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12 Março 2015

"O encorajamento do Papa a não mortificar a vitalidade do carisma recebido do Espírito através dos testemunhos do seu dom, se abre sobre o horizonte de toda a Igreja: da última paróquia à Cúria romana", escreve Pierangelo Sequeri, reitor da Facoltà Teologica dell'Italia Settentrionale, em artigo publicado por Avvenire, 08-03-2015. A tradução é de Benno Dischinger.

Eis o artigo. 

O centro não é o carisma, o centro é Jesus Cristo. Ninguém, verossimilmente, põe em discussão o ponto, na Igreja. Mas depois é a prática, não a gramática, que faz a diferença. São discursos de generoso reconhecimento, e de límpida admoestação, aqueles que o Papa Francisco vai dirigindo aos responsáveis e aos herdeiros dos grandes carismas que recolocaram em movimento a Igreja deste último meio século. Qualquer que seja o dom recebido, a prova de fogo dos carismas é a edificação da Igreja de todos: “a utilidade comum”, diz são Paulo. O Papa Francisco acrescenta acentos não secundários a esta regra de ouro.

O primeiro é que esta orientação comporta um rigoroso ‘descentramento’. “Quando ponho no centro o meu método espiritual, o meu caminho espiritual, o meu modo de atuá-lo, eu saio da estrada”, disse ontem o Papa no encontro com Comunhão e Libertação. Em termos análogos tinha encorajado sexta-feira os aderentes ao Caminho Neocatecumenal: “Quantas vezes, na Igreja, temos Jesus dentro dela e não o deixamos sair... Quantas vezes! Esta é a coisa mais importante a fazer se não quisermos que as águas estagnem na Igreja”. O descentramento do carisma significa a capacidade de deslocar-se de um lado, logo que a gente se dá conta que a representação de si obscurece o centro, obstrui o caminho a Jesus, fecha as portas da Igreja.

O descentramento contrasta, portanto, ativamente (‘rejeita’) a pulsão ao auto referenciamento: mesmo que fosse acobertada por motivos aparentemente mais altos da coragem e da fidelidade.

O descentramento do carisma, que ilumina o núcleo quente da única fé que deve ser vivida e transmitida, comporta espírito de afastamento dos próprios confortáveis hábitos de linguagem e de comportamento. Em determinadas circunstâncias eles talvez tenham assegurado a uniformidade e o entendimento da própria vocação. Mas depois acabaram por substituir uma gíria ao frescor da palavra da fé, e simples rituais de grupo à transparência da fraternidade cristã. Com o risco – não abstrato – de confundir a fidelidade à tradição com o instinto de autoconservação. 

De fato, o encorajamento do Papa a não mortificar deste modo a vitalidade do precioso carisma recebido do Espírito através dos testemunhos do seu dom, se abre sobre o horizonte de toda a Igreja: da última paróquia à Cúria romana. O fim da auto-referencialidade eclesial e o início da nova evangelização. O descentramento, neste ponto, se interliga simplesmente com o dogma:

Jesus Cristo é o nome abençoado do Salvador para todos os homens. Nenhum outro. Quando nos colocamos com fé a serviço da saída de Jesus em direção aos homens e às mulheres que habitam as regiões inóspitas da vida e da história, este esvaziamento nos enche de atração e de graça. Quando procuramos custodiar o mistério de Cristo no limite defensivo e impenetrável do nosso puro auto-reconhecimento, na realidade nos tornamos repulsivos e vazios. Dizemos continuamente ‘Senhor, Senhor’, mas o separamos dos outros.

Não posso deixar de recordar – com uma pitada de entusiasmo pessoal – a imagem desta harmonização sinfônica dos movimentos, sobre o motivo da “Igreja em saída”, que o Papa Francisco haure do grande musicista Gustav Mahler (1860-1911), intérprete e testemunho musical da difícil passagem da época dos hábitos já enfraquecidos a novo impulso de criatividade: “A tradição significa manter vivo o fogo, não adorar as cinzas”.

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