28 Setembro 2021
O teólogo jesuíta Bernard Sesboüé faleceu no dia 22 de setembro de 2021. Por suas inúmeras obras e seus ensinamentos, ele foi considerado por muitos uma referência. Seu irmão jesuíta Michel Fédou relembra os principais pilares de sua vida e de sua obra.
A reportagem é de Sixtine Chartier, publicada por La Vie, 24-09-2021. A tradução é de André Langer.
Michel Fédou é professor de Patrística e Teologia Dogmática no Centre Sèvres, a faculdade dos jesuítas de Paris.
Em sua homenagem à memória de Bernard Seboüé, você elogiou “o equilíbrio de um pensamento que conjuga a ancoragem na tradição e a abertura às questões do presente”. Como isso se manifestou?
Imagem: Livro de Bernard Sesboüé
intitulado Hors de l´Église pas de salut
| Foto: Arquivo Pessoal
Em seus livros e em seus ensinamentos, ele se preocupou em apresentar a maneira como esta ou aquela questão foi abordada na história, permanecendo atento à forma como as mesmas questões são apresentadas hoje. Foi uma maneira de conjugar um enraizamento na tradição da Igreja e uma atenção muito atenta às questões do nosso tempo.
Pois é a relação entre um e outro que nos permite avançar no discernimento das questões atuais. Por exemplo, em seu livro Jésus-Christ dans la tradition de l’Église (Jesus Cristo na tradição da Igreja), ele aborda, numa primeira parte, a história de como se falava de Jesus Cristo nos primeiros séculos, antes de dar conta de toda a tradição da Igreja em uma linguagem que pode falar para nossos contemporâneos.
Sua visão da tradição não era a de um bloco intocável, mas, ao contrário, um todo dinâmico?
Sim, ele soube discernir dentro da tradição um certo número de pontos que já não podiam mais ser repetidos enquanto tais e outros que conservam um valor normativo. Um belo exemplo dessa abordagem é seu trabalho feito a partir do adágio tradicional “Fora da Igreja não há salvação.” Ele tentou capturar o que isso significava no passado. Em seguida, ele mostrou que uma interpretação correta da tradição convida hoje a usar uma outra linguagem.
Um dos seus campos favoritos era a teologia dogmática. Qual era a sua visão do dogma?
Para ele, quando falamos de dogma, devemos distinguir os dogmas fundamentais da Igreja das doutrinas menos centrais. Ele recordou com frequência que o Concílio Vaticano II falou de uma “hierarquia de verdades”. Os dogmas fundamentais do cristianismo resumem a essência da fé cristã. Estes são, por exemplo, a ressurreição de Cristo ou o fato de que Cristo é ao mesmo tempo plenamente homem e o Filho único de Deus. Estas são referências estruturantes.
Mas o padre Sesboüé também disse que esses dogmas devem ser constantemente explicados, traduzidos e interpretados... que não devemos repetir incessantemente as fórmulas do passado, mas ser capazes de refleti-las em novas linguagens. Ele gostava de dizer que o dogma é um “quer dizer”. Mesmo que às vezes pareça complicado em sua formulação – por exemplo, o termo “consubstancial ao Pai” para falar de Jesus Cristo – é uma explicação do que é dado na fé cristã.
No campo da eclesiologia escreveu 'História e Teologia da infalibilidade da Igreja' (Loyola, 2021)... Qual era a sua visão da Igreja?
Ele tinha um profundo senso da Igreja. Ele a via como a comunidade daqueles e daquelas que compartilham a fé em Cristo tal como transmitida pelo Credo. Nesta área, ele refletiu muito sobre a questão dos ministérios (as missões confiadas aos membros da Igreja, nota do redator.). Seguindo o teólogo Yves Congar, ele sublinhou que os ministérios ordenados (bispos, padres, diáconos) estavam a serviço desta Igreja, vista como o Povo de Deus segundo a insistência do Concílio Vaticano II.
Ele também desenvolveu uma reflexão sobre os leigos encarregados da missão. Exortou a reconhecer o estatuto profundo destas missões confiadas aos leigos, mostrando que não são simplesmente serviços entre outros ou um simples encargo administrativo, mas um verdadeiro ministério, ainda que não seja “ordenado” como para os sacerdotes.
Bernard Sesboüé reconheceu que sua época era a da passagem de uma “cristologia de cima para uma cristologia de baixo”. O que isso significa?
Até meados do século XX, quando refletíamos sobre Cristo, tendíamos a considerá-lo desde sua condição eterna de “Verbo de Deus junto de Deus”, e a partir daí refletíamos sobre sua encarnação. Isso é “cristologia de cima”.
No entanto, o padre Sesboüé, como outros teólogos antes dele, como Rahner ou Pannenberg, salientou que era necessário primeiro considerar o homem Jesus de Nazaré e depois procurar ver como Jesus poderia ter sido reconhecido pela comunidade cristã como filho de Deus. Isso é “cristologia de baixo”.
Partimos de uma história concreta e como ela é contada pelos Evangelhos. Mas não se trata de ficar “embaixo” enquanto se tenta explicar a divindade de Jesus. A esse respeito, o padre Sesboüé teve uma polêmica com Frédéric Lenoir, que havia escrito Comment Jésus est devenu Dieu (Como Jesus se tornou Deus). Ele escreveu um livro para respondê-lo e mostrar que desde o início Jesus Cristo era o filho único do Pai.
O diálogo ecumênico ocupou uma parte importante da sua vida. Ele foi um membro notável da Comissão para o Diálogo Reformado-Católico Internacional e participou durante 40 anos do Groupe des Dombes, um grupo de diálogo ecumênico entre católicos e protestantes de língua francesa. Como ele concebia sua relação com o protestantismo?
Foi extremamente importante para ele. Ele consagrou muita energia, tempo e trabalho nisso. Ele viu o ecumenismo de uma forma ao mesmo tempo exigente e aberta. Nisto ele demonstrou uma notável aliança de lealdade à tradição católica e de grande abertura.
Para ele, isso não consistiu em vender suas próprias convicções. Mas preocupou-se em ir o mais longe possível no diálogo para tentar dissipar os mal-entendidos do passado, a fim de caminhar para uma maior comunhão.
Bernard Sesboüé faz parte dessa geração de padres recém ordenados na época da abertura do Vaticano II. Como esse período o marcou?
Eu o ouvi falar várias vezes sobre o dia da abertura do Concílio Vaticano II. Ele estava em Roma naquela época para seus estudos. Gostava de recordar a forma como João XXIII se dirigia aos presentes na Praça de São Pedro. Além do anedótico, o concílio o marcou muito.
Posteriormente, os seus trabalhos eclesiológicos foram marcados pela obra conciliar. Ele é um daqueles que desenvolveram uma “eclesiologia de comunhão”, isto é, uma concepção da Igreja que coloca sobretudo a ênfase nas relações de comunhão que devem existir no seio do Povo de Deus.
Até meados do século XX, havia uma tendência de ver a Igreja segundo um esquema hierárquico (papa, bispos, padres e fiéis comuns). No entanto, na Lumen Gentium, o concílio começa falando do mistério da Igreja como Povo de Deus, e só depois fala da hierarquia.
Como ele experimentou o declínio do cristianismo em nossa sociedade? E as várias reações que isso provoca entre os católicos?
Ele estava muito consciente do declínio do cristianismo nos países da Europa. Essa sensibilidade o encorajou a tentar encontrar palavras que tornassem o cristianismo audível e compreensível. Por exemplo, ele escreveu Croire, invitation à la foi catholique pour les femmes et les hommes du XXIe siècle (Crer, convite à fé católica para mulheres e homens do século XXI). Ele estava, portanto, tentando alcançar as mulheres e os homens do nosso tempo em uma situação em que muitos estão se afastando da Igreja. Além disso, ele foi particularmente sensível à questão do pluralismo religioso, que assumiu uma importância crescente nos últimos 20 ou 30 anos.
Estamos aqui no limiar do que poderia ser a grande questão do século XXI: como explicar a unicidade de Cristo em um momento em que estamos cada vez mais conscientes do pluralismo religioso? Com o risco de um relativismo puro e simples que colocaria o cristianismo como uma religião entre outras. Ao mesmo tempo, ele estava muito consciente de que era essencial respeitar os outros crentes. Mas a preocupação com o respeito não deve ser um álibi para deixar de lado a fé em Jesus Cristo. Portanto, esse foi um grande desafio para ele.
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“Bernard Sesboüé é um dos que desenvolveram uma ‘eclesiologia de comunhão’”. Entrevista com Michel Fédou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU