16 Setembro 2021
"A perspectiva para as próximas décadas é de um panorama de decrescimento populacional, menor crescimento econômico, descarbonização da economia e uma desejada redução da poluição e da degradação ambiental", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 15-09-2021.
“Em termos simples, embora não seja a solução completa, a estabilização ou declínio das populações nacionais em todo o planeta tornarão muito mais fácil para os países reduzirem a queima de combustíveis fósseis e as emissões de gases de efeito estufa, bem como abordar de forma mais eficaz a degradação ambiental, a perda de biodiversidade, a poluição e o esgotamento dos recursos naturais”
Joseph Chamie
Nesta situação, muitos analistas dizem que a China vive uma “crise demográfica” e que a diminuição do número de trabalhadores vai prejudicar a economia e que o envelhecimento populacional vai inviabilizar o crescimento da renda per capita. Reforça isto que o governo chinês deixou para trás de vez a política de filho único. Desde 2015 já era possível os casais terem 2 filhos e agora é possível ter o 3º filho.
Contudo, não é esperado uma recuperação expressiva da taxa de fecundidade. Mesmo que a fecundidade suba, o mais provável é que o número médio de filhos permaneça abaixo do nível de reposição. Como a China não apoia uma imigração em massa, a tendência de decrescimento populacional deve ser o “novo normal” ao longo do atual século.
Todavia, a China está se preparando para lidar com a nova dinâmica demográfica do pais. O gráfico abaixo, com base nos dados do FMI, mostra que a China mantém elevadíssimas taxas de poupança e investimento, bem superiores às do Brasil. Mesmo quando a renda per capita (em termos constantes em paridade de poder de compra – ppp) da China era bem menor que a brasileira, as taxas de poupança já eram maiores. Atualmente são mais do dobro.
Foto: EcoDebate
Com o enriquecimento da China as taxas de poupança e investimento aumentaram ainda mais, ficando acima de 40% do PIB. Outra característica é que a China é exportadora de poupança (capitais) e o Brasil é importador. Isto significa que a China aproveitou o 1º bônus demográfico e está aproveitando, também, o 2º bônus demográfico, enquanto o Brasil parece preso na armadilha da renda média. Agora que a população ativa (15-64 anos) da China já está diminuindo, o gigante asiático se prepara para aproveitar o terceiro bônus demográfico.
O artigo “Population Aging and the Three Demographic Dividends in Asia”, de Ogawa e colegas (2021), mostra que é possível aproveitar o 3º bônus demográfico em função do aproveitamento do potencial de inserção da população idosa no mercado de trabalho, que tem o efeito de contrabalançar a diminuição da PIA. Assim, o processo de envelhecimento não implica necessariamente em cair na armadilha da renda média como no Brasil atual. Com altas taxas de investimento a China cria empregos e avança com a tecnologia permitindo que o conjunto da força de trabalho fique mais produtiva, especialmente a população idosa.
O artigo de Bert Hofman (East Asia Forum, 6/06/2021) mostra que os novos números da população da China não condenarão seu crescimento econômico. Embora a demografia apresente diversos desafios, é improvável que o ímpeto econômico da China nas próximas duas décadas seja desviado do curso e suas redefinições de políticas são projetadas para enfrentar o obstáculo ao crescimento no longo prazo. Por exemplo, a China, com uma estrutura etária mais envelhecida do que a brasileira, mantém taxas de crescimento econômico muito superiores.
A questão demográfica não é o tema mais controverso na China atual e espera-se que os erros da “política de filho único” não se repitam. O presidente Xi Jinping – que já está com uma nova “reeleição” garantida em 2022 – tem promovido uma onda de regulação, afetando as maiores empresas de tecnologia da China, como Alibaba e Tencent, o setor educacional, cultural, etc. O perigo é o governo adotar medidas autoritárias que inviabilizem o espírito inovador do povo chinês.
As medidas regulatórias da China ocorrem quando o país muda de foco, passando do crescimento econômico desregrado para o objetivo da “prosperidade comum”, isto é, com o foco na redução da desigualdade social.
Assim, ao invés de pensar em manter o crescimento populacional a China está se preparando para crescer economicamente com menor desigualdade, na perspectiva de uma população menor e com uma estrutura etária mais envelhecida ao longo do século XXI.
Maior prosperidade contribui para manter as taxas de fecundidade em níveis baixos. Além de tudo, menor proporção de jovens e adultos contribui para a descarbonização da produção e do consumo. A prática de fazer uma jornada de trabalho 996, ou seja, das 9 horas da manhã às 9 horas da noite, seis dias por semana, deve ceder espaço para uma jornada menos estressante e com mais qualidade de vida.
Desta forma, o caminho para o enriquecimento do país parece ser avançar com a tecnologia, a educação e a produtividade, para aproveitar o segundo e o terceiro bônus demográfico e aumentar o bem-estar (“prosperidade comum”).
A perspectiva para as próximas décadas é de um panorama de decrescimento populacional, menor crescimento econômico, descarbonização da economia e uma desejada redução da poluição e da degradação ambiental.
ALVES, JED. Bônus demográfico no Brasil: do nascimento tardio à morte precoce pela Covid-19, R. bras. Est. Pop., v.37, 1-18, e0120, 2020. Disponível aqui.
Naohiro Ogawa, Norma Mansor, Sang-Hyop Lee, Michael R.M. Abrigo, and Tahir Aris. Population Aging and the Three Demographic Dividends in Asia. Asian Development Review, vol. 38, no. 1, pp. 32–67, 2021. Disponível aqui.
Bert Hofman. China’s new population numbers won’t doom its growth, East Asia Forum, 6 June 2021. Disponível aqui.
Joseph Chamie. Too hot for climate change: Limiting population growth, The Hill, 26/08/2021. Disponível aqui.
ALVES, JED; CAMARANO, AA. Tendências demográficas e pandemia de covid-19, Webinário IPEA, 23/06/2021. Disponível aqui.
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Envelhecimento populacional e terceiro bônus demográfico na China. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU