04 Janeiro 2021
“Com este ato, o papa quis levar a cabo uma das reformas da Cúria Romana que lhe era muito cara e invocada por muitos. Refiro-me à racionalização do setor administrativo-financeiro da Santa Sé. Trata-se de uma reforma já introduzida pelo Papa Bento XVI. Francisco deu uma aceleração decisiva, até definir as suas formas e os seus prazos de implementação, como afirma o motu proprio. Certamente, o caso do investimento no imóvel em Londres tornou mais urgente um caminho que, porém, vem de longe.”
É o que afirma Dom Nunzio Galantino, presidente da Administração do Patrimônio da Santa Sé (APSA), depois do motu proprio dessa terça-feira, 29, com o qual o papa confiou os fundos da Secretaria de Estado à APSA, após os escândalos relacionados à compra por parte da Santa Sé de um imóvel em Londres.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada em La Repubblica, 30-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O que o motu proprio envolve?
Reconhece-se à APSA o papel de única instituição habilitada na Santa Sé a gerir e administrar o patrimônio mobiliário e imobiliário. Assim, o número de pessoas habilitadas à administração foi reduzido. No entanto, não se deve esquecer que, no exercício das suas funções, a APSA está submetida a rígidos controles internos e externos. O mais imediato é o controle exercido pela Secretaria para a Economia. A Secretaria de Estado, que até então também tinha uma função administrativa, deixa de tê-lo. Ela atuará com um orçamento próprio, como todos os outros dicastérios. Assim, poderá realizar com todas as suas energias e os seus recursos as tarefas próprias do dicastério que mais diretamente colabora com a missão pastoral do papa em toda a Igreja.
A Secretaria de Estado abusou do dinheiro do Óbolo de São Pedro?
Eu já disse – e, se não foi entendido, eu repito – que este motu proprio não nasceu para corrigir distorções verdadeiras ou presumidas por parte da Secretaria de Estado. Certamente, há partes que dizem respeito à Secretaria de Estado, mas o texto tem um objetivo muito mais ambicioso, do ponto de vista estrutural e eclesial. Ao definir procedimentos administrativos claros, controláveis e controlados, pretende-se dar uma resposta credível à justificada desorientação – às vezes, escândalo – de tantos fiéis que apoiaram e continuam apoiando com as suas ofertas generosas a atividade de evangelização e de caridade da Igreja. Os fiéis têm o direito de saber como são geridos os recursos que nos são confiados. E nós temos a obrigação de fazer isso com transparência. É uma forma, entre outras, de envolver todos na missão da Igreja. Imagine que esse também era o sonho de Antonio Rosmini nas “Cinco Chagas da Santa Igreja”. Obra que lhe rendeu uma condenação.
Pell falou sobre tensões com a Secretaria de Estado por causa de dinheiro. O senhor percebeu resistências à vontade do papa de reformar as finanças?
É inútil esconder isso. Não só na Igreja, mas por toda a parte, diz-se que todos querem as reformas, mas ai de quem as põe seriamente em ação! Não conheço as relações do cardeal Pell com a Secretaria de Estado ou com outros órgãos vaticanos. Eu estava em outro lugar naquela época. Certamente, uma nova forma de conceber a administração, também entre nós, é algo que custa a ser recebido de imediato. A sincera colaboração que se estabeleceu nos últimos meses entre a Secretaria de Estado, a Secretaria para a Economia e o dicastério que eu presido realmente me dá uma boa esperança. É claro que o papa, com esse documento, indicou caminhos e tempos certos de implementação. Não há lugar para fazer “catimba”.
Que mandato o senhor recebeu com a nomeação para a APSA?
O papa, pela clareza com que fala e age, não precisava me confiar mandatos especiais nem perigosos papéis de comissário. Quando ele me pediu para deixar a Secretaria-Geral da Conferência Episcopal Italiana para me mudar para o Vaticano, eu entendi que ele me pedia para apoiar, na medida do possível, o processo de renovação que eu já estava implementando com o envolvimento de outras pessoas. E, consequentemente, dei-me conta de que ele me pedia para atuar no âmbito administrativo (que não é exatamente aquele em que eu havia gasto as minhas energias até então) com lealdade à Igreja.
Que contribuição a Igreja pode dar à crise econômica?
A primeira e mais importante contribuição que a Igreja é chamada a dar é aquela ligada à sua missão, feita de anúncio e de testemunho. Anunciar e testemunhar Cristo neste período difícil é de grande importância. Sobretudo porque isso significa anunciar e testemunhar uma esperança enraizada no Evangelho. Um Evangelho que, também graças ao nosso testemunho, pode ser acreditado como verdadeiro e possível. Em todas as suas partes, incluindo aquelas nas quais ele nos convida a nos colocarmos nos passos de Cristo, irmão de todos. Precisamente de todos. Principalmente daqueles que, segundo as lógicas humanas, não têm nenhuma importância.
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“Chega de ‘catimba’. Depois dos escândalos financeiros, era preciso uma reforma de verdade.” Entrevista com Nunzio Galantino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU