27 Outubro 2021
Hoje a Terra pode ser observada de cima como um todo global e até como um poliedro, como diz o papa. E, como sabemos, à mudança de ponto de vista corresponde a mudança das coisas; hoje, na realidade, as divisões identitárias, embora fecundas e invioláveis na sua ordem, não podem mais impedir unidades mais construtivas e mais vastas.
A opinião é de Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado em Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 26-10-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nesta semana, nos dias 30 e 31 de outubro, o G20 se reunirá em Roma sob a presidência de Mario Draghi [primeiro-ministro italiano]. Os temas na ordem do dia, crise ecológica e pandemia da Covid, dizem respeito, nem mais nem menos, à salvação do mundo. Nós não temos como influenciar nas suas decisões, mas nos parece que “os Grandes” poderiam se inspirar, para o seu trabalho, no fato de que em Roma também há a presença do papa.
Até algumas décadas atrás, essa inspiração poderia ser partidária e excludente, já que o catolicismo se definia como a única religião verdadeira, e a Igreja Católica, como a única arca fora da qual não podia haver salvação. A inspiração que hoje pode vir daí, pelo contrário, é universal e includente, tanto pelo reconhecimento realizado pelo Concílio Vaticano II dos dons de Deus emanados como sementes em todas as religiões e culturas, quanto pela afirmação da fraternidade entre todos os homens e mulheres que o Papa Francisco compartilhou com todas as religiões e estendeu em particular ao Islã, com o qual, no pacto de Abu Dhabi, ele assinou a atestação de que “a diversidade de religiões (...) faz parte daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres humanos”.
O próprio papa, na mensagem aos movimentos populares do dia 16 de outubro passado, pediu a si mesmo e a todos os outros líderes religiosos que “nunca usem o nome de Deus para fomentar guerras ou golpes de Estado”. Essa inspiração, portanto, hoje, pode encorajar todos os responsáveis pela vida sobre a Terra a buscarem a unidade humana, a adotarem uma ecologia integral, a assumirem o Tratado já aprovado pela ONU para a proibição de todas as armas nucleares, a promoverem o fim da corrida rearmamentista e das despesas relacionadas, assim como a induzirem a uma conversão da ideologia das Forças Armadas; tudo isso a fim de construir um mundo no qual os únicos mortos pelo fogo das Forças Armadas continuem sendo aqueles mortos por engano nos sets de filmagem de Hollywood.
Também seria bom que os participantes da cúpula mundial fossem informados do fato de que, em Roma, foi instituída recentemente uma escola que promove o pensamento e busca as formas para abrir caminho para a elaboração e a adoção, para todo o mundo, de uma Constituição da Terra. Pode-se dizer que as pessoas convocadas a Roma, como responsáveis dos povos e protagonistas decisivos da cena mundial, poderiam ser os primeiros professores e discípulos dessa escola.
De fato, seria bonito que, entre eles, surgissem pessoas, iniciativas e políticas que assumissem precisamente esse projeto, incluíssem-no nas temáticas presentes na comunidade das nações e o levassem a bom termo, de modo que a Terra inteira possa ter a sua Constituição: uma Lei fundamental que garanta direitos e deveres a todos os homens e as mulheres do planeta e que, com o apoio de garantias jurídicas e institucionais eficazes, assegure que a Terra esteja a salvo, que a vida seja próspera e que a história continue.
Como sabemos, as constituições ofereceram muitas vezes e por muito tempo as mais altas experiências de justiça e de paz nos Estados individuais, de modo que se pode pensar que o modelo constitucional estendido em nível global pode manter promessas análogas para todos os países.
O desafio da pandemia também leva na mesma direção, sugerindo a instauração de uma política dos bens comuns da humanidade que não possam ser comprados nem vendidos, que estejam fora do comércio e disponibilizados a todos por uma economia de libertação, começando pela decisão da não patenteabilidade das vacinas contra a Covid e dos medicamentos que salvam vidas.
O fato de essa proposta nunca ter sido formulada até agora não depõe contra a sua viabilidade, mas, pelo contrário, deriva do fato de que, até agora, de todos os pontos do planeta Terra, ela apareceu fragmentada e dividida, e o curso histórico foi se desenvolvendo através de contraposições étnicas, religiosas, culturais e políticas que, pouco a pouco, pareceram intransponíveis, de modo que uma Constituição de toda a Terra parecia impensável.
Mas hoje a Terra pode ser observada de cima como um todo global e até como um poliedro, como diz o papa. E, como sabemos, a mudança de ponto de vista corresponde à mudança das coisas; hoje, na realidade, as divisões identitárias, embora fecundas e invioláveis na sua ordem, não podem mais impedir unidades mais construtivas e mais vastas.
Essa construção de um ordenamento constitucional mundial também não pode ser considerada uma utopia de intelectuais, se, nos anos 1980, um mundo recomposto na paz, “sem armas nucleares e não violento”, foi proposto por dois grandes conjuntos estatais, a União Soviética e a Índia, embora pertencentes a mundos diferentes, cujos povos, juntos, representavam um quinto da humanidade.
A mensagem do Papa Francisco aos membros dos movimentos populares, que ele chama afetuosamente de “poetas sociais”, pela precisão com a qual o papa evocou os princípios a serem observados – opção preferencial pelos pobres, destinação universal dos bens, solidariedade, subsidiariedade, participação, bem comum – e pelas medidas concretas sugeridas – como o salário universal e a redução da jornada de trabalho –, despertou a ira do sítio antibergogliano integralista Stilum Curiae, de Marco Tosatti.
Também se deve assinalar que, depois do Ângelus do domingo passado, o Papa Francisco assumiu uma forte posição em favor dos migrantes no Mediterrâneo e contra a sua rejeição e a sua devolução aos campos de concentração líbios.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Pelo futuro do mundo. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU