28 Junho 2021
"É possível que um papa tão moderno tenha aprovado uma medida – embora diplomática – tão reacionária? É o que muitos se perguntam, suspeitando de conspirações palacianas que o atrapalham, e ele nada faz para esclarecer a situação".
A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade de Roma La Sapienza. O artigo foi publicado por La Stampa, 25-06-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há alguns dias, a polêmica entre o Vaticano e o projeto de lei Zan inflama os ânimos e suscita debates apaixonados. São três as principais questões sobre as quais os comentaristas e os políticos entraram em confronto.
A primeira diz respeito à suposta “ingerência” do Vaticano na política italiana: à parte o fato evidente de que, quando outra identidade institucional como a União Europeia faz as ingerências, a evidente ingerência é considerada uma correta intervenção sancionatória, devemos lembrar que, no nosso caso, não se trata de uma ingerência de tipo moral, mas de uma nota diplomática de teor jurídico que não contém juízos morais, mas denuncia a possível infração de pactos estipulados entre dois Estados.
Não se trata de um juízo moral sobre o projeto de lei, de fato, muito menos sobre a homossexualidade ou a transexualidade, mas da sinalização de um risco que se corre devido à definição vaga demais daquilo que é lícito afirmar sobre esses assuntos, isto é, sobre a liberdade de expressão para quem não compartilha a ideologia de gênero ou a hipótese de casamento homossexual. O juízo em torno do grau de periculosidade das afirmações de tais pessoas é confiado a um magistrado e, portanto, depende da sua opinião sobre a matéria, em vez de ser garantida por princípio a liberdade de pensamento e de expressão a todos.
Por exemplo, corre-se o perigo de que as escolas católicas sejam obrigadas a ensinar a teoria do gênero, aliás amplamente discutida também por cientistas e filósofos seculares. Recentemente, vimos um exemplo disso na Espanha, onde, devido a uma lei mal feita, dois párocos foram chamados a se defender no tribunal por afirmações desse teor. É muito provável que eles serão absolvidos, mas já é um dano que eles sejam obrigados a se defender, um dano para eles, mas sobretudo para a sociedade espanhola, porque tal processo revela uma grave tendência à limitação da liberdade de pensamento.
Certamente, a suspeita bastante generalizada contra o Vaticano leva a entender como é pouco crível, aos olhos do italiano médio, o papel que hoje ele se atribuiu de defensor do pensamento livre. Ainda estão vivas demais as recordações de uma Igreja que pede obediência às suas normas sem aceitar discussão, mas a história nos ensina que mesmo essa instituição – quando se encontra a experimentar na sua pele a falta de garantias – é capaz de redescobrir o seu valor e de se tornar sua paladina incansável.
Como sempre, quando se fala de Igreja, o pensamento vai ao papa, e especialmente hoje se impõe o olhar sobre um papa midiático como Francisco, do que se busca desesperadamente captar a posição, aprioristicamente considerada como aberta e progressista.
É possível que um papa tão moderno tenha aprovado uma medida – embora diplomática – tão reacionária? É o que muitos se perguntam, suspeitando de conspirações palacianas que o atrapalham, e ele nada faz para esclarecer a situação: é possível que ninguém ainda se tenha resignado à evidência de um pontífice que, conscientemente, envia mensagens contraditórias ao mundo, talvez para sugerir aos fiéis que pensem seguindo a sua consciência, em vez de pedir obediência às diretrizes da instituição?
O fato é que, quase paradoxalmente, mas sem dúvida, com essa nota diplomática, a Santa Sé demonstrou que está alinhada com o pensamento de Rosa Luxemburgo, que escreveu: “A liberdade é sempre e somente a liberdade de quem pensa diferente”.
No dia 21 de julho de 2021, às 10h, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza a conferência A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas, a ser ministrada pelo MS Francis DeBernardo, da New Ways Ministry – EUA. A atividade integra o evento A Igreja e a união de pessoas do mesmo sexo. O Responsum em debate.
A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas
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Aquela ambiguidade do Papa Francisco. Artigo de Lucetta Scaraffia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU