06 Agosto 2021
O teólogo e historiador da Igreja pede a Francisco para atualizar as regras do conclave.
A reportagem é de Jordi Pacheco, publicada por Religión Digital, 04-08-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
As modificações introduzidas pelo Papa Francisco no Colégio Cardinalício durante os últimos anos refletem um claro afã de “deseuropeizar” a Igreja com a nomeação de cardeais de países que não pertencem ao Velho Continente. Não obstante, apesar de se tratar de uma mudança de grande calibre no seio da instituição, Bergoglio cumprirá 85 anos em dezembro, e ainda tem pendente atualizar as regras do conclave, coisa que deve fazer logo se quiser evitar males maiores na Igreja.
Esta é a mensagem que o teólogo e historiador da Igreja, Massimo Faggioli, apresenta em um dos seus últimos artigos, publicado em 20 de julho por La Croix International, em inglês (e publicado em português pelo IHU). Em uma tentativa de refletir para dar resposta a “perguntas urgentes” sobre o próximo conclave, Faggioli recupera e amplia as contribuições que outro conhecido historiador, Alberto Melloni, fez sobre o tema.
Melloni e Faggioli coincidem em que “Francisco não está obrigado a atualizar as regras do conclave”, porém instam ao Papa a fazê-lo. Por duas razões: a primeira, as novas normas promulgadas por Bergoglio para combater os abusos sexuais do clero, que entre outras coisas abordam o fato de que os bispos não atuem com decisão contra estes atos. “Este sistema – aponta Faggioli – pode adotar as vezes a forma de uma ‘justiça redistributiva’ em detrimento da equidade, desencadeada pela pressão externa para reprimir o clero submetido à crítica pública”. A segunda razão: as mudanças canônicas de Francisco, que poderiam expor os cardeais a acusações instrumentais. Isso levanta a possibilidade de que sejam excluídos do conclave ou, ao menos, da lista de possíveis candidatos ao papado.
Essas novidades constituem uma ameaça à liberdade do próximo conclave. “Sem algumas mudanças na constituição que rege o conclave, o século XXI poderia significar o regresso de um formidável poder de veto capaz de mudar o resultado da eleição papal. Um poder de veto que já não exercem os monarcas católicos, mas sim os novos impérios das redes sociais e aqueles que tem o conhecimento para usá-las ou o interesse em ameaçar com usá-las”, adverte Faggioli alinhando-se com o levantamento feito por seu colega Melloni.
Quatro são as propostas que os dois historiadores colocam sobre a mesa.
A primeira: intensificar o conclave, isto é, que todos os cardeais que comparecerem às eleições sejam obrigatoriamente hospedados na residência de Santa Marta (onde vive Bergoglio) assim que chegarem a Roma, em vez de esperar o início efetivo do conclave.
Segunda recomendação: que as reuniões diárias antes do conclave de todos os cardeais, incluindo os não eleitores com mais de 80 anos, incluam reuniões em um ambiente confidencial apenas para os eleitores.
Terceira proposta: mudar a frequência de votação. Apenas um voto diário durante os primeiros três dias; dois votos diários para os próximos três dias; e quatro durante os próximos três dias. De acordo com Melloni, essas circunstâncias dariam às“diferentes facções” do conclave mais tempo para debater e aliviariam os cardeais da pressão da mídia para produzir um novo papa rapidamente.
Quarta proposta: as novas regras devem dar ao cardeal que recebeu votos suficientes para se tornar papa mais tempo para orar, refletir e examinar sua consciência. Esse fato permitiria que ele pensasse com cuidado se há algo em seu passado (como quando ele teve que lidar com casos de abuso) que poderia colocar em dúvida a eleição papal. Esta proposta não tem outro propósito senão evitar a todo custo os riscos de eleições precipitadas.
“A tentativa de Viganò e outros de derrubar o Papa em agosto de 2018 foi o equivalente eclesiástico do ataque ao Capitólio em Washington em 6 de janeiro por partidários de Donald Trump”, argumenta Faggioli para ilustrar a forte divisão na Igreja Católica dos Estados Unidos em relação com o pontificado de Bergoglio. Nesse sentido, o historiador alerta que no próximo conclave haverá um vácuo de poder em Roma que não existia em agosto de 2018, quando ocorreu o caso Viganò. “A situação pode ser muito mais perigosa do que muitos esperam. É ingênuo supor que aqueles que sempre acusaram Francisco de não ser verdadeiramente católico se absterão de fazer todo o possível para conseguir o que querem no próximo conclave”, diz.
A recente hospitalização do Papa no Gemelli em Roma é outra razão dada por Faggioli para justificar a periculosidade da situação em face de um próximo conclave. “Ainda não está claro como será a recuperação de um homem de sua idade avançada, mas alguns já começam a especular se ele conseguirá continuar liderando a Igreja”, reflete o historiador.
Nesse contexto, ninguém deve se surpreender, então, que tenham começado rumores e discussões sobre quem são os cardeais que a curto ou médio prazo poderão suceder ao Papa argentino. Segundo Faggioli, apesar de a decisão de Francisco de revogar Summorum pontificum (carta apostólica de Bento XVI que dá maior facilidade de uso da missa latina) ser um sinal de sua determinação, “alguns interpretarão como um ato precipitado diante da deterioração de sua saúde e a proximidade do fim de seu pontificado”.
Faggioli conclui sua declaração com uma crítica construtiva ao Santo Padre. “O Francisco pode ser um legislador eficaz e incisivo, como vimos em muitas outras áreas. Mas às vezes ele é muito relutante em mudar os mecanismos institucionais. Em vez disso, ele prefere iniciar reformas espirituais de longo prazo para mudar os caminhos da Igreja no futuro”.
Bergoglio deve, portanto, se apressar em atualizar as regras do conclave e não presumir que pode esperar até o final de seu pontificado para fazê-lo. “Este é um assunto urgente que deve ser tratado imediatamente. Provavelmente a maior mudança desde os dois últimos conclaves é o poder dos influenciadores católicos nas mídias tradicionais e nas mídias digitais e sociais”, diz Faggioli.
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“Os opositores de Francisco poderão influenciar decisivamente na eleição do novo Papa”, afirma Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU