26 Julho 2021
Pela primeira vez, a Administração do Patrimônio Sé Apostólica tornou público seu balanço e pelo segundo ano fez o mesmo que a Secretaria para a Economia, apesar da crise pela pandemia, os resultados não foram tão ruins.
A reportagem é de Elisabetta Piqué, publicada por La Nación, 24-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A dias de um inédito julgamento que começará na terça-feira, e que vê no banco dos réus um cardeal – Angelo Becciu – e outras nove pessoas, por desvio de fundos e corrupção, o Vaticano lançou hoje uma operação transparência, também sem precedente.
Pela primeira vez na história, a Administração do Patrimônio da Sé Apostólica (APSA) publicou seu balanço financeiro de 2020 junto a um detalhado balanço financeiro, no qual revelou que administra 4051 imóveis na Itália e 1200 no exterior. Ao mesmo tempo, a Secretaria para a Economia (SPE), isto é, o superministério de Economia criado pelo Papa Francisco, publicou pelo segundo ano seu balanço consolidado de 2020, que surpreendeu porque, mais além dos prognósticos pessimistas que foram feitos no ano passado devido à crise causada pela pandemia, ao final das contas não saíram tão mal.
“2020 foi um ano difícil, mas ao final foi melhor do que o previsto”, explicou o jesuíta espanhol Juan Antonio Guerrero Alves, à frente da SPE há um ano e meio, que destacou que o déficit que finalmente teve – de 66,3 milhões de euros – foi melhor do que se havia estimado no melhor dos cenários levantados e que se utilizou menos dinheiro do Óbolo de São Pedro que no passado, para sustentar gastos relacionados com a missão da Igreja.
“A boa notícia é que, graças aos esforços feitos, os resultados se aproximam muito aos de um ano normal”, disse Guerrero, que em uma entrevista ao Vatican News destacou que se reduziram os gastos ordinários da Cúria Romana em 26 milhões de euros – um corte não somente devido à racionalização, mas também pela falta de viagens, congressos e demais devido à pandemia de covid-19 e a um ajuste de salários –, ainda que se aumentaram os gastos para ajudar as Igrejas mais necessitas. Ao mesmo tempo, houve uma baixa na receita de 11,6 milhões pelos vários meses de Museus Vaticanos, catacumbas e escritórios de viagens fechados pelo confinamento. Trata-se de uma perda que de todos os modos se equilibrou com uma redução de gastos de 4,9 milhões na administração dessas mesmas atividades, pelo que a perda líquida foi de 6,7 milhões de euros.
Poucos dias antes do início do julgamento por corrupção, fraude e desvio de fundos reservados da Secretaria de Estado, contra o defenestrado cardeal Angelo Becciu e outras nove pessoas, entre as quais uma mulher, Cecilia Marogna, Guerrero Alves destacou a importância deste processo. “Acho que marca uma virada que pode levar a uma maior credibilidade da Santa Sé em questões econômicas”, disse ele. “Acima de tudo, esse processo nos fala sobre um passado, um passado recente, mas um passado. Sempre pode haver erros, mas hoje não vejo como os acontecimentos do passado podem se repetir”, disse, referindo-se à origem do julgamento, ou seja, o escândalo financeiro causado pela compra milionária de um imóvel em Londres, realizado pela Secretaria de Estado com dinheiro do Óbolo de São Pedro.
Este edifício, que pertencia a Harrod's, está localizado no charmoso bairro de Chelsea, e foi objeto de um verdadeiro golpe que envolveu corretores duvidosos, já foi colocado à venda e o Vaticano espera recuperar pelo menos 200 milhões de euros. O balanço consolidado evidencia que graças à renegociação do empréstimo implícito naquele investimento maluco, pelo qual se pagou anteriormente uma taxa de juro impossível de 7,7%, enquanto agora é de 0,7%, um ativo de 85,5 milhões de euros.
Guerrero enfatizou o fato de que se o Vaticano realiza este julgamento “isso significa que os controles internos funcionaram: as acusações vieram de dentro do Vaticano”. “Há anos as medidas adotadas vão na direção certa”, considerou, lembrando que já com Bento, papa emérito, começaram a funcionar órgãos de controle interno e que o Papa Francisco criou em 2014 o Conselho de Economia, a SPE, o Escritório do Auditor Geral e recentemente promulgou vários decretos sobre questões “que tornaram a economia do Vaticano mais transparente”.
Em sintonia, o bispo italiano Nunzio Galantino, presidente da APSA, também se manifestou. Em outra entrevista ao Vatican News, frisou que tornar público pela primeira vez o balanço da entidade que dirige “é certamente um passo à frente na linha da transparência e intercâmbio”. Por vontade do Papa Francisco, a APSA nos últimos anos tornou-se o Banco Central do Vaticano e, desde o ano passado, também administra os recursos que foram retirados da Secretaria de Estado. “É uma nova cultura, não apenas administrativa, que deve ser assumida aos poucos. Isso exige a definição de novos procedimentos que garantam modelos de gestão cada vez mais corretos e transparentes. Facilmente rastreável e aberto a qualquer controle. Estamos trabalhando nisso, mas estamos em um bom momento”, disse o prelado. “As nossas energias estão direcionadas para uma administração credível e fiável, mas também eficaz e eficiente, permitindo-nos ser guiados por processos de racionalização, transparência e profissionalismo também exigidos pelo Papa Francisco”, sublinhou.
De acordo com o balanço apresentado pela APSA, que apresenta uma síntese das funções do órgão, que são a gestão de bens imóveis e móveis (gestão de investimentos em valores mobiliários e fundos) e outras atividades, durante o ano de 2020 teve um déficit de 51,2 milhões, devido à crise provocada pela pandemia que, entre outras coisas, significou uma redução do valor das rendas. Em todo o caso, a APSA contribuiu para cobrir o déficit da Cúria com 20,6 milhões.
Mas também não foi um ano tão terrível. O patrimônio líquido da APSA, que é de 883 milhões de euros, com efeito, perdeu apenas 3,2 milhões face a 2019, que foi de 886 milhões de euros. A APSA administra 4051 imóveis na Itália, para uso residencial e comercial, escolas, conventos, e 1200 no exterior, em Londres, Paris, Genebra e Lausanne, e na Itália com sociedades participadas. Embora se soubesse que a APSA tem nas mãos um imenso tesouro, é a primeira vez que se explica e se detalha o que é, no quadro da operação de transparência e limpeza promovida desde o início de seu pontificado pelo Papa Francisco, um papa “outsider”, do fim do mundo.
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A poucos dias de um grande julgamento por corrupção, o Vaticano lança uma “operação transparência” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU