30 Junho 2021
Bispos em muitos países estão ainda relutantes em abrir a discussão entre o povo e estão tentando limitar aqueles que podem falar sobre.
O artigo é de John O'Loughlin Kennedy, economista aposentado com estudos de pós-graduação na Universidade da Califórnia (UCLA). Ele e sua esposa, Kay, fundaram a Concern Worldwide em 1968, que atualmente emprega 3.800 pessoas em projetos de assistência humanitária e desenvolvimento médico, educacional e econômico em 28 dos países mais pobres do mundo, publicado por La Croix International, 24-06-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Na primeira parte deste ensaio, destaquei a sinodalidade visada pelo Papa Francisco para a Igreja.
Essa seria caracterizada por um diálogo aberto e contínuo entre o povo de Deus em todos níveis, escutando e considerando as visões uns dos outros.
A resposta de algumas conferências episcopais nacionais apenas começou, mas a diferença entre teoria e realidade já está começando a ser demonstrada.
Na Alemanha, o Caminho Sinodal (“der synodaler Weg”, em alemão) está em curso, mas causando ansiedade no Vaticano. Já vimos que há tentativa de limitar seu escopo.
Algumas autoridades na Cúria Romana sugeriram que o Caminho Sinodal deveria excluir a discussão de doutrinas, mesmo secundárias ou derivativas, que não tem reivindicação de infalibilidade, mas manifestam necessidade de atualização.
Felizmente, os bispos alemães parecem estar suficientemente unidos para lidar com as pressões da Cúria e ouvir o Papa Francisco.
E a Igreja Alemã tem sido tratada com respeito. É uma rede substancial de contribuição aos cofres vaticanos.
Na Austrália, a preparação para o Concílio Plenário está em estágio avançado.
Tudo começou com um processo de escuta. Os fiéis foram solicitados a dar conselhos e sugestões. Isso evocou 17.457 respostas — 4.700 de indivíduos e não menos que 12.757 de grupos.
Algumas das contribuições foram bastante extensas, incluindo uma de um grupo de Melbourne, Catholics for Renewal, que foi publicada em formato de livro, com 350 páginas, intitulado “Getting Back on Mission” (“Voltando à Missão”, em tradução livre).
No geral, houve uma demonstração surpreendente de preocupação em um país que viu a participação na missa cair de 74 por cento dos católicos em 1954 para 12 por cento em 2016.
Como era de se esperar, depois de tudo o que a Igreja Católica na Austrália passou, as respostas incluíram algumas propostas radicais e sugestões criativas para construir um futuro melhor.
A sua análise e classificação para decidir o que necessitava da atenção do Concílio Plenário foi feita em três fases.
A primeira análise foi feita em nível diocesano e deu indicações claras sobre o peso da preocupação dos fiéis com as várias categorias da reforma. Quando esses relatórios foram reunidos para o relatório nacional, no entanto, as ponderações relativas tornaram-se vagas.
Isso pode ter resultado de variações em como as categorias foram definidas em nível diocesano, o que impediria que fossem simplesmente somadas.
Infelizmente, o relatório nacional foi publicado antes da análise diocesana. Isso obscureceu a extensão da preocupação entre os fiéis sobre as diferentes questões e abriu a porta para limpar a agenda final.
O próximo estágio de destilação fez exatamente isso. Publicado sob o título de Continuando a Jornada, é o Instrumentum Laboris (documento de trabalho) que servirá de base para a agenda do concílio.
Foi o trabalho de uma equipe composta por um bispo, um padre e dois funcionários leigos da igreja, um homem e uma mulher. Eles trabalharam a portas fechadas e consultaram a burocracia em Roma, que procurou por algumas mudanças antes de dar sua aprovação.
O resultado parece ter sido influenciado pelo sentimento anti-Francisco na Cúria.
Como vimos, permitir que tudo seja discutido teria impacto sobre o poder ilimitado do papado. A aprovação oficial do Instrumentum Laboris pela cúria tem o lamentável efeito colateral de estabelecer limites para a agenda do Concílio Plenário.
No que diz respeito às propostas de mudanças significativas para remediar os problemas da Igreja, poderia muito bem ter sido intitulado “Fim da Jornada”. Foi saudado com consternação por grupos reformistas. Todas as sugestões desafiadoras e realmente criativas foram editadas.
Em um artigo recente publicado pela La Croix International, o professor John Warhurst, presidente do Concerned Catholics Canberra Goulburn (CCCG), é crítico da suavidade e da natureza discreta das propostas que sobreviveram à destilação posterior.
O CCCG publicou uma análise detalhada das várias etapas de preparação organizadas pelos bispos. Em cada estágio, as sugestões desafiadoras foram progressivamente minimizadas até o ponto em que puderam ser praticamente ignoradas na agenda final.
Longe de responder ao chamado do Papa por uma renovação aberta, os bispos estão insistindo na ofuscação e a velha defensiva secreta – e isso com a aprovação da Cúria Romana.
Os bispos australianos são particularmente conscientes da necessidade de manter boa relação com a cúria desde a demissão abrupta de 2011, sem o devido processo, do bispo William Morris, de Toowoomba.
Ele ousou questionar os regulamentos atuais que o impediam de cumprir suas responsabilidades episcopais.
Ele havia feito algumas propostas para enfrentar a fome sacramental em sua diocese, onde estava tentando cobrir uma área de meio milhão de quilômetros quadrados, quase igual ao tamanho da França, com menos de cinquenta padres!
Dada a escala e a urgência dos problemas que a Igreja enfrenta, a agenda que está se formando é cautelosa demais. Corre o risco de perder a rara oportunidade oferecida por um Concílio Plenário para uma resposta eficaz aos problemas.
O professor Warhurst será um dos membros leigos do Concílio. Ele expressou preocupação de que os juramentos obrigatórios de fidelidade sejam invocados para evitar que levantem questões realmente importantes que estão faltando na agenda.
No entanto, uma aplicação estrita do direito canônico poderia oferecer alguma liberdade inesperada a esse respeito.
Tudo isto indica um Concílio que sofrerá das mesmas limitações que criaram os problemas do passado e impediram a sua solução.
Não foi o conselho de Winston Churchill, que nunca se deve desperdiçar uma boa crise?
Recentemente, após cerca de cinco anos de orientação do Papa Francisco, as conferências episcopais da Itália e da Irlanda anunciaram que iniciarão o processo de planejamento para os sínodos nacionais.
Na Irlanda, os preparativos devem durar mais cinco anos, quando o papa jesuíta, se sobreviver, terá 92 anos de idade!
Os bispos católicos da Inglaterra e do País de Gales ainda não anunciaram qualquer resposta semelhante ao papa. Isto é incompreensível.
Quando realizaram um Congresso Nacional de Pastoral em Liverpool em 1980, pelo menos 2 mil pessoas compareceram. O relatório final, condensado pelos bispos em um documento intitulado “A Páscoa do Povo”, foi apresentado a João Paulo II pelo cardeal Hume e pelo arcebispo Warlock.
O falecido papa empurrou-o para o lado e rejeitou-o, aparentemente sem nem mesmo lê-lo.
Não haveria reconsideração da contracepção ou a questão da Sagrada Comunhão para aqueles que se casassem novamente sem uma anulação. Ele não estava interessado na voz dos fiéis, mesmo quando transmitida pela hierarquia.
No entanto, a Igreja é mais do que os bispos.
Recentemente, fui honrado com um convite para falar a um grupo de pessoas muito empolgantes na Grã-Bretanha. Eles estão liderando o caminho em resposta ativa ao apelo de Francisco para uma sinodalidade aberta e contínua em todos os níveis.
Dois grupos de reforma da Igreja compostos por mulheres uniram forças para organizar um Root and Branch Inclusive Synod (em tradução literal seria “Sínodo Inclusivo da Raíz ao Ramo”, ou “Sínodo Inteiramente Inclusivo”). Eles estão chamando de “um sínodo que começa com as mulheres e não termina aí”.
Além disso, tendo começado na Grã-Bretanha, já se espalhou para mais longe. Pelo Zoom, reúnem-se duas vezes por mês, para ouvir palestrantes convidados sobre temas que ajudarão a formar a agenda.
O engajamento após as palestras é tão animado que eles voltam a se reunir no dia seguinte para um “café bate-papo” e troca de ideias e reflexões. Pediram-me para falar porque alguns dos membros leram meu livro “The Curia is the Pope” (“A Cúria é o Papa”, em tradução livre), que é uma crítica à estrutura de governo que trouxe a Igreja à sua condição atual.
O boletim informativo da Diocese de Clifton dá os detalhes:
Encontrando-se online desde outubro de 2020, o Root and Branch Inclusive Synod atraiu o interesse nacional e internacional, de católicos e outras denominações e crenças, com leigos, religiosos e clérigos se reunindo como iguais. Se você é um paroquiano ou um prelado, não praticante ou excluído da Igreja ou do ministério, junte-se a nós. É bom conversar!
O Root and Branch Inclusive Synod chegará às suas conclusões sobre questões de igualdade, inclusão e governança em workshops on-line de 5 a 8 de setembro de 2021. O Sínodo culminará com uma conferência de 10 a 12 de setembro, na conferência de estado da arte da Igreja de São Miguel, Stoke Gifford, ao lado da estação Bristol Parkway (o contato pode ser feito por este link, em inglês).
A participação está aberta a todos e todas, como irmãos e irmãs em Cristo.
Dignitários da Igreja são bem-vindos, mas devem deixar o uniforme do cargo em casa. Ao comparecer, eles estarão respondendo às demandas do papa, mas arriscando a desaprovação da facção anti-Francisco na Cúria.
Em sua abertura, inclusão, coragem e confiança no Espírito Santo, o Root and Branch Inclusive Synod proporcionará um raro canal de expressão para o sensus fidei fidelium.
Ao permitir a livre troca de ideias e, assim, aplicar a sinodalidade como entendida pelo Papa Francisco, estabelecerá um padrão e exemplo para o futuro, à medida que a sinodalidade genuína se torna mais amplamente adotada em toda a Igreja Cristã.
Se o ímpeto de mudança vier gradualmente do povo, será menos provável que leve a mais cisma.
Isso é aggiornamento em ação!
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Sínodos sem verdadeira sinodalidade? (Parte II) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU