27 Outubro 2021
"Lula terá, se for vitorioso no pleito de 2022, o bolsonarismo aquecido e livre das amarras dos acordos com o Centrão, para pressionar diariamente, até o limite da ruptura social e política o governo", escreve Rudá Ricci, sociólogo, em artigo publicado por Jornalistas Livres, 25-10-2021.
1. Alain Touraine sugere que o espectro político brasileiro aderna à direita: socialistas adotam programas socialdemocratas, socialdemocratas defendem agenda liberal e liberais são ultraconservadores no Brasil;
2. Este autor sustenta, ainda, que a dimensão política do mundo contemporâneo foi capturada pela dimensão econômica (interesses transnacionais) e alijou desta equação da representação formal a dimensão cultural (dos valores e crenças, da energia moral que brota da sociedade civil)
3. Boaventura, por seu turno, sustenta que nossa prática política é marcada pela “carnavalização”, ou seja, como no Carnaval, as ações políticas podem até transgredir, desde que dentro da Ordem;
4. As pesquisas recentes com a base da sociedade brasileira (Vozes do Bolsa Família ou pesquisas do DataFavela) sugerem que a o ideário do empreendedorismo, o hiperindividualismo e a ideologia da intimidade tombaram raízes junto à população pobre brasileira;
5. Finalmente, a profunda segmentação social que atingiu o século XXI debela as relações societais e alimentam os coletivos e relações comunitárias.
A fragmentação social e de agendas é fruto de muitas variáveis, a destacar: o teletrabalho (que confunde local de trabalho com local de moradia), a cultura identitária, a provisoriedade de posicionamentos alimentada pelas redes sociais radiculares e segmentadas, as novas tecnologias de produção e gestão.
O resultado é a sociedade do desempenho (em que cada um de nós se torna seu próprio algoz na busca de excelência em todas as áreas que atuamos), a provisoriedade das ações políticas e sociais (“enxameamento”), e a política do ciclo curto (a legitimação do governante eleito se desgasta na impossibilidade de atendimento da miríade de agendas e interesses plasmadas na sociedade em dois anos)
1. As pesquisas realizadas ao longo deste ano indicam a consolidação da polarização entre Lula e Bolsonaro para a eleição de 2022;
2. Lula deverá sofrer uma ligeira queda de intenção de votos a partir de março de 2022 quando os ataques à sua pessoa e, principalmente, ao PT, se multiplicarão;
3. O calcanhar de Aquiles da campanha Lula parece ser a identidade histórica do PT. Pesquisa recente realizada pela Vox Populi revela que o eleitor evangélico bandeia ligeiramente para votar em Lula, atingindo patamares de intenção de voto similares à média nacional, contudo, é o segmento nacional mais arredio ao PT;
4. Por seu turno, as forças de extrema-direita (entre 8% e 12% da população adulta brasileira) se organiza politicamente desde o ano passado, criando think tanks, estabelecendo alianças com alto empresariado paulista (secundariamente, com o alto empresariado carioca e gaúcho) e criando ações ofensivas junto ao campo educacional e disseminação de valores junto à base da sociedade.
Este é o caso do Brasil 200, do Instituto Liberal-Conservador, do Brasil Paralelo, da ofensiva da Fundação Lemann que forma bancadas conservadoras na Câmara de Deputados e indica secretários estaduais de educação (caso de MG e SP) e fidelização nas redes sociais como a marca de 1 milhão de seguidores de Jair Bolsonaro no Telegram;
5. O governo federal esboça políticas tópicas de caráter populista para 2022, mantendo o discurso radical para alimentar sua base (adotando como referência o discurso de Trump);
6. Por seu turno, o Centrão continuará sendo o fiel da balança da governabilidade deste e, possivelmente, do próximo governo federal. Centrão é expressão política dos interesses do alto empresariado nacional (financiado que é pelas elites econômicas) e se movimenta a partir da lógica clientelista do Baixo Clero da Câmara de Deputados.
Baixo Clero foi expressão cunhada por Ulysses Guimarães para nomear parlamentares sem capacidade de elaboração de agenda nacional, mas que vivem da entrega de obras, serviços e recursos públicos para suas bases eleitorais, criando um eterno ciclo de chantagem ao governo de plantão e práticas clientelistas.
1. Lula sinaliza que formará um governo de reconstrução nacional, amplo, de composição de interesses;
2. Se seguir este script, há grande possibilidade de setores empresariais assumirem, como nas suas duas gestões federais, os postos de comando da política econômica;
3. O cenário político e econômico, contudo, é muito distinto do período 2003-2010. Lula terá, se for vitorioso no pleito de 2022, o bolsonarismo aquecido e livre das amarras dos acordos com o Centrão, para pressionar diariamente, até o limite da ruptura social e política, o governo;
4. Tal situação criará um importante poder de barganha para o setor empresarial, o mesmo que financia, neste momento, think tanks ultraliberais e/ou de extrema-direita no Brasil e que financia o Centrão;
5. O governo Lula tende a ter, se essas condições se confirmarem, instabilidades políticas desde o primeiro mês de seu governo;
6. Em termos econômicos, o novo governo encontrará um Estado delapidado, capturado por interesses privados e subordinado aos acordos tópicos, num cenário de investimentos externos desfavorável, com oscilações nos preços das commodities;
7. Embora a China venha apresentando um repique nos seus índices de crescimento econômico (de 7% a.a. para trimestres que apresentam crescimento abaixo de 5%), é ainda o país que pode gerar investimentos que possibilitem uma retomada – ainda que discreta – do crescimento do PIB brasileiro. O governo Lula terá esta janela de possibilidade a ser explorada (rearticulação de interesses com China e Rússia), para retomar acordos econômicos com a terceira potência mundial, os EUA, em condições mais favoráveis.
1. Avalio que a esquerda brasileira parece se movimentar em dois planos: o da ação social de massas, liderada neste momento pela Campanha Fora Bolsonaro (que envolve 660 entidades e coletivos); e a dimensão institucional, focada no calendário eleitoral;
2. Na prática, a esquerda organizada em partidos políticos enfrenta enormes dificuldades para liderar ações sociais de massa em virtude da quebra de vínculos com organizações populares e movimentos sociais;
3. Por seu turno, organizações populares e movimentos sociais, mesmo mantendo relações formais com partidos de esquerda, parecem ter ganho autonomia política e até mesmo programática, em especial, neste momento em que Lula se movimenta ao centro do espectro político e de construção de linhas programáticas para 2023;
4. Caberia, ainda que hipoteticamente, uma ofensiva desse segmento (organizações populares e movimentos sociais à esquerda) se projetando como player no jogo de construção da agenda nacional para 2023. Para tanto, deveria superar a atual fragmentação política e de pautas corporativas e abrir um vigoroso processo de debates estaduais, organizando plenárias para a construção de uma agenda mínima para 2023, agenda ousada e que marque posição pelo projeto de desenvolvimento nacional soberano (rompendo, portanto, com o acordo militar-empresarial de subordinação do Brasil aos interesses dos EUA), a reconstrução das estruturas do Estado nacional, o avanço nos sistemas de controle e participação social nos processos formais de tomada de decisão de políticas públicas nacionais, a adoção de uma agenda de disputa de valores sociais para construção da hegemonia cultural (como ocorreu entre 1950 e início deste século), o impedimento de participação de representação empresarial na condução de políticas econômicas nacionais, uma ofensiva contra a sonegação de impostos, reforma tributária marcada pela justiça social e imposto progressivo, dentre outras iniciativas.
5. Sem esta iniciativa política, a esquerda terá pouca influência sobre um novo governo Lula e estará desarmada para atuar no próximo período, possivelmente definido por forte disputa de agendas ideológicas.
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O Momento Atual e o Cenário Político em 2022 e 2023 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU