28 Setembro 2021
“O deslocamento forçado continuará a ser uma realidade no Hemisfério Ocidental nos próximos anos. Precisamos estabelecer nossa política de imigração em bases morais mais seguras. Como disse o Papa Francisco em sua carta encíclica Fratelli Tutti, o critério para julgar todo projeto político deve ser ‘a decisão de incluir ou excluir os feridos à beira da estrada’. Em vez de ficar assustado, o governo Biden deve mostrar liderança ousada, repudiando políticas anti-imigrantes como o Título 42, confrontando o legado racializado da imigração e restaurando proteções na fronteira”, escreve Dylan Corbett, diretor-executivo do Instituto Hope Border, sediado em El Paso, Texas, EUA, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 27-09-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Imagens vindas de Del Rio, Texas, chocaram o mundo na semana passada. O uso de cavalos e relhos pelos agentes da Border Patrol como armas contra os pais haitianos tentando levar bolsas com comida para seus familiares famintos foi agoniante e revoltante.
No Senado, o líder da Maioria Democrata, Chuck Schumer, condenou as ações do Departamento de Segurança Doméstica e disse: “o horrível tratamento dado a aquelas pessoas inocentes que vêm à fronteira deve parar imediatamente”. A vice-presidente Kamala Harris também expressou “graves preocupações” ao secretário de Segurança Doméstica Alejandro Mayorka, que prometeu uma rápida e minuciosa investigação.
As terríveis imagens de força brutal aplicada contra famílias, sendo a maioria vulneráveis, deveria tocar a consciência nacional. O retorno forçado de haitianos a um país destruído pelos efeitos da pandemia, um recente terremoto e a ausência da lei e ordem depois do assassinato do presidente Jovenel Moïse é moralmente indefensável.
Mas não é suficiente a Casa Branca e os líderes eleitos afirmarem “graves preocupações”, como se fossem episódios isolados.
O que ocorreu em Del Rio é a mais visível manifestação de uma violência que ocorre todos os dias ao longo da fronteira sob a política conhecida como Título 42. O Título 42 é uma ordem de saúde relacionada à pandemia que serviu de pretexto para o governo dos EUA ignorar suas obrigações de fornecer proteção aos requerentes de asilo na fronteira dos EUA com o México. O uso do Título 42 pelo governo contra famílias na fronteira foi considerado ilegal por um tribunal federal em 16 de setembro.
Sob o Título 42, que os especialistas em saúde pública condenaram categoricamente como “xenofobia disfarçada de medida de saúde pública”, os Estados Unidos realizaram mais de 1 milhão de expulsões, incluindo a remoção forçada de mulheres grávidas e famílias monoparentais. Duas em cada três pessoas expulsas para o Haiti sob o Título 42 são mulheres e crianças.
Políticas como o Título 42 também são partes das táticas linha-dura implementadas na fronteira nas últimas décadas pelos governos republicano e democrata. A única linha perceptível ao longo dos anos é uma estratégia para “administrar” a fronteira criminalizando cada vez mais categorias de migrantes – criando sistemas para deter e deportar e endurecendo as fronteiras com muros, tecnologia e orçamentos e pessoal cada vez maiores para as agências de fiscalização das fronteiras.
A estratégia atingiu seu ponto culminante sob o governo Trump com políticas como separação familiar e Título 42.
A intenção dessas táticas é sempre enviar a mesma mensagem. Como Harris disse chocantemente aos guatemaltecos que contemplavam a dura realidade do deslocamento forçado no início deste ano: “Não venha. Não venha. Se você vier para a nossa fronteira, você será mandado de volta”.
O presidente Joe Biden cumpriu a promessa de injetar humanidade em nossos sistemas de imigração e restaurar as proteções de asilo na fronteira. Mas com medo de ser atingido pela direita política, este governo manteve o Título 42 em vigência.
Ele também estendeu a lógica cruel da fronteira EUA-México para o sul ao alistar o México e a Guatemala em estratégias de fortalecer a linha-dura. Essas ações ameaçam descarrilar a agenda das causas fundamentais do governo, subordinando-a às políticas de imigração.
Sob pressão do governo Biden, os agentes de imigração transformaram a cidade de Tapachula, no sul do México, no que alguns chamam de a maior prisão a céu aberto do mundo. O bispo de Tapachula, Jaime Calderón, descreveu recentemente essas ações brutais para conter a migração como “uma verdadeira caça ao homem, que os amedronta, embosca e os divide pelo uso excessivo da força”.
O que aconteceu em Del Rio foi horrível. Potencialmente representa uma das maiores expulsões em massa na história dos EUA e tornou visível o caráter inevitavelmente racializado da imigração americana. Mas os eventos só podem ser entendidos dentro do contexto da estratégia mais ampla – “Não venham!” – que este governo decidiu adotar.
O deslocamento forçado continuará a ser uma realidade no Hemisfério Ocidental nos próximos anos. Precisamos estabelecer nossa política de imigração em bases morais mais seguras. Como disse o Papa Francisco em sua carta encíclica Fratelli Tutti, o critério para julgar todo projeto político deve ser “a decisão de incluir ou excluir os feridos à beira da estrada”.
O arcebispo de Miami Thomas Wenski foi um dos que percebeu a realidade do que aconteceu em Del Rio. Como ele observou durante a celebração da Eucaristia em sua catedral no fim de semana, essas famílias haitianas eram como “hebreus em sua jornada pelo Sinai em busca da terra prometida”.
Em vez de ficar assustado, o governo deve mostrar liderança ousada, repudiando políticas anti-imigrantes como o Título 42, confrontando o legado racializado da imigração e restaurando proteções na fronteira. O governo também deve seguir com credibilidade a abordagem das causas profundas e atualizar a lei de asilo para refletir os verdadeiros motivos da migração forçada hoje, incluindo o deslocamento ambiental.
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O tratamento dado a migrantes haitianos na fronteira deveria tocar a consciência dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU