar em virtude da ordenação sacramental.
Pois bem, para avançar nessa direção, permito-me indicar vários pontos que seria bom propor e reivindicar nesta primeira etapa sinodal para que, pelo menos, alguns deles acabem sendo um grito eclesial.
A primeira, que os bispos sejam nomeados por um tempo determinado com a participação do povo de Deus, seja escolhendo um dos três candidatos que a Santa Sé pode enviar, seja apresentando uma lista restrita para o Vaticano escolher um. O segundo, que – sendo o zelo pela unidade da fé e da comunhão eclesial a razão da autoridade na Igreja – é normal que o que for aprovado por maioria qualificada nos Sínodos, Assembleias e diferentes conselhos eclesiais seja ratificado tanto pelo Papa bem como pelos bispos e sacerdotes, se a dita fé e comunhão eclesial não forem violadas. O terceiro, que os leigos possam desempenhar tarefas de governo e magistério – até agora reservadas para bispos, sacerdotes e diáconos – desde que também eles sejam investidos de “autoridade” pelo batismo. A quarta, que sínodos ou assembleias diocesanas regulares sejam estabelecidas em todas as dioceses e igrejas do mundo. E o quinto – por enquanto, último – que um sínodo mundial seja instituído não só de bispos, mas de todo o povo de Deus com representantes dos leigos, religiosos e religiosas, sacerdotes e diáconos.
Sei que haverá quem diga que estou fazendo propostas impossíveis “porque não é o momento para isso”, isto é, porque são “imprudentes”. Bem, se essa é toda a força de seu argumento, eu entendo – ao contrário deles – que chegou a hora de insistir “na hora certa e na hora errada, com ou sem oportunidade”. Além disso, creio que fomos chamados, justamente, a dizer o que nos parece mais conveniente. Por isso, permito-me terminar estas linhas formulando um desejo ainda mais “imprudente”, mas igualmente necessário: oxalá que este Sínodo seja o primeiro passo para um Concílio Vaticano III, claro, de matriz indubitavelmente sinodal!
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Sínodo e hierarquia. Artigo de Jesús Martínez Gordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU