29 Setembro 2021
Quando no último de 16 de setembro Francisco pronunciou um discurso ante os fundadores e responsáveis dos principais movimentos e associações leigas, encontrou-se com uma sonora ausência: a do responsável de Comunhão e Libertação, Julián Carrón. Nem presencial, nem virtualmente (muitos seguiram as palavras do Papa online, devido à pandemia), o líder dos cielinos, sucessor de dom Luigi Giussani, não quis escutar as explicações de Bergoglio sobre o novo decreto que acaba com os mandatos vitalícios em associações de fiéis e movimentos e que, entre outras coisas, defende que não poderão superar os dez anos consecutivos, ainda que Roma poderá estabelecer exceções no caso dos fundadores.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicado por Religión Digital, 25-09-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A norma afeta o movimento Comunhão e Libertação muito mais que o resto dos movimentos eclesiais. Nem tanto o neocatecumenato (o Papa assegurou a seu fundador que ele continuará no cargo), cujo fundador segue vivo; nem os focolares, a quem o Papa recebeu hoje. Mas o CL vê como seu futuro se apresenta sombrio, depois de décadas nas quais sua influência na Igreja italiana (também na espanhola) e em órgãos da Cúria vaticana tem sido muito relevante.
Contudo, o problema não está (ou não apenas) em quem governa, mas na forma de exercer esse governo. Há alguns anos, Roma investiga os “arquivos” do movimento Comunhão e Libertação, e ontem anunciou uma decisão que doeu menos entre os membros do CL: a “intervenção” da Associação “Memores Domini”, conhecida pela presença de algumas de suas leigas consagradas ao cuidado de Bento XVI. Mas sob esta denominação não há apenas mulheres.
Segundo explica o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, os Memores Domini se constituíram em Milão, sob a guia de Luigi Giussani, por iniciativa de alguns leigos procedentes da experiência da “Gioventù Studentesca”. A partir de 1968, os membros da Memores Domini conceberam a exigência de viver em comum e se constituíram em Famílias. Difundida na Itália e no estrangeiro, em 1981, a Associação foi elevada canonicamente pelo bispo de Piacenza, Enrico Manfredini. Em 08 de dezembro de 1988, o Conselho Pontifício para os Leigos decretou o reconhecimento da Associação Laical Memores Domini como associação internacional de fiéis.
A Memores Domini reúne pessoas da Fraternidade de Comunhão e Libertação que seguem uma vocação de entrega total a Deus, vivendo no mundo e praticando os conselhos evangélicos assumidos como compromisso pessoal e privado, emitidos na forma de propósito. Dois são os fatores que os distinguem em seu projeto espiritual: a contemplação, entendida como memória “tendencialmente contínua de Cristo”, e a missão, isso é a paixão de levar o anúncio cristão à vida dos homens, encontrando-os sobretudo nos lugares de trabalho, que constitui o âmbito normal do testemunho.
Os Memores Domini praticam a vida em comum e formam casas masculinas e femininas onde se vive uma regra de silêncio, de oração pessoal e comunitária, de pobreza, de obediência e de caridade fraterna. O fim destas casas é a edificação mútua na memória, tendo em vista a missão. Os membros participam juntos, quatro vezes ao ano, em retiros espirituais e, uma vez ao ano, em um curso de exercícios espirituais. Os aspirantes entram para fazer parte de uma casa depois do primeiro ano de avaliação e, durante todo o período da primeira formação, que dura ao menos cinco anos, participam dos encontros mensais de formação e dos retiros espirituais promovidos por tal propósito.
Por que a intervenção? Desde Roma, se assegura que se busca “salvaguardar seu carisma e preservar a unidade dos membros”. A isso foi designado como delegado especial dom Filippo Santoro, arcebispo de Tarento, assessorado pelo jesuíta Gianfranco Ghirlanda, que já foi assessor na intervenção nos Legionários de Cristo e do Sodalício. Isto nos dá alguma pista.
Pois, por trás da intervenção, houve uma investigação canônica, dirigida pelo próprio Ghirlanda, desde junho de 2020, por evidentes problemas de governo. De fato, a missão do jesuíta era revelar por que nos Memores Domini “havia uma clara separação entre o âmbito de governo da Associação e o âmbito da consciência de seus membros” e existe “uma real representatividade dos órgãos do governo da Associação”.
Aqui é onde começa a “ira” de Carrón, que como presidente do Comunhão e Libertação é também conselheiro eclesiástico da rama de leigos consagrados, um duplo papel que, segundo os especialistas, “gera problemas desde o ponto de vista da democracia interna e da liberdade dos membros da Associação”. Esta é precisamente umas das razões que motivaram a “varrida” do Papa a alguns responsáveis de movimentos.
“Caímos na armadilha da deslealdade quando nos apresentamos ante os demais como os únicos intérpretes do carisma, os únicos herdeiros de nossa associação ou movimento; ou quando, crendo sermos imprescindíveis, fizemos tudo que era possível por ocupar postos de vida; ou também quando pretendemos decidir a priori quem deve ser nosso sucessor. Ninguém é dono dos dons recebidos para o bem da Igreja, ninguém deve sufoca-los”, disse o Papa. Algumas palavras que Carrón não quis escutar.
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“Memores Domini”: as razões da intervenção da rama de ‘consagrados leigos’ de Comunhão e Libertação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU